Por que as marcas precisam pensar em um futuro pós-Google e o estrago da IA nas buscas

O Google foi pioneiro em algumas das principais técnicas no centro da atual revolução da IA, mas corre o risco de ser engolido por sua criação; ações em queda e crise na ferramenta de Busca são sinais de alerta.

Avaliado como atrasado na corrida da IA generativa, Google teve de tirar do ar ferramenta de criação de imagens que exibiu soldados negros na Alemanha em 1943, na era nazista Avaliado como atrasado na corrida da IA generativa, Google teve de tirar do ar ferramenta de criação de imagens que exibiu soldados negros na Alemanha em 1943, na era nazista — Foto: Foto: Reprodução/X

Marcas como o Google são tão imensas que é difícil imaginar um futuro no qual elas tenham menos relevância ou mesmo não existam. Mas a história tem diversos exemplos: BlackBerry, Kodak e Xerox para citar alguns. Todas gigantes que revolucionaram seus setores, e pareciam imbatíveis, até que deixaram de ser.

No caso do Google, a companhia tem perdido valor aos olhos dos investidores porque está ficando para trás na corrida da IA. Em 26 de fevereiro, as ações da empresa caíram mais 4% em um único dia após a companhia suspender um recurso de geração de imagens que recebeu críticas devido a representações históricas imprecisas. A Alphabet, controladora do Google, perdeu mais de US$ 70 bilhões de seu valor de mercado na data.

Apesar de uma alta de 43% nos últimos doze meses impulsionada pela febre da IA, neste ano as ações do Google acumulam uma queda de mais de 3%, comparada a altas de mais de 10% do Nasdaq Composite e da Microsoft, concorrente direta do Google na corrida da IA.

A preocupação dos investidores é que enquanto o Google patina em suas iniciativas de IA generativa, novos concorrentes começam a despontar. A OpenAI, dona do ChatGPT, já é avaliada em US$ 86 bilhões e vista como na dianteira da corrida da IA. O que não deixa de ser irônico, já que o Google foi pioneiro em algumas das técnicas no centro da atual revolução da IA. Muitos dos engenheiros fundadores da OpenAI deixaram o Google insatisfeitos com o que viam como incapacidade de inovar da companhia.

A IA gera problemas que afetam a alma do modelo de negócio do Google. A gigante é altamente dependente de suas receitas de venda de publicidade, e principalmente, buscas. À medida que a IA generativa passa a ser adotada por mais usuários, a expectativa é de que menos pesquisas sejam realizadas no Google, com a IA gerando respostas “resumidas” para as perguntas dos usuários e não por meio de links.

As redes sociais também têm roubado usuários do Google, com o público mais jovem realizando pesquisas dentro do Instagram e TikTok. O YouTube é uma das principais fontes de receita da companhia, e segunda maior ferramenta de buscas do mundo, mas também enfrenta crescente concorrência.

Além disso, a rápida disseminação da IA generativa acelerou a proliferação de sites de baixa qualidade e feitos somente para enganar o algoritmo do Google. O objetivo não é atender às pessoas, mas ranquear no topo das buscas para fraudar ou faturar com publicidade.

IA faz disparar spam e diminui qualidade das buscas

Para tentar se aproximar das redes sociais, que ganham terreno no espaço do Google, a gigante de buscas começou a dar mais destaque para posts de plataformas como o LinkedIn. O resultado ficou bastante distante do imaginado, como descreve a colunista Nicole Nguyen, no WSJ:

“Quando eu quis trocar a conta do Google que uso para o Gmail, eu pesquisei “como mudar a conta padrão do Google”. O primeiro resultado, com texto destacado, levou a um artigo postado no LinkedIn.

O autor era Morgan Mitchell, gerente de conteúdo na Adobe. Mitchell tem 150 artigos publicados, todos eles escritos em um formato de perguntas e respostas amigáveis à busca. Muitos desses artigos incluem números de telefone do serviço de atendimento ao cliente, a solução para problemas mais complexos — e para usuários menos familiarizados com a tecnologia.

O problema é que Mitchell não existe. E o número de telefone no artigo não pertencia a Google ou Adobe. Provavelmente, Mitchell é apenas um fruto da imaginação de alguma IA, e o número é uma maneira de enganar usuários desavisados”.

Nguyen revela ainda como sites fraudulentos também têm ficado no topo dos resultados do Google, facilitando golpes nos usuários.

O Google tem agido para conter o crescimento deste tipo de conteúdo. Sua nova atualização de algoritmo, que deve ser concluída em maio, promete “novas maneiras de combater spam e conteúdo de baixa qualidade na Busca”. Uma promessa antiga, e ilusória até aqui.

Por fim, um ambiente regulatório cada vez menos favorável para as “big techs” em todo mundo aponta para o Google um futuro pior do que o passado.

Atila Iamarino, biológo brasileiro e divulgador científico, publicou há duas semanas um vídeo no YouTube com o título: “Por que o Google irá acabar”. A publicação já tem mais de 334 mil visualizações.

