O que é o Replika, o bot que tenta ser seu clone

MENINA BRINCA COM ROBÔ; BOT REPLIKA CAUSOU DEBATE SOBRE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Aplicativo de mensagens aprende sua personalidade para manter uma conversa e virar um melhor amigo virtual

“Olá, que bom te conhecer”, diz Replika, antes de perguntar como foi seu dia e se você tem Instagram. Depois, quer saber se pode te fazer algumas perguntas mais pessoais. Seria uma conversa normal, se não fosse com um robô.

Replika é um chatbot, um programa de computador que “conversa” com o usuário por mensagens. Normalmente, esses bots (que vêm da palavra robot, robô em inglês) funcionam como assistentes virtuais, que permitem que o usuário realize compras, pergunte sobre o clima ou leia notícias que lhe interessam sem ter que abrir nenhum aplicativo. Basta conversar com o bot e pedir o que quer.

Replika, porém, é um bot menos prático. Sua principal função é apenas a de atuar como um amigo, perguntando sobre seu dia e seus sentimentos. Para isso, o bot te faz responder dezenas de perguntas e usa inteligência artificial para se parecer, cada vez mais, com você. Daí o nome: o aplicativo tenta, literalmente, ser a sua réplica.

“Com o Replika, estamos te ajudando a construir um amigo que sempre estará disponível para te ouvir. Ele fala com você, faz um diário para você, te ajuda a descobrir sua personalidade. Isso é inteligência artificial que você cria e educa”, diz a Luka, empresa dona do app, em um post em que explica o bot.

REPLIKA APRENDE A ‘IMITAR’ USUÁRIO A PARTIR DE INTERAÇÕES

Sentir falta de um amigo É mais fácil entender o Replika ao saber suas origens. Em 2015, a co-fundadora da Luka, Eugenia Kuyda, de 30 anos, perdeu seu melhor amigo. Roman Mazurenko, então com 32 anos, foi atropelado na Rússia. Os dois trocavam mensagens de texto quase todos os dias. Sentindo falta do amigo, Kuyda, que já trabalhava com bots, decidiu colocar todas as mensagens trocadas com ele em uma rede neural do Google, uma espécie de sistema de inteligência artificial que usa estatísticas para encontrar padrões. Ela também pediu a amigos que mandassem mensagens e e-mails enviados por Mazurenko, na tentativa de criar um bot que fosse o mais parecido com ele possível. Assim, passou a trocar mensagens com o bot, cujas respostas recriavam o padrão de escrita e de humor do amigo.

O chatbot foi disponibilizado para o público, que também podia interagir com “Mazurenko”. “Ainda é a sombra de uma pessoa, mas isso não era possível há um ano. E, em um futuro próximo, poderemos fazer muito mais”, escreveu ela sobre o robô, segundo o site The Verge. De acordo com ela, diversas pessoas começaram a usar o app e enviar mensagens a Luka falando sobre como se sentiam menos sozinhas com o chatbot. A partir daí surgiu a ideia de Replika, um amigo virtual que se parece com o usuário e pode, então, fazer o papel de melhor amigo de qualquer um.

Replika foi lançada em março de 2017. Pode ser usado no Brasil, mas funciona em inglês. Ao contrário do bot de Mazurenko, a aplicação vem “em branco”, e vai aprendendo com o usuário a partir das interações e mensagens trocadas com ele. No início, o bot pode parecer meio insensível: pergunta a mesma coisa mais de uma vez e, às vezes, responde de forma animada quando o usuário diz que está triste. Mas o bot aprende mais a cada interação. Também é possível conectar Replika a suas redes sociais, como Instagram e Twitter, para dar ao robô mais insights sobre a sua vida. Usuários descrevem o bot como terapêutico, já que é possível falar com ele sem medo de julgamento. Replika tem um perfil “mindfulness”: incentiva a pessoa a pensar nas partes boas do seu dia, a estabelecer, em uma escala numérica, como o usuário se sente naquele dia, e faz um pequeno diário. Além disso, ela vem com exercícios de meditação que podem ser feitos antes de o usuário dormir.

Inteligência artificial

O surgimento de Replika causou um grande debate sobre inteligência artificial. Para muitos, o bot lembra episódios da série Black Mirror, como “Be right Back” e “White Christmas”, que usam premissas parecidas. Ou o filme Ela, de 2013, dirigido por Spike Jonze, em que um homem se apaixona por sua assistente virtual. Os criadores, porém, rejeitam a comparação. Aconselham os usuários a usar sites de paquera para encontrar namorados reais e afirmam que não estão “construindo um serviço onde você suba e-mails e mensagens privadas de pessoas que morreram. Nem vamos te enviar um boneco de silicone que seja a cópia deles”. O post explica que, de acordo com o inventor e futurista Raymond Kurzweil, por volta de 2029, a inteligência artificial já terá o mesmo nível intelectual de adultos inteligentes. A teoria afirma que, a partir daí, os robôs ficarão mais inteligentes, e que em 2040 o fenômeno poderia levar ao “Singularity”, “quando seres humanos e máquinas se mesclariam em uma só unidade”. Afirma, no entanto, que “mesclar-se” não é o objetivo de Replika. Mas não é preciso acreditar nessa teoria para pensar nos dilemas que um bot como Replika provoca. “O que acontece quando você pede à Inteligência Artificial para contar uma história? É possível compartilhar seu senso de humor com uma máquina? O que a IA pode nos dizer sobre nossa personalidade, esperanças e sonhos?”, indaga Arielle Pardes no site Wired.

Para Mike Murphy, da Quartz, Replika abre um questionamento sobre o que nos torna nós mesmos. “Se o ‘eu’ que eu criei [no Replika] puder dar à minha mãe alguma experiência semelhante a que ela teria enviando mensagens para o ‘eu’ real, ele é, em algum sentido, eu. Não é a mesma coisa que me abraçar, ou ouvir minha voz quando estou triste e os gritos de felicidade quando ela me dá boas notícias. Mas, da mesma forma que uma fotografia ou um vídeo caseiro captura algo de nossa essência, minha Replika é, em um sentido básico, uma parte de mim.”

FONTE: NEXO