Por dentro do San Pedro Valley, que abriga mais de 200 startups em Belo Horizonte

Visitamos a sede da Méliuz, Sympla, Hotmart e SmarttBot para entender a cultura de empreendedorismo de BH

Negocios Disruptivos

O Vale do Silício é um dos grandes conhecidos de quem gosta de tecnologia; as maiores empresas do setor estão por lá. Já o San Pedro Valley, que fica em Belo Horizonte (MG), pode ser encarado como uma versão brasileira da região — até no nome.

A região San Pedro Valley existe desde 2011 e já tem 258 startups dos mais diversos setores, além de espaços de coworking, aceleradoras e investidores. No total, são mais de 300 iniciativas.

Apesar de ter começado no bairro de São Pedro, o San Pedro Valley não se limita a uma região em específico e hoje é considerado uma comunidade onde várias empresas de Belo Horizonte podem participar; basta fazer o cadastro no site.

Cultura de empreendimento e parceria

Na minha visita, descobri que a cultura de startups é bem incentivada em Minas Gerais. Um dos estímulos vem do Seed, programa de aceleração de startups do próprio governo do estado que já existe há quatro anos.

O Seed treina e investe em diversas empresas da região. Nas três últimas rodadas do programa, foram 112 startups aceleradas, mais de R$ 15 milhões investidos e mais de 200 empregos criados em Minas Gerais.

Além de incentivos financeiros, percebi que as empresas da região têm uma cultura muito colaborativa, onde cada uma aprende com a outra. É uma troca orgânica, ora por SlackWhatsApp e Telegram, ora por reuniões mensais.

Sem administração centralizada ou processos formais, o San Pedro Valley continua sendo importante para quatro startups, ainda que já tenham crescido muito: Méliuz, Hotmart, Sympla e SmarttBot.

Méliuz

A primeira empresa no roteiro foi a Méliuz, que ocupa 5 andares de um prédio em Belo Horizonte que também já foi sede do Google. A Méliuz oferece um sistema de cashback, ou seja, devolve parte do dinheiro que você usa para comprar produtos em diversos estabelecimentos.

O dinheiro que você recebe sai da verba de marketing dessas lojas e a Méliuz divide o valor com os usuários. Nos Estados Unidos e Europa, o modelo cashback existe há mais de 15 anos.

Daniela Fagundes, coordenadora de branding da Méliuz, explica melhor a estratégia de cashback, que é um benefício, e não um cupom. “Não é desconto, aí não deprecia o produto. O consumidor tem que comprar para depois ele receber [o dinheiro] de volta”, diz Daniela.

Vamos combinar: Méliuz realmente é um nome complicado, hein?

Porém, ela diz que a maior tecnologia da Méliuz hoje não é o cashback. Segundo Daniela, é fornecer para o estabelecimento o perfil do consumidor e personalizar o conteúdo para o público, como sugerir produtos e acompanhar os hábitos de consumo. Além disso, a Méliuz consegue movimentar as compras e atrair mais usuários pelas redes sociais e divulgação.

Hoje, a empresa não se limita só a lojas virtuais e opera no varejo local nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília e, claro, Belo Horizonte. Para Daniela, isso estimulou as pessoas a acreditarem que o cashback funciona mesmo. “A maior forma de aquisição é o boca a boca”, diz.

A Méliuz tem 170 funcionários, com escritórios em Manaus e São Paulo, além da capital mineira. Eles também trabalham com funcionários remotos em Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Os dados são impressionantes: já são 2,4 milhões de usuários cadastrados, mais de 40 milhões de reais devolvidos e R$ 1,4 bilhão em vendas de produtos. A empresa quer se tornar um “passo natural no fluxo de contas da pessoa”. “Sempre antes de almoçar ou jantar, a pessoa vai olhar as ofertas disponíveis no aplicativo”, diz Daniela.

No geral, a Méliuz avalia sua participação no San Pedro Valley como muito positiva. A empresa ganha mais visibilidade e faz mentorias, trocas de experiência para ajudar quem está começando e ser ajudado por quem já aprendeu bastante no meio. A troca é tão grande que acontece em reuniões mensais com as empresas do ramo — a última, por exemplo, ajudou a Méliuz a melhorar seu perfil no LinkedIn.

Hotmart

Essa aqui está no San Pedro Valley desde o comecinho, quando o nome ainda nem existia. Aliás, foi o próprio co-fundador da Hotmart, Mateus Bicalho, que um dia brincouque o nome BH Valley deveria ser outro melhor, como San Pedro Valley. E assim pegou.

A Hotmart comercializa produtos digitais, como ebooks ou video-aulas, que são colocados dentro da plataforma e os usuários pagam o preço que o criador estabeleceu. Caso não goste do produto que comprou, o cliente pode pedir seu dinheiro de volta em até 15 ou 30 dias após o pagamento.

