O Google foi pioneiro em algumas das principais técnicas no centro da atual revolução da IA, mas corre o risco de ser engolido por sua criação; ações em queda e crise na ferramenta de Busca são sinais de alerta.
Marcas como o Google são tão imensas que é difícil imaginar um futuro no qual elas tenham menos relevância ou mesmo não existam. Mas a história tem diversos exemplos: BlackBerry, Kodak e Xerox para citar alguns. Todas gigantes que revolucionaram seus setores, e pareciam imbatíveis, até que deixaram de ser.
No caso do Google, a companhia tem perdido valor aos olhos dos investidores porque está ficando para trás na corrida da IA. Em 26 de fevereiro, as ações da empresa caíram mais 4% em um único dia após a companhia suspender um recurso de geração de imagens que recebeu críticas devido a representações históricas imprecisas. A Alphabet, controladora do Google, perdeu mais de US$ 70 bilhões de seu valor de mercado na data.
Apesar de uma alta de 43% nos últimos doze meses impulsionada pela febre da IA, neste ano as ações do Google acumulam uma queda de mais de 3%, comparada a altas de mais de 10% do Nasdaq Composite e da Microsoft, concorrente direta do Google na corrida da IA.
A preocupação dos investidores é que enquanto o Google patina em suas iniciativas de IA generativa, novos concorrentes começam a despontar. A OpenAI, dona do ChatGPT, já é avaliada em US$ 86 bilhões e vista como na dianteira da corrida da IA. O que não deixa de ser irônico, já que o Google foi pioneiro em algumas das técnicas no centro da atual revolução da IA. Muitos dos engenheiros fundadores da OpenAI deixaram o Google insatisfeitos com o que viam como incapacidade de inovar da companhia.
A IA gera problemas que afetam a alma do modelo de negócio do Google. A gigante é altamente dependente de suas receitas de venda de publicidade, e principalmente, buscas. À medida que a IA generativa passa a ser adotada por mais usuários, a expectativa é de que menos pesquisas sejam realizadas no Google, com a IA gerando respostas “resumidas” para as perguntas dos usuários e não por meio de links.
As redes sociais também têm roubado usuários do Google, com o público mais jovem realizando pesquisas dentro do Instagram e TikTok. O YouTube é uma das principais fontes de receita da companhia, e segunda maior ferramenta de buscas do mundo, mas também enfrenta crescente concorrência.
Além disso, a rápida disseminação da IA generativa acelerou a proliferação de sites de baixa qualidade e feitos somente para enganar o algoritmo do Google. O objetivo não é atender às pessoas, mas ranquear no topo das buscas para fraudar ou faturar com publicidade.
IA faz disparar spam e diminui qualidade das buscas
Para tentar se aproximar das redes sociais, que ganham terreno no espaço do Google, a gigante de buscas começou a dar mais destaque para posts de plataformas como o LinkedIn. O resultado ficou bastante distante do imaginado, como descreve a colunista Nicole Nguyen, no WSJ:
“Quando eu quis trocar a conta do Google que uso para o Gmail, eu pesquisei “como mudar a conta padrão do Google”. O primeiro resultado, com texto destacado, levou a um artigo postado no LinkedIn.
O autor era Morgan Mitchell, gerente de conteúdo na Adobe. Mitchell tem 150 artigos publicados, todos eles escritos em um formato de perguntas e respostas amigáveis à busca. Muitos desses artigos incluem números de telefone do serviço de atendimento ao cliente, a solução para problemas mais complexos — e para usuários menos familiarizados com a tecnologia.
O problema é que Mitchell não existe. E o número de telefone no artigo não pertencia a Google ou Adobe. Provavelmente, Mitchell é apenas um fruto da imaginação de alguma IA, e o número é uma maneira de enganar usuários desavisados”.
Nguyen revela ainda como sites fraudulentos também têm ficado no topo dos resultados do Google, facilitando golpes nos usuários.
O Google tem agido para conter o crescimento deste tipo de conteúdo. Sua nova atualização de algoritmo, que deve ser concluída em maio, promete “novas maneiras de combater spam e conteúdo de baixa qualidade na Busca”. Uma promessa antiga, e ilusória até aqui.
Por fim, um ambiente regulatório cada vez menos favorável para as “big techs” em todo mundo aponta para o Google um futuro pior do que o passado.
Atila Iamarino, biológo brasileiro e divulgador científico, publicou há duas semanas um vídeo no YouTube com o título: “Por que o Google irá acabar”. A publicação já tem mais de 334 mil visualizações.
Marcas devem se preparar para um futuro pós-Google
O problema para as marcas, e todo o ecossistema ligado ao Google, é que à medida que a gigante oferece soluções menos eficientes, é imprescindível repensar as estratégias com a empresa e reavaliar os investimentos. Não é segredo que as “big techs” inovam cada vez menos. O Google perdeu a dianteira na corrida da IA, mas não é um caso isolado.
