Por que a indústria brasileira ainda engatinha na transformação digital?

Pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que apenas 1,6% das empresas brasileiras afirmam já operar no formato conhecido como Indústria 4.0 – processo também conhecido como Internet Industrial, que conecta robôs e automatiza processos em fábricas. Dos 24 setores industriais, mais da metade (14) está bastante atrasado em relação à adoção de tecnologias para otimizar processos produtivos. Esses 14 setores representam, segundo o IBGE, cerca de 40% da produção industrial do País.

Por outro lado, os números do levantamento também indicam que a digitalização do processo produtivo industrial deve avançar e atingir 21,8% das empresas brasileiras até 2027. O número mostra otimismo para o cenário futuro, mas, na verdade, comprova o quanto o Brasil ainda engatinha na transformação digital da indústria se comparado com países de ponta.

Esse porcentual esperado pelo Brasil para a próxima década já é realidade em países como Alemanha, Coreia do Sul, EUA e Israel. Especialistas apontam que a indústria nacional ainda se encontra em grande parte na transição do que seria a Indústria 2.0 (utilização de linhas de montagem e energia elétrica) para a Indústria 3.0 (que aplica automação por meio da eletrônica, robótica e programação).

O Brasil precisaria de cerca de 165 mil robôs industriais para se aproximar da densidade robótica atual da Alemanha, por exemplo. No ritmo atual, com cerca de 1,5 mil robôs instalados a cada ano, precisaríamos de mais de 100 anos para igualar os alemães.

O fato é que pressão por mais produtividade e competitividade em um cenário global está começando a despertar a necessidade por modernização dos processos no setor produtivo. Afinal, as tecnologias são capazes de transformar processos produtivos, otimizar custos de manutenção e gestão de ativos. Mas o que fazer para de fato entrar na era da Indústria 4.0? A Computerworld Brasil buscou respostas com alguns especialistas.

Integração de pessoas e sistemas

Ricardo Gonçalves, diretor de desenvolvimento de negócios da Pollux, fabricante de equipamentos para linha de montagem, comenta que o chão de fábrica brasileiro em sua maioria não apresenta defasagem tecnológica, ou seja, máquinas antigas. A questão, segundo ele, são os atrasos em relação a software.

“Mais de 80% do software instalado no Brasil é diferente um do outro. É um para planejamento, outro para gerar indicadores, outro para qualidade, rastreabilidade etc. Se você pensar no passado recente das empresas, o ERP surgiu para unir tudo. É mais ou menos esse processo que está ocorrendo no chão de fábrica. São vários sistemas conectados e você não consegue ter uma visão global. É um processo semelhante ao ERP”, comenta Gonçalves.

Mais do que levar as máquinas para a nuvem, o executivo diz que é preciso uma plataforma central. “É um combinado de hardware e software para que a transformação de fato aconteça.”

Além da integração de processos, Gonçalves aponta outra necessidade urgente para que os projetos de fato saiam do papel. Como já alertado por diversos especialistas, o perfil dos profissionais vai mudar. Ao mesmo tempo que funções transacionais e com ações repetitivas vão perder relevância, outros papeis essenciais vão surgir.

Um deles apontado pelo executivo é o de gerente de Indústria 4.0, ou gerente de internet industrial, pessoa responsável pela integração de dois áreas fundamentais para o andamento da digitalização de produções: operações e TI.

“Na maioria dos casos existe um conflito. Existem diversos softwares para serem colocados nas fábricas, mas o nível de integração do profissional de TI com o de operações é baixo. A pessoa do chão de fábrica pede para deixar o profissional de TI de fora e vice-versa. Existe um desafio grande de interação”, pontua.

Segundo o executivo, grandes empresas do País já estão criando essa área “intermediária”, para convergência entre os dois setores. E, em meio a desafios e oportunidades, quem nada de braçada são fornecedoras como a Pollux. O faturamento da companhia quadruplicou nos últimos 3 anos, o que impulsionou para a terceira colocação no ranking de Pequena e Média Empresa – PME que mais cresceu no Brasil (no mercado de automação foi a primeira), segundo classificação da Delloite em parceria com Exame.

