Para CEO do Boticário, empresa é uma ‘lovetech’, pois depende de interação e tecnologia

Fernando Modé avalia que meios digitais ‘empoderaram’ o boca a boca e que, além da tecnologia, a relação humana mais calorosa faz a diferença.

Com um portfólio de marcas como Boticário, Eudora, Quem disse, Berenice?, Beauty Box e o e-commerce Beleza na Web, O Grupo Boticário passou por uma reestruturação para atender melhor as necessidades do consumidor.

Desde a chegada do CEO Fernando Modé, em 2021, a divisão em áreas de negócios foi deixada de lado, em um processo que estimula a cooperação e o compartilhamento de soluções. O grupo tem investido em tecnologia, logística e em uma plataforma para acelerar influenciadores digitais, o Botiverso. Em 2021, último dado anual disponível, o grupo faturou R$ 18,1 bilhões.

Modé avalia que o boca a boca passou a ser “mais empoderado” com os meios digitais. E lembra que, apesar de o negócio envolver muita tecnologia embarcada, a interação humana é fundamental na venda direta e nas lojas.

Desde que assumiu, o senhor alterou a estrutura da empresa. O que mudou?

Era vice-presidente corporativo e minha chegada como CEO é parte da estratégia de transformação que foi tomada pelo conselho e pelos acionistas. Temos a pretensão de ser o primeiro e, sendo o primeiro, ser o maior e melhor ecossistema de beleza.

A gente vinha em uma lógica de várias marcas: Boticário, Eudora, Quem disse, Berenice? e compramos outras. O consumidor é multimarca, multicategoria e multicanal. Mas tínhamos unidades de negócios separadas por categorias, marcas e canais. Era um modelo que tende a gerar mais competição interna do que cooperação.

Reorganizamos a lógica de funcionamento no sentido da cooperaração e facilitação do acesso a soluções. Chamamos esse movimento de “Um só grupo”, colocando todo mundo em uma única perspectiva.

O grupo fez várias aquisições recentes. É o caminho para seguir a” jornada do cliente”?

A gente tem que investir desde a captura da atenção, gerando conteúdo de qualidade e permitir que esses consumidores se conectem com uma frequência grande. Para isso, preciso ter gente que entenda de conteúdo e do perfil do consumidor, não apenas em uma lógica transacional, mas de consumo de conteúdo.

Então não adianta apenas produzir o melhor produto?

Quando você pensa em comprar um produto de beleza, está pensando em uma necessidade para seu cabelo, por exemplo. Não pensa necessariamente na marca. E depois vai escolher o canal no qual vai comprar.

Pode comprar no Beleza na Web, no mercado da esquina ou no salão de beleza. Você precisa estar presente quando nasce a necessidade e, se não fui considerado como marca, não levo o consumidor para dentro da minha loja.

O grupo lançou uma plataforma para acelerar influenciadores, o Botiverso. Como isso alterou a estratégia de comunicação?

Na venda direta, que é um social commerce há quase 70 anos no Brasil, a gente está fazendo isso de uma maneira mais digital, pois o boca a boca passa a ser um pouco mais emponderado através dos meios digitais.

É um empoderamento para um conjunto de revendedores fazerem melhor. Estamos estruturando algo que já acontece. Aliás, uma das melhores formas de praticar essa comunicação é que essa conversa seja de igual para igual. Isso traz autenticidade e uma credibilidade maior ainda.

A criação de conteúdo digital é o novo boca a boca?

Em grande parte é. O Brasil é muito relacional. Vi uma vez a Fernanda Montenegro falar que o teatro é o único lugar hoje onde você tem interação humana com humano de forma direta. Do resto, tudo é mediado por alguma tecnologia.

O nosso teatro é essa venda direta e as nossas lojas, onde a interação humana ainda acontece. Eu brinco aqui na companhia que hoje temos essas empresas que são retailtechs, fintechs e todas que levam tech. Se a gente for classificar nosso negócio, que tem tecnologia embarcada, mas depende muito da interação humana direta, somos uma empresa lovetech, se a gente fosse colocar nesses termos.

