Por que a IA pode estar entrando em uma era de ouro

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busca da inteligência humana aplicada às máquinas já vem de décadas, e conquistou a imaginação há mais tempo do que isso ─ basta pensar no Frankenstein de Mary Shelley, no século 19. A Inteligência Artificial, ou IA, nasceu nos anos 50 com ciclos de expansão seguidos de fracassos, na medida em que os cientistas foram várias vezes malsucedidos na tentativa de fazer com que as máquinas se comportassem como o cérebro humano. Contudo, desta vez pode ser diferente devido a um grande avanço ─ a aprendizagem profunda, em que as estruturas de dados são montadas como a rede de neurônios do cérebro, de tal modo que os computadores aprendem por conta própria. Juntamente com avanços no poder e na escala dos computadores, a IA caminha hoje a passos largos como nunca antes.

Frank Chen, sócio especializado em IA da Andreessen Horowitz, empresa top de capital de risco, diz que a IA pode estar entrando em uma nova era de ouro. A Knowledge@Wharton conversou com Chen durante o recente congresso Fronteiras da IA, no Vale do Silício, e pediu a ele que discorresse sobre a situação da IA, o que há de real e o que há de alarde em torno dessa tecnologia, e também se será possível chegarmos ao que muitos dizem ser a coisa mais cobiçada pelos pesquisadores da área: atingir o nível da inteligência humana.

Segue abaixo a versão editada da entrevista.

Knowledge@Wharton: Qual a situação do investimento em IA hoje? Em que ponto estamos?

Frank Chen: Eu diria que estamos numa fase áurea dos investimentos no setor. Para nos situarmos em seu contexto histórico, a IA foi inventada em meados dos anos 50 em Dartmouth, e desde então tivemos ciclos de expansão e de fracassos. Os fracassos foram tão drásticos que ganharam até um nome ─ o inverno da IA.

Tivemos provavelmente cinco invernos desde os anos 50 e agora parece ter chegado a primavera. Muitas coisas estão funcionando, portanto há inúmeras oportunidades para que as start-ups escolham uma técnica de IA, apliquem-na a um problema enfrentado nos negócios e o resolvam. Nós e muitos outros investidores estamos fazendo de tudo para encontrar empresas que estejam resolvendo problemas usando a IA.

Knowledge@Wharton: O que foi que nos tirou desse inverno?

Chen: Há um conjunto de técnicas conhecido como aprendizagem profunda que, quando cominado com grandes volumes de dados, produz de fato predições bastante precisas. Por exemplo, a possibilidade de reconhecer o que está em uma foto, de ouvir sua voz e entender o que você diz, ser capaz de calcular a rotatividade dos clientes. A exatidão dessas predições, graças a essas técnicas, é cada vez maior. É isso o que está criando de fato as oportunidades.

Knowledge@Wharton: Quais seriam alguns dos grandes problemas que a IA resolveria para as empresas?

Chen: A IA está por toda parte. Pense, por exemplo, no ciclo de vida de um produto: você tem de calcular que produtos ou serviços criar, determinar seu preço, decidir como comercializar, vender e distribuir o produto, de modo que chegue à sua clientela. Depois de comprá-lo, é preciso pensar como dar suporte a ele e vender produtos e serviços relacionados ao produto. Se você pensar na vida inteira de um produto, verá que a IA ajuda em todas as etapas. Por exemplo, na hora de criar um produto ou serviço, temos essa fantasia de pessoas numa garagem no Vale do Silício inventando coisas a partir do nada. É claro que isso sempre haverá. No entanto, temos também empresas prospectando os fluxos de dados da Amazon e do eBay e se perguntando: o que as pessoas estão comprando? Que categoria está emergindo disso tudo? Se pensarmos nos negócios de rótulos específicos da Amazon, como o Amazon Basics, veremos que os produtos são todos frutos de dados. É possível descobrir o que está bombando na plataforma e tomar decisões do tipo: “Temos de criar um cabo HDMI, ou uma mochila.” É tudo decorrência de dados, e de um modo que não se via dez anos atrás.

Knowledge@Wharton: Que setores você acha que são mais promissores para a IA? Sei que ela está por toda parte.

