O que a destruição criativa tem a ver com a inovação

A inovação é indispensável para o crescimento e o capitalismo é indispensável para a inovação, mas precisa ser regulamentado
Por Soraia Yoshida no THE SHIFT

O capitalismo de mercado tem levado a culpa pelo crescimento da desigualdade social e econômica, pelas disparidades salariais entre gêneros e muitas outras mazelas reforçadas pela pandemia. Em uma pesquisa de 2020 feita pela Edelman, 57% das pessoas entrevistadas afirmaram que “o capitalismo como existe hoje faz mais mal do que bem no mundo”. Melhor acabar com ele, então? Os economistas Philippe Aghion, Céline Antonin e Simon Bunel argumentam que a abolição do capitalismo não é a solução.

Em “The Power of Creative Destruction”, eles apontam que ter uma economia de mercado funcionou como motor de prosperidade, permitindo um desenvolvimento inimaginável até dois séculos. “Alguém nascido em 1600 acharia o mundo de 1800 bastante familiar. Mas alguém nascido em 1800 encontraria o mundo de hoje além da compreensão. O que explica essa transformação? A resposta é: capitalismo de mercado”, escreve Martin Wolf, do Financial Times, em sua resenha sobre o livro.

“Por que o capitalismo de mercado se mostrou tão dinâmico? A resposta é que contém em si um poderoso motor de mudança. Isso não é apenas liberdade econômica, embora seja importante. Nem é ciência e tecnologia, embora isso também importe. É o que o grande economista austríaco Joseph Schumpeter chamou de ‘destruição criativa’”.

Só que as forças de mercado não podem ter rédea solta. Os autores argumentam que uma política de concorrência que proteja os participantes contra os operadores históricos é essencial. O estado e a sociedade civil têm um papel a desempenhar na orientação das forças da inovação disruptiva que sustentam o crescimento.

“A destruição criativa refere-se ao processo pelo qual as inovações continuamente deslocam as tecnologias e formas de fazer as coisas existentes. Novas empresas avançam continuamente para o prato e novos empregos substituem os obsoletos. Em suma, o novo destrói o antigo”, escreve Aghion, que é professor de Economia do INSEAD. “No entanto, feitos de inovação não são enviados do céu. São alcançados por empreendedores motivados pela perspectiva de domínio sobre um determinado mercado”.

E aí vem a questão, diz ele. “O problema é que, uma vez que conseguem isso, muitas vezes usam seu poder para manter o status quo e bloquear o processo darwiniano natural”.

Como motor da prosperidade, a destruição criativa pode gerar um crescimento sustentável, inclusivo e verde, defendem os autores. A inovação é indispensável para o crescimento e o capitalismo é indispensável para a inovação, mas precisa ser regulamentado. Em outras palavras, para que o ecossistema de inovação continue rodando, precisamos contar com um “triângulo dourado”: a interação do estado e do mercado é estendida para incluir a influência da sociedade “civil.

Capitalismo repensado e revisto
No livro “Rethinking Capitalism”, os economistas Michael Jacobs e Mariana Mazzucato já apontavam que como o título entrega, é preciso rever o modelo. Julgando por medidas como desigualdade e danos ambientais, “o desempenho do capitalismo ocidental nas últimas décadas tem sido profundamente problemático”. No entanto, escrevem, há soluções. “O capitalismo ocidental não está irremediavelmente fadado ao fracasso; mas precisa ser repensado”, argumentam Jacobs e Mazzucato.

Aghion, Antonin e Buel partem da pesquisa sobre a ideia seminal de Joseph Schumpeter (1883-1950) de “destruição criativa”. Isso se apóia em três fundamentos:

“A inovação e a difusão do conhecimento estão no cerne do processo de crescimento”. O crescimento é cumulativo porque os inovadores de hoje se apoiam nos ombros de todos os cientistas e tecnólogos que os antecederam.
“Os inovadores são motivados pela possibilidade de monopólio lucrativo”. Esse dinheiro gerado precisa ser protegido, por meio de direitos de propriedade, incluindo direitos sobre propriedade intelectual.
“A inovação ameaça os operadores históricos, que lutarão para impedi-la”.
Eles mostram que devemos nosso padrão de vida moderno às inovações possibilitadas pelo capitalismo de livre mercado. No entanto, é preciso intervenção do Estado com os freios e contrapesos apropriados para fomentar simultaneamente a criatividade econômica contínua, gerenciar a ruptura social que a inovação deixa em seu rastro e garantir que os grandes inovadores de ontem não puxem o tapete dos inovadores de amanhã.

Os autores também observam que existe uma distinção entre economias “catch-up”, como a China, onde o crescimento é mais sobre o investimento nas formas existentes de fazer as coisas, e economias de fronteira (“frontier“), como os Estados Unidos, que só podem crescer inovando. Se as empresas estabelecidas puderem bloquear os concorrentes, uma economia de fronteira está fadada a estagnar. Por isso a “guerra” entre China e EUA por domínio da tecnologia, espaço, energia e saúde tende a se tornar ainda mais séria nos próximos anos.

