O que o metaverso pode significar para as crianças

Os mundos virtuais imersivos estão a chegar – e os especialistas estão preocupados com os seus efeitos nas crianças. Mas os pais podem preparar-se já.

Parece que o termo “metaverso” está agora por toda a parte, evocando imagens de um futuro distante, onde as pessoas passam o tempo todo ligadas a dispositivos de realidade virtual e a viver num espaço virtual. Podemos usar como exemplo o filme Ready Player One, no qual os jovens escapam dos seus ambientes distópicos a jogar sob a forma de avatares, ou The Matrix, onde as pessoas inconscientes vivem as suas vidas completamente ligadas ao mundo virtual.

Porém, de certa forma, o metaverso já chegou. Há mais de 30 milhões de utilizadores de óculos de realidade virtual e as crianças já passam horas em jogos imersivos como o Roblox e o Minecraft. Isto significa que, à medida que esta tecnologia se continua a expandir e a engolir a vida dos mais novos, os pais precisam de a compreender e de criar estratégias para toda a família lidar com a mesma.

“É um erro enorme os pais pensarem que a realidade virtual é uma coisa distante no futuro, ou algo de um filme de ficção científica, e que vai demorar pelo menos uma década a  acontecer”, diz Grace Ahn, diretora do Laboratório de Jogos e Ambientes Virtuais da Universidade da Geórgia. “Isto já está nos nossos lares, e os jogos estão a ser desenvolvidos enquanto falamos. Portanto, precisamos de começar a conversar agora.”

O que é o ‘metaverso’?

O termo “metaverso” recebeu muita atenção no outono do ano passado quando o Facebook alterou o seu nome para Meta, para se concentrar no metaverso. Geralmente, diz Kavya Pearlman, fundadora da XXR Safety Initiative, uma organização sem fins lucrativos, o metaverso é definido como um estado tridimensional partilhado onde as pessoas podem interagir através de um ambiente de realidade virtual.

“Isto não vai substituir a computação como a conhecemos atualmente”, diz Kavya Pearlman. “Mas vai dominar o nosso tempo e atenção, porque vai ser mais imersivo.”

Alguns jogos e aplicações como o Roblox e o Minecraft já permitem algumas das experiências “meta”, conforme os jogadores constroem e interagem uns com outros em mundos virtuais. “Podemos conversar, brincar, fazer coisas idiotas, construir coisas e fazer amigos”, diz Grace Ahn. “Não estamos limitados por fronteiras geográficas.”

Mas no futuro metaverso, não vamos usar telemóveis ou computadores. Vamos interagir através de óculos de realidade virtual e usar os nossos corpos para interagir no jogo – e a experiência vai ser muito mais real.

“Neste momento, muitas das interações no Roblox são feitas com rato e teclado, onde clicamos para nos movermos e interagir”, diz Kavya Pearlman. “No futuro, estes espaços vão ser mais imersivos, para podermos cumprimentar, apertar as mãos e ser mais naturais na forma como interagimos com as coisas. Isto abre oportunidades para partilhar experiências de formas inéditas.”

Como é que as crianças vão usar o metaverso?

As aplicações derivadas desta tecnologia são vastas. Por exemplo, imaginemos uma turma que vai fazer uma visita de estudo a um destino distante e, em vez de as crianças se limitarem a ver a um vídeo sobre um vulcão em erupção, podem estar no local e interagir com o vulcão.

“Assim, temos uma turma inteira que fez a mesma viagem de campo, mas cada criança teve uma experiência diferente porque tocaram em coisas diferentes, prestaram atenção a coisas diferentes”, diz Grace Ahn. “As possibilidades são mais diversas.”

A empresa responsável pela plataforma de jogos Roblox já está a desenvolver estas experiências. “Por exemplo, podemos interagir com eventos históricos ou conhecer outra cultura, em vez de nos limitarmos a ver um vídeo ou a ler sobre isso – e podemos socializar com outros estudantes do mundo inteiro”, diz Laura Higgins, diretora do departamento de segurança comunitária e civilidade digital da empresa.

Esta tecnologia também pode ser usada para criar espaços virtuais onde as famílias se envolvem de formas que imitam a vida real. Por exemplo, em vez dos telefonemas forçados entre as crianças e um avô que vive muito distante, no metaverso as famílias podem passar tempo a conviver numa casa virtual, a brincar no quintal, a ver um filme ou a trabalhar num projeto.

Como é óbvio, diz Kavya Pearlman, não vão faltar oportunidades para fazermos compras nas aplicações, tal como já acontece atualmente. Contudo, no metaverso os utilizadores vão poder comprar bens virtuais que se transformam em bens “reais” – por exemplo, um par de ténis Nike que queremos muito usar no nosso avatar.

Os pais devem ficar preocupados?

Este tipo de mercado pode gerar problemas – basta perguntar aos pais de uma criança de seis anos na Austrália que gastou 8.000 dólares a jogar Roblox. Mas os pais podem ter preocupações ainda maiores que vão para além de perder dinheiro no metaverso.