Chen: Acredito realmente, e essa é nossa estratégia de investimento, que a IA vai se espalhar por todas as indústrias. Ela consiste em um conjunto de técnicas da ciência da computação que, assim como os bancos de dados, entrará em todos os aplicativos. Portanto, para mim, sua pergunta é o mesmo que querer saber quais setores serão beneficiados com esses bancos de dados. A resposta é: todos eles.

Os bancos de dados baratearam e tornaram grátis o armazenamento, a classificação e a contagem das informações. A IA barateia as predições e reconhece coisas e imagens, conversa e compreende o que se diz. Todos os aplicativos se beneficiarão dessas técnicas.

Knowledge@Wharton: Um relatório da McKsinsey constatou que apesar de todas as promessas e da empolgação suscitadas pela IA, as empresas ainda hesitam em adotá-la. Um dos motivos para isso é que elas ainda não veem o retorno do investimento em IA. Outra razão é que falta a elas profissionais e habilidades para implementá-las. O que você acha?

Chen: Todo conjunto novo de técnicas de computador criará um desequilíbrio temporário porque as pessoas que mais sabem a esse respeito são poucas e, portanto, muito caras e escassas. Portanto, o desequilíbrio se resolverá na medida em que universidades, grupos e outras instituições começarem a preparar mais e mais gente. Por isso, creio que vamos deixar essa fase para trás. Só para ilustrar, as três principais disciplinas de ciências da computação na área de IA em Stanford são “Introdução a IA”, “Processamento em linguagem natural” e “Processamento de visão” […] Cada uma delas tem ou está perto de 1.000 alunos. Vamos trabalhar esse desequilíbrio e conseguir mais gente preparada para a linha de frente.

Com relação ao receio de que as empresas não obterão o devido retorno sobre os investimentos feitos (ROI, na sigla em inglês), a IA elevará sem dúvida alguma as receitas ou baixará os custos, as duas coisas que toda empresa mais quer. Basta a elas pensar como fazê-lo […] Seria importante para sua empresa identificar os clientes prestes a abandoná-la e dar a eles uma mensagem relevante dirigida especificamente a eles? É claro que isso é importante. Seria importante que você calculasse o preço ideal de cobrança para cada cliente? É claro que sim. Seria importante que você pudesse predizer como maximizar o número de pessoas que verá uma mensagem específica de marketing da sua empresa no Facebook, na tevê, YouTube ou em outro lugar? É claro que sim. Portanto, qualquer pessoa que diga simplesmente que a IA não produzirá ROI algum não pode estar raciocinando direito.

Knowledge@Wharton: O que de melhor já está disponível na IA e o que ainda não está?

Chen: O que temos pronto hoje é o que a comunidade chama de inteligência artificial estreita. Essa inteligência difere da inteligência artificial geral, que é a inteligência dos humanos ─ os humanos podem aprender quase qualquer coisa que você coloque na frente deles. Eles podem aprender a esquiar no gelo, a fazer partidas dobras nos livros contábeis, a reconhecer as pessoas, a falar outras línguas. Temos esse computador fantástico em nossa cabeça chamado cérebro que é muito bom para aprender novas tarefas.

Não temos uma agenda de pesquisa que nos leve à inteligência artificial geral. Portanto, o que funciona é a inteligência estreita. Por exemplo, se você me der uma imagem eu lhe digo do que se trata, ou então converse comigo, e eu lhe direi o que você me disse ─ tudo isso é fantástico. Não vamos permitir que a ausência de progressos no segmento da inteligência artificial geral espante as pessoas. Além disso, é da inteligência artificial estreita que as empresas mais tiram proveito.

Vamos buscar oportunidades onde há necessidade de predições melhores, onde seja possível ter um relacionamento mais próximo com o cliente numa interface de bate-papo. Vamos buscar oportunidades procurando saber qual o próximo produto ou serviço que as pessoas querem comprar, e que dados podem informar essa decisão, em vez de ouvir algum gênio. As respostas estão aí se procurarmos por elas. As inteligências estreitas são perfeitas para as empresas. É isso que está funcionando.

A inteligência artificial geral ainda não está funcionando, mas tudo bem. Esse é mais um problema de pesquisa. Se parássemos com toda a pesquisa de IA agora, teríamos ao nosso dispor 20 anos de atividade frutífera em que é possível pegar as técnicas que já conhecemos e colocá-las em aplicativos para uso nas empresas.

FONTE: Wharton