O QUE APRENDI NA SINGULARITY

Em julho de 2016, movida pela curiosidade sobre as novas tecnologias (AI, sensores, nanotecnologia, robótica …), o que elas tornam viável e como elas impactarão nossas vidas, estive na Califórnia para participar do Executive Program da Singularity University.

A experiência em muito superou a expectativa: além de agregar o esperado conhecimento sobre as tecnologias exponenciais, me provocou a exercitar uma forma diferente de pensar e, principalmente, me encheu de otimismo em relação ao futuro. 

Uma experiência transformadora: desembarquei no Brasil ansiosa para desenvolver as habilidades necessárias neste novo mundo e muito esperançosa com um futuro melhor para todos.

O objetivo deste artigo é apresentar alguns insights e reflexões pessoais sobre esta experiência.

Embora, inicialmente, tenha buscado a Singularity como fonte de atualização e aprendizagem sobre novas tecnologias e inovação, o maior ganho foi entender que a velocidade de transformação do mundo exige formas diferentes de pensar e agir, ou seja, uma nova atitude frente à realidade.

Dois conceitos base para a reflexão: exponencialidade e a disrupção.

Exponencial é um modelo de evolução no qual o fator é multiplicado por si mesmo a cada período. De forma simples: 30 passos lineares equivalem a percorrer aproximadamente a 30 metros (cada passo sendo de 1m), já 30 passos exponenciais seria o equivalente a dar 26 voltas à terra (percorrer 1 bilhão de metros). Este é o modelo de evolução que as tecnologias exponenciais seguem. Alguns exemplos de evoluções exponenciais são:

1-        o custo da energia solar que em 1977 era de US$76.67 kw/hr, em 87 US$10kw/hr, em 2015 US$0.3 kw/hr e em 2016 US$0.03 Kw/hr. A geração da energia solar já é mais barata do que a energia fóssil! Assim que equacionadas as questões de armazenamento e distribuição, a energia será algo abundante e de custo marginal; isso viabilizará a dessalinização e com isso água será outro recurso abundante!

“The ability to unlock the solar energy concentrated and stored in fossil fuels created the most significant change in the history of civilization. We are on the brink of a second energy singularity when the cost of capturing, storing and distributing renewable energy drops bellow carbon-based fuels” Gregg Maryniakk

2-        o custo do sequenciamento do genoma que em 1999 era de US$2.7 bilhões de dólares, em 2007, US$350.000 dólares e em 2014, US$ 1000 dólares. O que antes estava restrito à grandes instituições governamentais, hoje é acessível a milhões de pessoas e logo viabilizará uma medicina preventiva muito diferente da de hoje (sick care vs health care)

O segundo conceito é o da disrupção, uma mudança radical de paradigmas. Revolucionário é algo que é novo. O disruptivo é algo que muda tudo ! Exemplos aqui não faltam de como novas ideias e modelos de negócio viabilizados pela tecnologia estão revolucionando diferentes negócios: Airbnb na indústria de hotelaria, Uber no transporte, Spotify na música, entre tantos outros.

A Disrupção passa por 6 fases, “6D”:

Digitized –> Deceptive –> Disruptive –> Dematerialized –> Demonetized –> Democratized

Explico: o primeiro passo é, geralmente, a digitalização de algo que hoje é analógico. Passa-se então por uma fase de decepção onde a evolução linear da tecnologia atual ainda é mais rápida do que a nova tecnologia disruptiva até o momento em que as curvas se cruzam (o momento da disrupção). A partir deste momento, a tendência é que esta tecnologia se desmaterialize (pense em todos os utensílios e aparelhos desmaterializados no seu celular: aparelho de som, computador, calculadora, máquina fotográfica, agenda, …), seja desmonetizada (What’s up com as chamadas grátis, Google com o serviço gratuito de busca, Airbnb revolucionando a indústria hoteleira sem ativos fixos, …) e, finalmente, seja democratizada (quando a tecnologia atinge um nível de custo que a torna acessível e se torna global: crescimento da penetração de celulares na África) acelerando seu ritmo de crescimento exponencial em cada uma das fases.

Mas a reflexão mais interessante é: como ficamos no ponto cego destas transformações. O caso da Nokia em celulares é um bom exemplo. Desde o seu surgimento a evolução na indústria de celulares era sempre na direção de aparelhos cada vez menores e mais leves e a Nokia estava na ponta ditando o ritmo desta evolução até que a Apple trouxe o Iphone um equipamento que combinava a funcionalidade de um telefone, com o acesso à internet e tela touch, tamanho e leveza não eram o drive de inovação!