A Apple, outra gigante do setor, acabou de abandonar o projeto de construir seu próprio carro após dez anos de trabalho e quase US$ 10 bilhões de gastos. O Apple Vision Pro, novo óculos virtual, não empolgou o público como se imaginava. Vale lembrar, o último grande lançamento disruptivo da Apple foi o iPhone, há 17 anos.
A boa notícia é que onde há mudança existe oportunidade.
“No cenário atual, com o fim dos cookies e mudanças nas plataformas digitais, vejo uma oportunidade significativa em estratégias de Marketing de Relacionamento, incluindo promoções, incentivos e principalmente programas de fidelidade e CRM”, diz Fernando Dineli, chefe de estratégia e crescimento da Roda Trade, agência de marketing de relacionamento. “Estas estratégias e ferramentas, focadas nos clientes e na geração de rentabilidade, ganham importância diante dos desafios impostos pela crescente preocupação com a privacidade”.
Dinelli aponta para uma crescente necessidade de aproximação com os clientes. “Programas de fidelidade robustos e promoções suportadas por tecnologia de CRM avançada, serão a vanguarda que irá ajudar empresas a enfrentar a redução de eficácia em Marketing Digital. Estas iniciativas não só oferecem um caminho para superar esses desafios, mas também para construir relações significativas com os públicos-alvo”. Para o executivo, o cenário pós-cookie, visto por alguns como distópico, oferece diversas oportunidades.
É justamente nesse cenário de rápidas mudanças que o Google pode perder sua hegemonia, não porque perca o monopólio das buscas, da qual controla mais de 91% do mercado, mas sim porque as buscas podem perder relevância para outras formas de respostas às dúvidas dos usuários. Você poderia, por exemplo, pedir para a IA montar um roteiro de viagem e não clicar em qualquer link de empresa aérea ou hotel.
Para seguir na corrida da IA, o Google precisa investir bilhões em novas tecnologias, mas atualmente sua margem de lucro é inferior às de Apple, Meta, Nvidia e Microsoft. Isso coloca os competidores em uma posição de vantagem. Uma das razões da recente disparada de US$ 200 bilhões em apenas um dia das ações da Meta foi um radical corte de custos e melhora do lucro operacional.
Neste cenário, qualquer movimento do Google, que possui o monopólio virtual das buscas tradicionais, pode ser visto de maneira dúbia e mais benéfica para a gigante do que para o ecossistema de publicidade.
O fim do uso dos cookies de terceiros nas plataformas do Google seriam um exemplo disso. Os cookies são pequenos arquivos de texto com dados de navegação que ajudam a guardar informações dos usuários. Sem eles é mais difícil vender publicidade segmentada.
O Google afirma que irá acabar no final do ano com os cookies para aumentar a privacidade dos usuários. Navegadores como Safari e Firefox já adotaram essa medida, então o Google estaria atrasado neste sentido.
Mas para os críticos, a mudança é mais benéfica para o Google do que para o mercado, já que a empresa aumentará seu domínio sob a venda de publicidade on-line e as soluções oferecidas pelo Google para substituir os cookies ainda não seriam tão eficientes quanto os cookies. Seja como for, o Google seguirá extraindo dados dos usuários, mas de maneira anônima utilizando IA.
“Independentemente da mudança em curso, as marcas e os profissionais de marketing precisam se manter atentos e atualizados e serem flexíveis e abertos às inovações”, diz André Dylewski, diretor de desenvolvimento de negócios da RTB House, que desde 2020 tem trabalhado em projetos para o fim dos cookies. “O consumidor está sempre mudando, e isso exige adaptações frequentes das estratégias de marketing. O marketing que vemos hoje não é o mesmo que víamos há 10 anos e não será o mesmo daqui outros 10, porque ele acompanha a mudança dos consumidores e da tecnologia disponível”
Dylewski diz que se o consumidor desenvolveu novos hábitos, as marcas precisam entender isso e trabalhar a sua resposta a esses novos padrões de comportamento e consumo. Essa adaptação demanda ajustes do profissional, da marca em si e de todo o ecossistema publicitário, o que também inclui a adaptação e introdução de novas tecnologias.
Este é o maior desafio para o Google e todo seu ecossistema: adaptar-se a um mundo novo, no qual aquilo que os trouxe até aqui não seja suficiente para levá-los adiante.
FONTE:
https://valor.globo.com/opiniao/guilherme-ravache/coluna/por-que-as-marcas-precisam-pensar-em-um-futuro-pos-google-e-o-estrago-da-ia-nas-buscas.ghtml