A inovação também depende do caminho: os participantes constroem com base no que sabem, enquanto os recém-chegados estão dispostos a começar do zero. Se os governos desejam garantir inovação rápida em novas direções, eles precisam motivar novos participantes que não estejam presos a sucessos anteriores.

Isso implica, geralmente, que o surgimento de novos setores industriais acaba trazendo consigo novas empresas. Uma condição necessária para a destruição criativa é um sistema financeiro capaz e disposto a investir em novas empresas, como se vê nos EUA, China, Cingapura, Dinamarca, Alemanha, entre outros. O livro explica como os EUA se beneficiam de uma indústria de capital de risco qualificada, que sabe como nutrir empresas nascentes, e de uma grande base de investidores institucionais, que apoiarão essas empresas à medida que crescem.

Em seu artigo para o INSEAD Knowledge, Philippe Aghion argumenta que ideias calcificadas, como a que de a tecnologia significa o fim dos empregos não traduzem a realidade. “Temos dados que mostram que o impacto da automação nos empregos não é apenas positivo, mas também aumenta com o tempo. Um aumento de 1%o na automação em uma fábrica hoje aumenta o emprego em 0,25% após dois anos e em 0,4% após dez anos. Esse efeito é válido até mesmo para trabalhadores industriais não qualificados”, afirma. “A automação gera ganhos de produtividade que beneficiam funcionários, consumidores (por meio de preços mais baixos) e empresas (por meio do aumento de vendas)”.

Investir em ciência e educação é inteligente
Sob a lente da destruição criativa, o livro rebate os argumentos de que os robôs devem ser tributados porque eles supostamente vão criar desemprego em massa. No livro, os autores argumentam que políticas como essa são equivocadas: a tributação é apenas uma ferramenta econômica; é igualmente importante para o estado promover a inovação para impulsionar a mobilidade social e elevar os padrões de vida. O foco, afirmam, deve ser o investimento em educação e ciência. Em algumas nações, o próprio governo está investindo em inovação. “Esta é uma jogada inteligente”.

“Taxar robôs, ou qualquer nova tecnologia nesse sentido, vai contra a inovação. O Estado deve sempre preservar a livre entrada de bens e serviços no mercado. Alguns empregos serão deslocados no processo? Claro, e é por isso que a destruição criativa tem uma advertência importante, ou talvez um corolário: o estado deve segurar os funcionários contra as consequências potencialmente adversas da perda do emprego”, escreve Aghion.

A mesma coisa se aplica aos que defendem a proibição total do crescimento como melhor forma de combater as mudanças climáticas. “O crescimento zero ou negativo não é a melhor resposta às mudanças climáticas. A inovação verde é”, afirma o professor. Claro que uma economia laissez-faire não se move espontaneamente em direção à inovação verde, pois as empresas poluidoras vão preferir naturalmente inovar dentro das tecnologias poluidoras. O Estado, diz, deve fornecer incentivos para redirecionar os esforços de inovação. “Várias alavancas podem conseguir isso: um imposto sobre o carbono, subsídios para inovação verde, transferência de tecnologia para países em desenvolvimento e tarifas de carbono para desencorajar paraísos poluidores. A sociedade civil também tem um papel importante a desempenhar para persuadir as empresas a buscar tecnologias verdes”, afirma.

Os autores também argumentam que o impacto da destruição criativa é complexo. A competição adicional estimula a inovação e a produtividade em negócios de fronteira, mas mata os mais fracos. Novas fortunas tendem a aumentar as rendas superiores, piorando esse aspecto da desigualdade. Mas, eles observam, isso é muito melhor do que a maior desigualdade criada pelo lobby direcionado a concorrentes frustrados.

O livro explica como se pode trabalhar em direção a um modelo de capitalismo que combine o dinamismo da inovação dos Estados Unidos com as proteções sociais proporcionadas por um país como a Dinamarca.

“Os Estados devem seguir dois tipos de políticas simultaneamente: proteger os direitos de propriedade intelectual sobre inovação, por um lado, e salvaguardar a concorrência, por outro. As políticas de fusões e aquisições também devem levar em consideração o impacto na inovação. A entrada de jogadores menores e potencialmente mais inovadores não pode ser deixada para a boa vontade (ou distração) dos titulares”, escreve Aghion.

O professor reforça que as políticas de inovação ideais nunca vão agradar as empresas que dominam o mercado. Para ele, a separação adequada de poderes, apoiada e reforçada por uma forte sociedade civil, é necessária para garantir que empresas gigantescas fiquem de conluio com as autoridades no poder.

Consertar o capitalismo de alguma forma envolve livrar-se do 1%? A resposta curta é não, dizem os autores. Ainda que a inovação ajude o 1% a ficar mais rico, ela eleva a sociedade como um todo, por meio da promoção da mobilidade social. Ou seja, a sociedade pode recompensar os inovadores, mas nunca deve deixá-los no comando da formulação de políticas.

FONTE: https://theshift.info/hot/o-que-a-destruicao-criativa-tem-a-ver-com-a-inovacao/