Os carros chineses vão invadir o mundo

O setor automotivo mundial passa atualmente por um processo de consolidação com o argumento de que necessita de um novo patamar de ganhos de escala para sustentar os elevados custos de desenvolvimento em Pesquisa que ditarão o futuro próximo: condução autônoma e eficiência energética. O diferencial dessa nova onda de consolidação reside em um novo player global, com muito apetite e dinheiro: China. No passado Pequim estimulou suas fabricantes de automóveis a expandirem suas operações globalmente através de plantas industriais e oferta direta de seus produtos em mercados maduros, porem hoje é sabido que a aceitação e sucesso de mercado de seus produtos não foram alcançados. Porém um empresa específica optou por um caminho alternativo, a Geely Motors, que adquiriu em 2010 a renomada fabricante sueca Volvo, absorveu know how e o prestígio da marca, concedeu liberdade total para a engenharia e o departamento de design, e hoje é referência de um case de sucesso de investida chinesa no setor automotivo. Pequim declarou que dará suporte financeiro para uma onda de aquisição capitaneada por suas fabricas automotivas e a aquisição de players ocidentais com rede de distribuição consolidada na Europa e EUA. Com marcas de boas reputações e centros de P&D com importantes patentes em motores energeticamente eficientes e tecnologia embarcada, porem carentes de recursos financeiros, parecem ser alvos perfeitos para as empresas chinesas: ricas e com sede de crescer.

A atração feita pela China de empresas estrangeiras no setor automotivo teve sempre o objetivo de fomentar as capacidades internas e locais de produção. Para isso a China sempre usou uma série de políticas para assegurar que a transferência de tecnologia teria lugar e que uma indústria local forte e competitiva fosse criada. O governo chinês usou um sistema de estímulos e controles para tentar promover eficiência e competitividade. Os investidores estrangeiros foram obrigados a entrar em joint ventures com empresas nacionais (em telefones celulares e em computadores, por exemplo) para ter acesso aos mercados nacionais. Houve fraca aplicação das leis de proteção intelectual habilitando produtores domésticos a praticar engenharia reversa e imitar tecnologias estrangeiras sem punições relevantes. Os governos regionais tiveram autonomia e investiram na criação de clusters industriais em áreas específicas do país.

Claro que muitas empresas locais fracassaram e nem tudo deu certo, mas no geral essas estratégias parecem ter sido acertadas na medida em que varias empresas chinesas amadureceram e foram capazes de competir no mercado mundial e internamente com concorrentes estrangeiros. O resultado dessas estratégias pode ser visto, por exemplo, na indústria chinesa de eletrônicos que conta hoje com uma estrutura diferente do que se vê no México, por exemplo. As empresas nacionais desempenham hoje um papel significativo na China, além do numero elevado de joint ventures entre empresas estrangeiras e nacionais.  A interação das empresas internacionais com empresas nacionais criou uma genuína história de sucesso global na China segundo a analise de D. Rodrik, por exemplo. Embora o foco de seu trabalho tenha sido o setor da electrónica de consumo, o mesmo poderia ser dito de outros casos de sucesso.

A indústria de autopeças e carros, por exemplo, foi fortemente promovida através de requisitos de conteúdo local. O governo chinês exigia que as montadoras estrangeiras investissem no mercado domestico para alcançar um nível relativamente elevado de conteúdo nacional dentro de um curto período de tempo (normalmente 70% no prazo de três anos). Isto obrigou as empresas multinacionais a cooperar estreitamente com os fornecedores locais no desenvolvimento e utilização de novas tecnologias. Na cadeia de abastecimento de automóveis na China os próprios fabricantes estrangeiros continuaram a comprar dos fornecedores locais depois que a obrigatoriedade de conteúdo local foi abolida em conformidade com as regras da OMC; numa prova de que o sistema foi capaz de criar produtores domésticos eficientes. As fontes locais de abastecimento se mostraram superiores em termos de combinação de custo e qualidade quando comparadas as alternativas importadas.

A China representa um belo exemplo da estratégia de construção de complexidade  perseguida pelos asiáticos. Com politicas pro crescimento e de estimulo a indústria local os chineses conseguiram atingir notável evolução industrial e manufatureira nos últimos 30 anos. O modelo chinês de crescimento replicou a estratégia de sucesso do Japão do pós-guerra, da Coréia do Sul e Taiwan dos anos 70 e 80 e de Malásia, Indonésia e Tailândia nos 90. Câmbio competitivo e exportações de manufaturas para a economia mundial. Transferência de trabalhadores do campo para o setor industrial com ampla ajuda e interferência do governo. Uma industrialização “forçada”, por assim dizer, com manipulação de preços, proibições e distorções que direcionavam a indústria para produzir para o mercado mundial.

FONTE: https://www.paulogala.com.br/o-estado-chines-e-uma-maquina-de-criar-complexidade-os-carros-chineses-vao-invadir-o-mundo/