Por um lado, os investigadores dizem que ainda há muito para aprender sobre a forma como a realidade virtual afeta o cérebro das crianças.

Um estudo feito em 2008 descobriu que os adultos que interagem em ambientes de realidade virtual conseguem usar o córtex pré-frontal para regular o que os seus cérebros estão a processar. As crianças, porém, ainda não o conseguem fazer – e, portanto, nem sempre conseguem diferenciar o que está a acontecer num mundo virtual e o que aconteceria na vida real.

“Nestas idades, o córtex pré-frontal está longe de estar completamente desenvolvido”, diz Thomas Baumgartner, neurocientista da Universidade de Zurique e autor do referido estudo. À medida que os mundos virtuais se tornam ainda mais imersivos e realistas, torna-se ainda mais difícil para as crianças distinguir entre o que é virtual e real.

Kavya Pearlman concorda e está preocupada porque as crianças que passam muito tempo num ambiente virtual podem até formar memórias com base em experiências virtuais. As crianças podem formar expectativas irreais de como a realidade – os seus corpos ou as suas casas – deve ser, e também podem perder aptidões sociais do mundo real.

Por exemplo, a interação em mundos virtuais entre avatares pode amplificar o cyberbullying que já acontece atualmente. E Diana Graber, autora de Raising Humans in a Digital World, está preocupada com o facto de as crianças não terem discernimento para simplesmente se afastarem – ou perceber que o seu próprio comportamento não é apropriado.

“Sabemos que, quando as crianças estão online, dizem e fazem coisas que nunca diriam ou fariam na vida real”, acrescenta Diana Graber. “Mas se uma criança estiver a agir através de um avatar, pode achar que não há problema em o seu avatar dizer algo inapropriado ou talvez fazer algo um pouco violento, porque se sente desligada e dissociada.”

A ausência de uma compreensão abrangente sobre o que é um mundo virtual e a vida real também pode ter consequências mais sombrias. Diana Graber diz que, por exemplo, num jogo onde somos atacados por uma arma ou uma faca, essa experiência pode parecer mais intensa para uma criança do que para um adulto. E os mundos do metaverso podem expor as crianças a bullies ou até a pedófilos de formas completamente novas e assustadoras.

“Se uma criança pode usar os óculos de realidade virtual e ser ensinada por um professor sob a forma de holograma, também precisamos de enfrentar a realidade de que alguém pode levantar o braço no mundo digital e tocar numa criança, e isso pode parecer assédio sexual”, diz Kavya Pearlman.

Como preparar-se para o metaverso

Se tomarmos como exemplo as plataformas imersivas dos jogos da atualidade, as experiências no metaverso provavelmente não serão devidamente reguladas, sobretudo se – como acontece com milhares de jogos na plataforma Roblox – não forem destinadas para crianças. (A plataforma Roblox têm de facto alguns controlos parentais.) Por exemplo, há vários relatórios que mostram que há muitas crianças a jogar a nova experiência de realidade virtual chamada Horizon Worlds, que é destinada a jogadores maiores de 18 anos.

Os pais podem preparar-se para estes mundos cada vez mais realistas ao ajudar as crianças a navegar pelos mundos virtuais que já estão disponíveis atualmente. Isto significa que devem sentar-se a jogar jogos como Minecraft ou Roblox com os seus filhos, ou até mesmo usar dois pares de óculos de realidade virtual (ou revezarem-se) para ver o que as crianças estão a ver.

“Converse com os seus filhos para perceber o que gostam, como é que desfrutam ao máximo de uma determinada experiência, o que os preocupa e o que devem fazer se algo correr mal”, diz Sonia Livingstone, professora de psicologia da Escola de Economia de Londres, que faz investigação sobre crianças, órgãos de comunicação social e internet. “Os pais são as pessoas a quem os filhos querem contar, sem receio de represálias, se algo os incomodar online.”

Diana Graber diz que os pais devem dar lições simples às crianças sobre cidadania digital, para que estas entendam que aquilo que fazem num mundo virtual continua a ter consequências. “E os pais devem passar tempo com os filhos nos mundos online.”

“Isto dá a oportunidade aos pais de estarem realmente com os filhos num momento em que as crianças começam a deixar de querer ter os pais por perto, e assim podem conversar com os filhos sobre como devem agir com outras pessoas, como responder ao cyberbullying, como denunciar algo inapropriado”, diz Diana Graber. “Os pais podem fazer isto com os filhos quando as crianças ainda estão recetivas a receber os pais no seu ambiente.”

Pode parecer um admirável mundo novo, mas no final, o metaverso pode acabar por vir a ser uma experiência positiva para as crianças.

“[Estes jogos vão ter] recursos de design criativos e abertos que estimulam a imaginação das crianças e proporcionam uma sensação de realização”, diz Sonia Livingstone. “Isto encaixa no que já sabemos sobre os benefícios das brincadeiras sem restrições – ajudam no desenvolvimento, na compreensão do sentido de identidade e na resiliência das crianças.”

FONTE: https://www.natgeo.pt/familia/2022/04/o-que-o-metaverso-pode-significar-para-as-criancas