Existem claros indícios de que a indústria automotiva logo passará por um momento de disrupção: não apenas pelos modelos elétricos da Tesla mas pela tecnologia do self-driving car, e o modelo de economia compartilhada , potencialmente, transformará compradores de veículos em compradores de “corridas”, escolhendo o modelo que mais se adequar a necessidade do momento (viagem com família e ida individual ao trabalho podem ser atendidas por modelos diferentes), otimizando os recursos da sociedade.

Mas são será apenas a indústria automobilística que sofrerá disrupção pelos veículos autônomos: como ficará a indústria de seguros (número de acidentes devem despencar) ? Os estacionamentos (carro autônomo fará várias corridas e serviços, pode voltar ao seu lugar de origem) ? Os serviços de entrega ?

Importante ressaltar dois pontos:

1.        uma tecnologia só passa a ser disruptiva a partir do momento em que seu custo permite o acesso e a democratização da mesma. O carro, por exemplo, só se tornou disruptivo quando passou a ser produzido e consumido em massa.

2.        inúmeros exemplos mostram que a disrupção não vem de empresas e organizações envolvidas no negócio e frequentemente impactam outros negócios. Como estar preparado e enxergar estes impactos ?

“In 10 years 40% of Fortune 500 companies will no longer exist”- Fast Company April 2011

Todos nós somos programados para pensar de forma linear e local e precisamos nos reprogramar para pensar de forma global e exponencial.

Mais fácil falar do que fazer ! Mas fica pior, a maior dificuldade está em imaginar a convergência das diferentes tecnologias que se aceleram nesse ritmo, o efeito potencial que cada uma delas tem sobre as outras e onde isso pode nos levar. Daí a necessidade de saber cada vez mais lidar com a ambiguidade e consequentemente com a incerteza.

“Unexpected convergence is going to drive the next generation of innovation. Its not enough to be an expert in one field anymore. You need to understand them all, so you can see where the convergence is going to change the world” Peter Diamands

Diante desse cenário as habilidades mais relevantes passam a ser: Pensamento Crítico, Criatividade, Curiosidade (muito mais do que expertise) e Raciocínio baseado em evidências. Estas são as habilidades complementares àquela que a inteligência artificial, outra tecnologia exponencial, poderá prover de maneira mais rápida, segura e precisa que os humanos.

Os líderes passam a ter um papel muito além de apenas coordenar, motivar, direcionar, pessoas e recursos na execução de tarefas tomando decisões que minimizam os riscos e maximizam o retorno. Ao líder cabe instigar a descoberta, facilitar a colaboração, proteger o fluxo de ideias independentemente da origem e dar forma a elas rapidamente para as testar e, então, aperfeiçoá-las ou as descartar. O risco precisa ser encarado e não mais evitado e do novo líder exige-se agilidade em corrigir rotas.

Outro interessante pensamento diz respeito à velocidade das mudanças. Segundo a teoria “Pace Layer Model” de Steward Brand a mudança se dá em velocidades diferentes em diferentes esferas. Segundo esta teoria, natureza, cultura e governança são esferas nas quais as mudanças tem menor velocidade (da mais lenta a mais veloz), nas esferas da infraestrutura, comércio/negócios, ganha velocidade até chegar à esfera de maior velocidade: moda e as artes.

Segundo este pensamento, revoluções acontecem quando esferas originalmente mais lentas por algum motivo estão se movendo mais rapidamente que os níveis mais velozes. Como exemplo temos a revolução dos microprocessadores (infra-estrutura) que foi acelerada em 10 anos pelo compromisso assumido por Kennedy de chegar à lua – (esfera da governança e cultura).

Me pergunto se a turbulência política que hoje vemos ocorrendo no Brasil não reflete exatamente isto: uma evolução mais rápida acontecendo na cultura do que na governança ? Estariam os cidadãos à frente do governo na forma como elegem as prioridades, as formas de crescimento desejado e as relações entre indivíduos, daí a crise política, de representatividade com questionamentos sobre a democracia representativa e o modelo econômico do neoliberalismo ?