Marcas devem se preparar para um futuro pós-Google

O problema para as marcas, e todo o ecossistema ligado ao Google, é que à medida que a gigante oferece soluções menos eficientes, é imprescindível repensar as estratégias com a empresa e reavaliar os investimentos. Não é segredo que as “big techs” inovam cada vez menos. O Google perdeu a dianteira na corrida da IA, mas não é um caso isolado.

A Apple, outra gigante do setor, acabou de abandonar o projeto de construir seu próprio carro após dez anos de trabalho e quase US$ 10 bilhões de gastos. O Apple Vision Pro, novo óculos virtual, não empolgou o público como se imaginava. Vale lembrar, o último grande lançamento disruptivo da Apple foi o iPhone, há 17 anos.

A boa notícia é que onde há mudança existe oportunidade.

“No cenário atual, com o fim dos cookies e mudanças nas plataformas digitais, vejo uma oportunidade significativa em estratégias de Marketing de Relacionamento, incluindo promoções, incentivos e principalmente programas de fidelidade e CRM”, diz Fernando Dineli, chefe de estratégia e crescimento da Roda Trade, agência de marketing de relacionamento. “Estas estratégias e ferramentas, focadas nos clientes e na geração de rentabilidade, ganham importância diante dos desafios impostos pela crescente preocupação com a privacidade”.

Dinelli aponta para uma crescente necessidade de aproximação com os clientes. “Programas de fidelidade robustos e promoções suportadas por tecnologia de CRM avançada, serão a vanguarda que irá ajudar empresas a enfrentar a redução de eficácia em Marketing Digital. Estas iniciativas não só oferecem um caminho para superar esses desafios, mas também para construir relações significativas com os públicos-alvo”. Para o executivo, o cenário pós-cookie, visto por alguns como distópico, oferece diversas oportunidades.

É justamente nesse cenário de rápidas mudanças que o Google pode perder sua hegemonia, não porque perca o monopólio das buscas, da qual controla mais de 91% do mercado, mas sim porque as buscas podem perder relevância para outras formas de respostas às dúvidas dos usuários. Você poderia, por exemplo, pedir para a IA montar um roteiro de viagem e não clicar em qualquer link de empresa aérea ou hotel.

Para seguir na corrida da IA, o Google precisa investir bilhões em novas tecnologias, mas atualmente sua margem de lucro é inferior às de Apple, Meta, Nvidia e Microsoft. Isso coloca os competidores em uma posição de vantagem. Uma das razões da recente disparada de US$ 200 bilhões em apenas um dia das ações da Meta foi um radical corte de custos e melhora do lucro operacional.

Neste cenário, qualquer movimento do Google, que possui o monopólio virtual das buscas tradicionais, pode ser visto de maneira dúbia e mais benéfica para a gigante do que para o ecossistema de publicidade.

O fim do uso dos cookies de terceiros nas plataformas do Google seriam um exemplo disso. Os cookies são pequenos arquivos de texto com dados de navegação que ajudam a guardar informações dos usuários. Sem eles é mais difícil vender publicidade segmentada.

O Google afirma que irá acabar no final do ano com os cookies para aumentar a privacidade dos usuários. Navegadores como Safari e Firefox já adotaram essa medida, então o Google estaria atrasado neste sentido.

Mas para os críticos, a mudança é mais benéfica para o Google do que para o mercado, já que a empresa aumentará seu domínio sob a venda de publicidade on-line e as soluções oferecidas pelo Google para substituir os cookies ainda não seriam tão eficientes quanto os cookies. Seja como for, o Google seguirá extraindo dados dos usuários, mas de maneira anônima utilizando IA.

“Independentemente da mudança em curso, as marcas e os profissionais de marketing precisam se manter atentos e atualizados e serem flexíveis e abertos às inovações”, diz André Dylewski, diretor de desenvolvimento de negócios da RTB House, que desde 2020 tem trabalhado em projetos para o fim dos cookies. “O consumidor está sempre mudando, e isso exige adaptações frequentes das estratégias de marketing. O marketing que vemos hoje não é o mesmo que víamos há 10 anos e não será o mesmo daqui outros 10, porque ele acompanha a mudança dos consumidores e da tecnologia disponível”

Dylewski diz que se o consumidor desenvolveu novos hábitos, as marcas precisam entender isso e trabalhar a sua resposta a esses novos padrões de comportamento e consumo. Essa adaptação demanda ajustes do profissional, da marca em si e de todo o ecossistema publicitário, o que também inclui a adaptação e introdução de novas tecnologias.

Este é o maior desafio para o Google e todo seu ecossistema: adaptar-se a um mundo novo, no qual aquilo que os trouxe até aqui não seja suficiente para levá-los adiante.

FONTE:

https://valor.globo.com/opiniao/guilherme-ravache/coluna/por-que-as-marcas-precisam-pensar-em-um-futuro-pos-google-e-o-estrago-da-ia-nas-buscas.ghtml