Pescaria com drone permite capturar peixes de 20 quilos, arraias e até tubarões pequenos

Modalidade exige investimento financeiro e treinamento, mas permite avançar a espaços que não são alcançados facilmente por linhas e anzóis.

Em uma versão atualizada da tradicional pescaria, o drone fishing vem ganhando espaço nas praias gaúchas. A modalidade permite avançar mar adentro com o equipamento para capturar peixes maiores e outros animais marinhos que não ficam próximos da beira do mar. A atividade é classificada como esportiva e exige investimento financeiro.

A prática é condenada por ambientalistas, que a definem como ruim para o equilíbrio do meio ambiente e cruel para os animais. Para a ambientalista e cientista social Nathalie Gil, a atividade não deve ser disseminada e deveria ser interrompida por diversos fatores (confira detalhes mais abaixo).

Nessa modalidade, a principal função do drone é levar linha e anzol para a água. O equipamento possui um “dispensador de linha”, como um gancho que abre em alto mar e a solta. Depois, o drone retorna a areia.

Como na pescaria normal, a linha segue presa ao caniço e a carretilha, e é por ali que o peixe fisgado é trazido para fora da água. Em geral, a linha é jogada a cerca de 300 metros da beira da praia.

Graças a essa vantagem, Felipe de Fraga Roman, 39 anos, conta que já pegou peixes de mais de 15 kg e até um tubarão Bacota, na Argentina.

— A pescaria fica muito mais divertida. Você utiliza uma tecnologia existente para fazer um lançamento melhor, pegar peixes maiores e diferentes, que estão mais para o fundo. Já vi arraia de 50kg, corvina…o maior foi um tubarão Bacota, que tinha 2,45 metros e cerca de 100 kg. Foram seis dias na beira da praia em uma província de Buenos Aires — lembra ele.

O Bacota pescado na Argentina não foi morto. A ação fazia parte de um projeto de conservação e controle populacional de tubarões da Argentina. O animal foi capturado, etiquetado e recolocado no mar logo depois. O anzol utilizado na ocasião era especial, para que não fosse engolido pelo tubarão.

Segundo Roman, a maior parte dos animais capturados com drone são soltos, já que a atividade é esportiva. Alguns são pescados para consumo próprio. Ele integra um grupo de drone fishing com cerca de 80 pessoas, mas o interesse pela modalidade vem crescendo.

— Quem vê de fora as vezes pode achar que é preguiça, que a gente não quer se sujar, molhar. Mas não é isso, essa é uma atividade diferente. Você não vai tão longe com a pesca normal, pode passar a vida toda na beira da praia que não vai pegar peixes grandes assim — explica.

Roman, que mostrou como funciona o equipamento na praia de Tramandaí,  também trabalha com desenvolvimento de softwares e criou o drone que usa para pescar. Após abrir empresa, ele passou também a comercializar os itens.

O programador explica que o item pode se distanciar em até 600 metros do pescador, e subir a uma altura de mais de 100 metros. Por segurança, afirma, o ideal é não ultrapassar os 300 metros mar adentro, e manter a altura em 20 metros. A bateria costuma durar cerca de 20 minutos, o que pode variar de acordo com o vento e a espessura da linha. Já a vida útil do motor é de cerca de três mil horas de voo. É preciso ter alguma reserva financeira para investir na atividade: o drone com câmera custa R$ 7,5 mil e, sem o item, R$ 6,5 mil.

Do hobby para o trabalho

Morador de Porto Alegre, Roman pesca desde a infância, influenciado pela família, que costuma veranear na praia de Curumim. Em 2018, um amigo do pai de Roman comentou que usava um drone que tinha para levar a linha de pesca para longe da areia. A ideia chamou a atenção e ele passou a estudar o tema.

— Ele fazia de forma adaptada, o drone era para outra função. Pesquisei e vi que não tinha drone para pesca no Brasil. Nos EUA, tem empresas que fazem, mas custa cerca de US$ 4 mil, fora gastos com importação.

O programador, que tem mestrado em robótica, passou a utilizar os conhecimentos para desenvolver um modelo de drone específico para a pesca. O primeiro modelo saiu em 2021. Foi quando o hobby virou possibilidade de trabalho e ele abriu a empresa Drone Fishing Brasil, em 2022. O equipamento foi sendo adaptado, e hoje está em sua terceira geração, que conta com GPS, pés de borracha para evitar atrito com o solo, e câmera na parte de baixo, que permite ver, pelo controle, o local onde a linha será lançada. Com quatro hélices e motor, o drone tem a carcaça e os pés feitos por impressora 3D.