“Government and religion are meant to keep things stable” Peter Diamands

De qualquer maneira o que esta teoria propõe é que a reação a alguma situação inesperada deve adotar o modelo mental de esferas mais velozes (moda, por exemplo) mas que quando há planejamento deve-se trabalhar das esferas mais lentas para as mais velozes. Além disso, em períodos de mudanças aceleradas torna-se ainda mais importante refletir e agir cautelosamente em relação às esferas mais lentas. Pense na importância de refletirmos e nos anteciparmos aos impactos de nossa civilização no meio ambiente.

Mas o maior impacto pessoal dessa experiência na Singularity foi a perspectiva de um futuro melhor para todos.

Segundo Peter Diamands nunca vivemos num período tão próspero e bom. As evidências mostradas são inúmeras: crescem expectativa de vida, renda, escolaridade e caem mortalidade infantil, mortes por guerra, e custo de alimentação/energia/transporte e comunicação. As evidências e dados são bastante sólidos mas contradizem a forma como nos sentimos ao refletir sobre o mundo atual: terrorismo, crise econômica, crescimento dos movimentos radicais, violência e poluição urbana … O que pode ser atribuído viés negativo que temos.

“Our brains have evolved to pay more attention(10X) to negative news than positive news. That is because, back in the old days, if you missed a good news, that wasn’t so bad, but if you missed bad news, you were out of the gene pool” Peter Diamands

E a perspectiva é de uma aceleração ainda maior destes indicadores positivos por conta das tecnologias exponenciais já que tecnologia é a força que possibilita tornar o que hoje é escasso em disponível e abundante.

Os exemplos são muitos, como citado, a redução do custo de produção de energia solar e como em algum tempo isto deve viabilizar acesso à água potável para todos. Outro dado interessante é a correlação entre o IDH (índice de desenvolvimento humano) e o uso de eletricidade per capita. A maior disponibilidade de energia a um custo menos poderá aumentar o IDH que é um índice que baseado em critérios de educação, renda e expectativa de vida.

A Singularity acredita que em breve viveremos num mundo onde as necessidades básicas dos indivíduos serão plenamente atendidas e com isso serão mais indivíduos empoderados e conectados usando sua potencialidade e tempo para gerar ainda mais prosperidade.

Se, por um lado, a tecnologia gera prosperidade e abundância, por outro, esta prosperidade e abundância associados à tecnologia/ferramentas, à conectividade e ao trabalho colaborativo, que viabilizam o encontro e uso das potencialidade independentemente de sua localização geográfica, farão com que as descobertas e inovações explodam ! Um verdadeiro ciclo virtuoso.

Esta crença é tão forte dentro da Singularity que a mesma se define como uma comunidade global que tem como missão educar, inspirar e empoderar líderes a aplicarem as tecnologias exponenciais (realidade virtual, nanotecnologia, robótica, biologia sintética, inteligência artificial, …), para resolver os grandes desafios da humanidade (Alimentos, Água, Energia, Meio Ambiente, Educação, Segurança, Saúde …).

“You want to become a billionaire help a billion people”

“In a World of exponentially empowered individuals there is nothing that can’t be done

Estas são frases que você ouve a todo momento. Assim como a questão da forma de pensar, do mindset para prosperar neste mundo exponencial. Alguns insights que me marcaram:

  • “When you shoot for 10X improvement you approach problems in a completely different way …. there are amazing outcomes from big stretchs”
  • “10X vs 10% improvement is 100 times more worth it and it never is 100X harder”
  • “It is all about the quality of the questions you ask. Not what you know”
  • “Your world is an average of the people you spend time with”
  • “Adaptability becoming more important than intelligence IQ”
  • “Past success prevents you from reforming your perception of the world … fast learners biggest challenge is unlearning what they’ve learned”
  • “Time is the scarcest of all things “
  • “What you can do per dolar is exploding”
  • “Adoption rates are shrinking. It took us 70 years to adopt a telephone. It took us 15 to adopt the internet. We are learning faster”
  • “The biggest opportunities are in transforming something analog in digital”

Para finalizar, mudar nossa forma de pensar requer coragem e força de vontade. Não é fácil exercer a disciplina necessária para driblar o negative bias, trocar o pensamento linear e local pelo exponencial e global, manter-se atualizado sobre a evolução das tecnologias exponenciais, mas já é um bom início vê-las de forma positiva e ter a consciência desse novo modelo mental.

“Courage is not the absence of fear, but the judgment that something is more important than fear. The brave may not live forever, but the cautious do not live at all”– Meg Cabot

FONTE:  https://pt.linkedin.com/pulse/o-que-aprendi-na-singularity-ligia-greche-gon%C3%A7alves