“No ano passado, dobramos a área de manufatura digital e temos meta de dobrar de novo esse ano”, completa Gonçalves.

País competitivo

Claudio Raupp, diretor geral da HP Inc. no Brasil, comenta que o setor de manufatura é uma das principais áreas em que as tecnologias emergentes têm avançado a nível mundial e que no Brasil, especificamente, as oportunidades são enormes. Mas nem tudo são flores: os riscos e desafios colocam o avanço do País no setor em cheque.

“O Brasil é um grande centro consumidor e tem grande processo de manufatura. O importante para o País é dar incentivo para que a infraestrutura seja modernizada, apoiar o desenvolvimento da indústria no sentido de trazer inovação e não simplesmente proteger a indústria por protecionismo de mercado”, diz.

Um dos grandes desafios apontados pelo executivo está na formação profissional. Ele comenta que diversas funções nas fábricas serão cortadas, mas outras necessidades surgirão, particularmente em robótica, inteligência artificial, automação e design industrial – funções de muito valor. É onde moram alguns perigos. “Ao contrário do operador tradicional de fábrica, que fica ao lado das máquinas, essas novas funções podem estar em qualquer lugar do mundo. O Brasil terá mais riscos se não tomar decisões importantes como país.”

O risco se dá por sermos um país com grande parque industrial instalado. “A China, por exemplo, já acordou. O risco que vejo é não aproveitarmos as oportunidades que vão surgir e que não dependem de estar ao lado da linha de montagem. O Brasil precisa acordar para isso, avançar, tornar nossas indústrias mais competitivas para captar esses postos de trabalho. Quando falo em proteger, não é simplesmente colocar um muro em volta. Falo em torná-la competitiva”

Outra questão a ser resolvida, apontada por Raupp, é a proteção de patentes. “Esse é um novo mundo que está sendo criado, que requer toda questão regulatória de propriedade intelectual. Quando você quiser substituir uma peça no seu automóvel, você irá à oficina e pedirá a peça. Onde estará a propriedade intelectual? Como proteger no software (da impressão 3D)? Precisa haver essa discussão regulatória de proteção intelectual”, questiona.

Indústria 3D

Uma das principais contribuições da HP para o avanço da Indústria 4.0 tem sido com o desenvolvimento e fornecimento de impressoras 3D de última geração, que vão muito além do 3D tradicional que imprime protótipos, maquetes e peças únicas.

“Nossa tecnologia de impressão 3D se propõe a impactar a manufatura com produção em série com velocidade, baixo custo e capacidade de criar estruturas de peças que não são possíveis com as tecnologias de manufatura hoje existentes”, define.

Neste mês, a HP fez um importante anúncio: o lançamento da primeira impressora 3D que imprime em cores. A impressão, com controle de voxel, é feita em uma mesma fração de tempo de outras soluções. Dependendo da configuração e da preferência de cores, a série Jet Fusion 300/500 está disponível a partir dos US$ 50 mil, permitindo que equipes de desenvolvimento de produtos e empresas de design de pequeno a médio porte, empreendedores, universidades e instituições de pesquisa tenham acesso à tecnologia de impressão da indústria da HP, a Multi Jet Fusion.

A plataforma foi lançada globalmente e, segundo Raupp, deve chegar ao Brasil entre o final deste ano e início de 2019, quando o ecossistema estará mais desenvolvido de forma que possa ser vendido à indústria local.