Roman estuda ainda novos modelos, que podem ter variações como força do motor e diferentes funcionalidades e recursos na tela, por exemplo.

Segundo ele, a modalidade de drone fishing é mais difundida em locais como Austrália e Nova Zelândia, e ainda engatinha no Brasil. No entanto, ele afirma que já fez vendas para Estados como Rio de Janeiro e Pernambuco. Em cerca de um ano de empresa, foram quase de 20 equipamentos vendidos. A maioria dos clientes são gaúchos, que tem a pesca como hobby.

Quem adquire o item ganha um treinamento, que pode ser feito presencialmente no Litoral Norte. Para pessoas de fora do Estado, há vídeos e tutoriais no site da empresa, e também nas redes sociais. Roman garante que aprender a pilotar o drone é simples:

— É bem fácil, a parte de pilotar é tranquila. A maior parte do público é da terceira idade e eles aprendem super rápido. O principal desse treinamento é a orientação sobre como soltar a linha, os cuidados para não engatar na hélice e acabar derrubando o drone.

Nessa preparação, o cliente também recebe explicações sobre legislação de drones, registro junto a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e uso de aplicativo que autoriza os voos.

Conforme Roman, a queda do equipamento na água pode levar a perda total. Por isso é preciso ficar atento as orientações antes de utilizá-lo: não subir o drone em dia de chuva ou com vento muito forte, optar por espaços e praias mais vazios, para evitar acidentes, e sempre esperar a conexão com o GPS antes de levantar voo.

Prática é cruel e nociva ao ambiente, diz ambientalista

Para a ambientalista e cientista social Nathalie Gil, a atividade não deve ser disseminada e deveria ser interrompida por diversos fatores. Segundo ela, a prática é “extremamente ruim para o equilíbrio do meio ambiente local, é cruel para o animal, e coloca mais uma camada de ameaça e predação para estes animais que já sofrem tão abusivamente com a pesca ilegal e predatória”.

Ela define a prática de pesca esportiva como “comum e egoísta”, feita para “tirar fotos com o animal fora d’água”. Nathalie ressalta que mesmo que o animal seja recolocado no mar ainda vivo, o ferimento com o anzol pode causar lesões, infecções e até dificultar a alimentação futura, causando doenças e até a morte.

— Estes animais já são injustamente discriminados, por falta de leis que os protegem, permitindo sua pesca exacerbada e grande parte das vezes, predatória, levando o ecossistema marinho ao colapso — pontua Nathalie, que também é presidente e CEO da Sea Shepherd, Organização internacional que luta pela conservação da vida marinha.

Segundo ela, 40% das espécies de tubarões estão em risco de extinção, além de mamíferos marinhos como a toninha, muito presente no litoral norte do Estado. A ambientalista afirma ainda que a atividade desrespeita regras estabelecidas.

— Uma prática de pesca por drones burla o bem pouco de leis e regulamentações que protegem estes animais. Há leis que exigem, por exemplo, somente técnicas direto da praia, ou que não permitam uso de embarcações motorizadas. O drone não deixa de ser um objeto motorizado e que avança a ação humana para além da costa — explica.

Além disso, há a questão da dor causada. Nathalie afirma que há animais muito sensíveis à interação com apetrechos de pesca, como a toninha, que podem morrer de estresse mesmo quando não há intenção de matar o animal. Eles podem, por exemplo, se enrolar na linha na tentativa de se soltarem, além de se tornarem presas fáceis a outros animais nas proximidades, sem chance de se protegerem. Assim, podem morrer sufocados.

— O fato de que ele é pego por um material de pesca de maneira autônoma, sem um humano diretamente em suas proximidades, significa muito sofrimento e dor ainda maior por um período crucial para a sobrevivência do animal, até o humano intervir para soltura, isso se de fato usam esta técnica somente para pesca esportiva mesmo  — finaliza a ambientalista.

FONTE: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/verao/noticia/2023/01/pescaria-com-drone-permite-capturar-peixes-de-20-quilos-arraias-e-ate-tubaroes-pequenos-cldhqgniw0031014so8rly1gf.html