O que devemos aprender com a experiência da China no surto do coronavírus

Por Caroline Zurakowski, da equipe StartSe China, direto de Xangai

Estamos em meados de março, e a China já está dando os primeiros sinais de sua recuperação econômica e social após o surto do coronavírus no país. No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou recentemente o Covid-19 uma pandemia, ou seja, agora estamos falando da disseminação mundial da doença.

O gigante asiático mostrou resiliência e está ansioso para retomar seu crescimento e recuperar-se, afinal ainda pretende cumprir suas metas econômicas e sociais para este ano. Contudo, o que acontecerá com a economia chinesa daqui por diante também dependerá de como o mundo vai lidar com o Coronavírus nas próximas semanas.

Criticismo, pessimismo, fronteiras fechadas, deboche, pânico disseminado por mídias irresponsáveis e até racismo vimos de sobra por aí quando a maioria dos casos estavam concentrados na China.

Ironicamente, agora é a China que está tomando diversas precauções no momento da entrada de estrangeiros ou nacionais no seu território. É a China que testa e desenvolve soluções de saúde e se transforma em uma das líderes no esforço internacional de conter a transmissão do vírus. É a China que traz algumas lições amplamente aplicáveis para outros países e empresas.

Velocidade e agilidade

Como explica Cristiano Kruel, head de inovação da StartSe, velocidade e agilidade são palavras que acompanham a China muito antes desse vírus aparecer.

Nas imersões da StartSe na China, é fundamental observar este “ritmo chinês de fazer as coisas acontecerem”. A velocidade na hora de identificar a sequência genética do vírus possibilitou passos acelerados em direção às pesquisas de vacinas e opções de tratamento. A agilidade das empresas de biotecnologia no desenvolvimento dos kits de teste foi fundamental para facilitar a detecção das pessoas infectadas.

A China é líder mundial em inteligência artificial, e neste conturbado começo de ano foram múltiplas iniciativas e vastas aplicações dessa tecnologia: no diagnóstico do vírus, na identificação e monitoramento dos infectados, no acompanhamento da situação, na fabricação de tecidos que oferecem maior proteção para a equipe médica, em supercomputadores trabalhando em uma vacina, em robôs e drones com diversas funções, e em chatbots para avisar os cidadãos sobre interrupções de viagens ou fornecer serviços de saúde gratuitamente. O país continua lançando novas soluções todos os dias.

Governo e empresas tech: uma resposta coordenada

A participação das grandes empresas privadas de tecnologia chinesas foi muito além de doações para ajudar a conter o surto de Coronavírus. Estas adaptaram e aprimoraram seus produtos, aceleraram inovações e usaram o seu poder de alcançar diversos usuários para divulgar as informações governamentais e anular em seus aplicativos conteúdos contraditórios e defasados, reforçando a autoridade governamental e diminuindo o desencontro de informações.

Recentemente, diversas cidades em parceria com estas empresas têm feito uso de tecnologia de Big Data e códigos QR para monitorar a volta dos cidadãos às suas rotinas de atividades. O código verde permite que o usuário se mova livremente; o código amarelo requer uma auto-quarentena de sete dias; o código vermelho requer uma auto-quarentena de 14 dias. Cada indivíduo deve monitorar e registrar sua temperatura e atualizar seu perfil diariamente. Quando o usuário utiliza o metrô, por exemplo, deve escanear o código QR do exato vagão onde está. Quando faz uso de um serviço de táxi, também precisa escanear o código QR do carro, e assim por diante. Se por acaso algum usuário contrair o Coronavírus neste período de transição, outras pessoas que possivelmente tiveram algum contato com o infectado serão notificadas.

O governo chinês aprendeu rápido e soube se reorientar quando viu o descontentamento da sua população com alguns membros da liderança que desvalorizaram os cientistas e especialistas em saúde pública que notificaram o mundo sobre o COVID19.

A população se conscientiza e se torna mais colaborativa quando os líderes governamentais entregam uma comunicação clara e contínua, compartilham suas decisões e divulgam diretrizes e procedimentos a serem seguidos com base em atualizações diárias, com informações médicas detalhadas. Esta também é uma lição para os principais líderes nas empresas: envolver todas as unidades e engajar o time para realizar as mudanças necessárias.

Home-office

Embora seja cedo para identificar todas as consequências da experiência do trabalho remoto colocado em prática em larga escala na China nestes últimos meses, o que observamos hoje na China é a execução de um planejamento cuidadoso para que os funcionários encerrem a fase de home office e voltem ao trabalho gradualmente. Sobre este tema, Um artigo da Harvard Business Review menciona o interessante exemplo da presença da empresa de cosméticos Lin Qingxuan em Wuhan.

Ao se ver obrigada a fechar 40% de suas lojas físicas, a companhia preparou seus consultores de beleza para se tornarem KOLs (Key Opinion Leaders), ou influenciadores on-line. Mesmo com todas as suas lojas em Wuhan fechadas, as vendas da Lin Qingxuan nessa cidade (conhecida por ser o epicentro da crise) alcançaram um crescimento de 200% em comparação com as vendas do ano anterior.

A Diplomacia das máscaras

Há pouco tempo, quando a China passava por dias piores, o Japão doou máscaras e enviou outros suprimentos médicos, atitude amplamente divulgada nas mídias sociais chinesas. Os chineses se mostraram surpresos e até mesmo emocionados com o gesto do país vizinho, e houve uma reaproximação geracional entre Japão e China.

Recentemente, o governo chinês tem retribuído a gentileza enviando especialistas e equipamentos médicos não apenas para o Japão como também para a Itália, a Coreia do Sul, o Irã, o Iraque, o Paquistão, a Espanha, as Filipinas, entre outras regiões, além de ter doado mais de 20 milhões de dólares para a OMS (Organização Mundial de Saúde). Isto porque algumas empresas do setor automobilístico no país converteram parte de suas fábricas para produzir estes importantes artigos de saúde. 

Essa foi uma excelente oportunidade que o país abraçou de se mostrar um ator internacional responsável e relevante no cenário internacional. Crises globais precisam de maior cooperação entre as nações e de mais exemplos de superação de antagonismos históricos.

Próximos passos

A experiência em grande escala do isolamento forçado com um celular na mão também irá repercutir de diversas maneiras, como por exemplo impulsionará a demanda por serviços online e formará novos hábitos de consumo (forçando a reestruturação das cadeias de suprimento e serviços de logística). Cidadãos no mundo todo repensarão a maneira como trabalham e estudam. Engenheiros e cientistas em todas as áreas poderão receber incentivos para desenvolver novas soluções.

Lembre-se da mudança das estações e comece imediatamente a pensar nos planos de recuperação. Como voltar ao jogo mais bem preparado? Pessoalmente, vislumbro uma grande oportunidade para refletirmos sobre a relevância da comunidade global e da valorização do conhecimento em uma economia mais digital; a importância da velocidade e da eficiência na tomada de decisão e sua posterior execução; e é claro, a urgência por lideranças auspiciosas em todos os segmentos da sociedade.

FONTE:https://www.startse.com/noticia/ecossistema/o-que-devemos-aprender-com-a-experiencia-da-china-no-surto-do-coronavirus