Dell na prática

Dell Technologies é outra gigante da tecnologia de olho no mercado de internet das coisas, o qual tem tido grande demanda juntamente com tecnologias de data analytics e desenvolvimento de aplicações modernas (utilizando conceitos como DevOps, containers etc). “A Dell Technologies desenvolveu soluções de hardware, software e expertise consultiva para atender as demandas dos nossos clientes nestas áreas. Em outubro de 2017, anunciou investimentos de US$ 1 bilhão em pesquisa e desenvolvimento do ecossistema de IoT, com o objetivo de criar uma nova arquitetura de computação, reunindo IoT e inteligência artificial em um ecossistema interdependente, que vai da borda ao núcleo, passando pela nuvem”, destaca Ricardo Souza, líder da área de IoT e OEM da Dell EMC na América Latina.

Além do foco principal em tecnologia e serviços, a estratégia da empresa contempla o aumento da presença em IoT a partir de um forte programa e ecossistema de parceiros, que já conta com mais de 90 players incluindo desde grandes empresas como Intel, Microsoft e SAP até startups, como Action Point, IMS Evolve, FogHorn e Zingbox. “Os clientes também podem visitar um dos novos laboratórios IoT da Dell Technologies e que incluem iniciativas como IoT Vision Workshop, que identifica e prioriza casos de uso comercial de alto valor para dados IoT – essencialmente como e onde implantar as análises IoT que impulsionem o negócio e IoT Technology Advisory – desenvolve a arquitetura geral de IoT e o roteiro para implementação”, comenta Souza.

O envolvimento da Dell EMC com IoT vai além do fornecimento de soluções de transformação digital como um todo. Desde o final de 2016, a empresa utiliza IoT no processo de controle de qualidade na produção de computadores na fábrica da empresa no Brasil, em Hortolândia (SP).

No projeto, câmeras de vídeo instaladas na linha de produção fazem a leitura da Service Tag (etiqueta de identificação individual) dos equipamentos produzidos e encaminham os dados para o gateway (Dell Edge Gateway 5500). O gateway consulta as especificações técnicas das unidades produzidas no banco de dados da Dell e, a partir de scripts de análise, automaticamente define quais unidades devem ser submetidas aos testes de qualidade.

“Com o uso de IoT, a Dell aumentou em 20% os índices de eficiência da área da qualidade das unidades produzidas na fábrica de Hortolândia. Isso porque o time reduz o tempo de seleção e retirada manual dos computadores na linha de montagem para auditoria, além de dinamicamente reduzir a taxa de amostragem toda a vez que a performance de cada modelo estiver acima dos padrões esperados de qualidade”, conta o executivo.

A integração entre dados do processo produtivo com os demais sistemas da Dell, por meio do gateway IoT, permite que as decisões sejam tomadas com mais agilidade e segurança, além de permitir que o próprio sistema tome decisões rápidas para problemas de baixa e média complexidade. O que traz uma vantagem competitiva para a Dell no mercado brasileiro. “Com os resultados obtidos na fábrica no Brasil, o projeto foi replicado para outras fábricas da empresa em outros países”, finaliza.

Impacto da inteligência artificial nos negócios

A inteligência artificial ganha espaço nas discussões de tecnologia. Seja pelos benefícios, pelos avanços das ferramentas disponíveis com resultados claros, ou mesmo pela forma como tal tecnologia transformará as relações e o mercado de trabalho.

Os principais nomes da indústria de TI investem no desenvolvimento de soluções baseadas no conceito de inteligência artificial há pelo menos uma década, mas apenas recentemente é que as corporações desenvolveram as primeiras aplicações como suporte ao dia a dia do negócio. Entre elas, dispositivos de IoT.

Assista ao bate-papo com especialistas sobre o tema e baixe o e-book da quinta edição do Trend Talks, que contou com participação dos seguintes executivos: Mauricio Vieira, CIO da Sanofi; Marcelo Câmara, gerente de pesquisa e Inovação do Banco Bradesco, Pedro Gimene, assessor de tecnologia, da São Paulo Transporte (SPTrans) e Maurício Ruiz, presidente da Intel Brasil.

FONTE: COMPUTERWORLD