A empresa não faz só esse intermédio entre produtor e consumidor: ela também ajuda o criador de conteúdo a definir um nicho de audiência, persona, criar uma página de venda e a divulgar o seu produto. A Hotmart cobra 9,9% sobre o valor do conteúdo mais R$ 1 por cada venda.

O time da startup é bem grande: no total, a Hotmart tem 260 funcionários, que ficam em um dos 6 andares do prédio em Belo Horizonte, ou em escritórios, em Madrid e Bogotá. Sim, a empresa já começou a operar lá fora porque viu um “comportamento parecido com o nosso” no mercado latino.

Hoje, a Hotmart planeja abrir um escritório até no México, mas não disse nada sobre abrir um escritório em outras cidades do Brasil. O motivo? O apreço pelo San Pedro Valley e o sentimento de responsabilidade para com as outras empresas na região.

Andresa de Carvalho, que faz a comunicação interna e externa da empresa, lembra que a Hotmart nasceu dividindo escritório com a Rock Content, outra veterana na região. Ambas sempre atuaram de forma colaborativa, que é como ela vê a relação de várias parceiras no San Pedro Valley.

Sympla

Se você está contando, pode dar o recorde para a Sympla, cujo escritório ocupa 8 andares (!) em um prédio de BH. A empresa é uma plataforma de eventos que media o contato entre produtores e visitantes. Para o organizador, ainda é possível acompanhar o desempenho das vendas, e fazer a gestão do evento direto pela plataforma.

Hoje, a Sympla acumula 180 funcionários e tem 45 vagas abertas (!). Só neste ano, já foram contratadas 84 pessoas e eles têm a previsão de abrir mais 32 vagas até o final do ano. A empresa tem escritórios em São Paulo, Rio, Recife e Goiânia.

Dentro da plataforma, em média são oferecidos 11 mil eventos por dia, somando 1 milhão de ingressos vendidos no mês. No total, já foram realizados 175 mil eventos pelos mais de 30 mil produtores com a plataforma. No ano passado, a empresa recebeu R$ 13 milhões em investimento pela Movile.

Luciana Junqueira, analista de relações públicas na Sympla, conta que a relação com o San Pedro Valley foi fundamental para o começo da empresa. “Nos fortaleceu muito, a troca e o aprendizado sempre foi muito grande”, diz. Até hoje, os times dessas empresas trocam insights de forma natural.

SmarttBot

De casa nova, a SmarttBot nos recebeu em um escritório que nem foi inaugurado oficialmente. A startup tem um robô de investimento que opera na bolsa de valores. O fundador da SmarttBot é Paulo Gomide, que, com apenas 30 anos, já detém 3,1% do market share da bolsa de valores na SmarttBot.

“Somos mais ou menos o home broker [sistema que negocia os papéis de ações na bolsa de valores], a diferença é que você configura a sua estratégia e o robô opera por você”, explica Gomide. Hoje, a empresa tem 25 mil pessoas cadastradas e 1 mil assinaturas, que custam de R$ 99 a R$ 1.399 por mês.

Paulo Gomide, fundador da SmarttBot, no novo escritório da empresa.

Para usar o SmarttBot, é necessário abrir uma conta em uma corretora parceira. Hoje, a SmarttBot trabalha com 14 corretoras, mas conquistar a primeira foi uma tarefa difícil; poucas confiavam em um robô de startup para fazer operações reais na bolsa de valores.

Uma das corretoras parceiras é a XP Investimentos, que teve 49,9% do seu capital comprado pelo banco Itaú. Gomide conta que o interesse em trabalhar junto foi da própria XP, cujo diretor técnico ficou impressionado com o desempenho do SmarttBot e quis uma parceria o quanto antes.

Com mais de R$ 35 bilhões transacionados (incluindo compra e venda), Gomide atribui esses “números impressionantes” de crescimento e operação à XP, que abriga a maioria dos clientes da empresa.

Gomide tem mestrado em inteligência artificial. Na época, era um desenvolvedor dentro do time de três pessoas que dedicavam o seu tempo para fazer o SmarttBot funcionar. A ideia estava sendo desenvolvida desde março de 2011, mas foi o produto foi lançado oficialmente em janeiro de 2014.

Como você deve imaginar, o sistema por trás do SmarttBot é bem complexo. “Hoje a gente vê gente tentando fazer coisa igual e tecnologicamente é muito difícil. Qualquer erro nosso pode acarretar uma perda de milhões para o cliente”, diz Gomide.

Assim como na Sympla, a troca da SmarttBot com outras empresas do San Pedro Valley é menos formal e mais orgânica, por WhatsApp, Telegram e Slack. “Se uma webcam queima, passou meia hora e já tem alguém aqui nos ajudando”, diz Gomide.

A relação da SmarttBot com a região é muito mais imaterial, assim como a existência da comunidade. “A gente sente e respira isso dia inteiro. Sem o San Pedro Valley a gente não estava em lugar nenhum”, confessa.

FONTE: TECNOBLOG – por Jean Prado