É importante a qualificação da relação humana mais calorosa de que o brasileiro precisa. A gente é assim.

O grupo tem o movimento Diversa Beleza. Como isso é visto pelo consumidor?

Do público em geral, tem a percepção de que isso cria um diferencial. Se consigo me enxergar dentro de uma loja ou campanha, me sinto mais integrado. E intuitivamente me sinto mais a favor de continuar essa relação, seja em compras ou pelo interesse na marca.

O que é beleza para o Boticário?

Há duas conexões. O estético e o ético precisam andar juntos. Na parte estética, a gente enaltece a beleza que cada um tem. A gente entende que, na verdade, não tem um estereótipo de beleza.

No campo ético, a gente procura acertar sempre, acho que a gente procura fazer as coisas da maneira que a gente acredita que são melhores dentro de uma convivência social. Não é só como você faz, mas como você produz aquilo que você faz. E estou falando da questão racial, que é uma questão importante, e da questão da desigualdade de acesso.

No ano passado, O Boticário lançou edição limitada do Ma Chérie, colônia dos anos 1990. Como vê a questão da nostalgia no consumo?

É a memória afetiva. Especialmente no nosso negócio a memória olfativa aguça a memória afetiva. Você lembra de sensações, de cheiros e isso é muito forte. A nostalgia é uma tendência recente depois da Covid e é mundial. É um resgate da vida na parada que a gente teve.

E nos inspiramos nisso. Fizemos com Ma Chérie e também com Bubbaloo. E minha filha tem dez anos, não tem memória afetiva nenhuma do Bubbaloo. E adora. Então, estamos nos conectando com uma geração nova.

Se o consumidor é multicanal, qual é o papel da loja hoje?

Essa é a pergunta do trilhão. Para comprar, depois da pandemia, não precisa ir até a loja. É preciso outra razão. Então, pensamos em uma experiência mais completa. As lojas têm ainda a questão sensorial, ajudam a entender a textura e visualizar melhor as cores.

Estamos tentando agregar no nosso modelo de loja esse tipo de experiência. Em algumas flagships, estamos testando experiências, por exemplo, onde você consegue fazer o seu próprio perfume e seu próprio produto para cabelo.

Como lidam com a incerteza no cenário econômico?

Fomos fazendo movimentos de olho no consumidor. Antes, as lojas do Boticário só vendiam as marcas associadas do Boticário. Ao longo do tempo, o negócio foi se transformando com acesso através da venda direta e do e-commerce.

No Natal, 50% das pessoas que compraram no site ou no aplicativo pediram para buscar o produto não em casa, mas na loja. A gente depois veio com Eudora e Quem, disse Berenice?. E no mundo multimarca, a gente vende L’Oréal e Wella. Não são marcas proprietárias nossas. Então, a gente vê lógica de expansão de oferta de marcas, de canais e de categoria. Com a Truss, a gente completa mais um pedaço, que é o profissional de salão de beleza.

Essa é a nossa estratégia, buscando varrer várias categorias em vários preços diferentes. E com isso a gente veio crescendo a participação de mercado. Uma mesma revendedora vende Boticário e Eudora, em um projeto em fase de implementação. O franqueado está vendendo as duas também.

Já temos dois anos seguidos de inflação acima da meta. Qual é o efeito para o negócio?

O nosso negócio é um jogo formado por duas variáveis: gente e renda disponível. Temos muita gente, mas o dinheiro quando flutua pela questão da inflação, que corrói a renda disponível, encurta o espaço de negócio.

Com a renda disponível menor, ela pode ir para a assinatura do streaming, do telefone, a escola do filho e o plano de saúde. Sobra menos espaço para a compra do produto de beleza ou outras coisas. Mas o que temos visto do comportamento do brasileiro é o gasto a favor dos produtos de beleza porque é espaço de autoindulgência e de se cuidar melhor. O setor tem resiliência muito boa.

FONTE: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2023/01/nosso-negocio-depende-de-interacao-somos-uma-lovetech-diz-ceo-do-boticario.ghtml