O POTENCIAL IMENSO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

O especialista Sergio Gama, da IBM, explica as aplicações dessa tecnologia que veremos em um futuro próximo e afasta temores de uso indevido de dados no setor

A inteligência artificial assusta um pouco quem não sabe do que se trata. Mas já usamos vários recursos de IA hoje e cada vez utilizaremos mais. No que ela já está sendo bastante usada e no que será no futuro próximo, no dia a dia das pessoas? E nos negócios e serviços?

A inteligência artificial já está sendo usada em muito mais setores do que podemos imaginar, mas ainda de uma forma inicial. Ela vem sendo utilizada de uma maneira muito pertinente na área da saúde e na área jurídica, por exemplo. São áreas que se beneficiam imensamente da IA porque que têm uma vasta documentação. Na saúde, muito material científico, pesquisas médicas; e no direito, material jurídico, como legislações, petições e processos. Em todas as áreas que tivermos uma série grande de dados não estruturados, como nessas, será possível usar a inteligência artificial de uma maneira muito satisfatória.

Da mesma maneira, a IA pode ser uma tecnologia muito útil nas interações humanas e na experiência do usuário. No futuro, na maioria dos sistemas que conhecemos hoje, com as telas de touch ou de digitação, estaremos falando com chatbots, assistentes virtuais e agentes virtuais, e são eles que vão dominar essa área de inteligência do usuário. Eu imagino também que serão criados especialistas que possam nos ajudar a processar essa quantidade enlouquecedora de big data, de fake news e de notícias, essa abundância de informações impossível de um ser humano absorver.

Possivelmente vão surgir ferramentas que usam a inteligência artificial para nos ajudar a organizar e entender uma grande quantidade de dados e também as que vão auxiliar na automação industrial e na residencial. Outro uso que eu imagino e espero muito que seja possível para a inteligência artificial é na detecção de fraudes nos governos, algo que nos auxilie a diminuir a corrupção, por exemplo.

Para todos os setores que compreendem muita informação, que seja necessárias análises rápidas, muitas vezes até preventivas, existe o potencial de usarmos a inteligência artificial. Um bom exemplo é a área de pesquisa de laboratórios, de novos medicamentos. A velocidade de processamento e análise de dados que uma máquina é capaz de alcançar, com certeza, é muito superior à velocidade humana.

Para funcionar, a inteligência artificial depende de uma grande quantidade de dados de clientes/usuários de serviços. Como ela muda a maneira como as pessoas e as empresas interagem? Como as pessoas podem ter certeza de que as empresas não estão usando seus dados de maneira incorreta e sua privacidade está sendo preservada?

Esse é um problema a ser resolvido. No entanto, dentro do campo da inteligência artificial, eu não preciso saber de quem é o dado. Isso é importante. Se olharmos o processo como um todo, nessas empresas onde acontece armazenamento de dados utilizados como analíticos, dos quais os pesquisadores tiram insights, eles usam as informações para fazer, por exemplo, análise preditiva (faz previsões sobre eventos futuros ou desconhecidos) e prescritiva (gera recomendações de ações a serem tomadas de forma autônoma), regressão linear (usa dados para estimar variáveis). E, em todos os casos em que os dados são necessários para qualquer tipo de modelo de machine learning e deep learning, não interessa saber quem são as pessoas individualmente. O que interessa são os perfis: homem, mulher, de que região, o que compra, o que come, o que faz, do que gosta, altura, peso, cultura, e por aí vai. Todas essas informações são importantes quando estamos fazendo ingestão de dados para criar um modelo. Mas a identidade da pessoa é irrelevante. Dessa forma, não afetamos a privacidade de ninguém. Em outros usos da tecnologia, isso com certeza é uma grande preocupação. Mas dentro do mundo da IA, não é necessário reconhecer, identificar ou ameaçar a privacidade das pessoas usando dados sensíveis.

Existem algumas polêmicas sobre as questões éticas envolvidas no funcionamento de equipamentos que usam a IA. Algumas das mais quentes hoje são as que envolvem os carros autônomos. Como está sendo essa discussão? Como os programadores estão pensando a tomada de decisões pela máquina? É possível chegar a uma conclusão que agrade a todos?

A ética, as normalizações e a regulamentação precisam ser constantemente discutidas. A tecnologia sempre se desenvolve antes das preocupações com sua regulamentação. Hoje existem consórcios e fóruns sobre isso. Inclusive as grandes empresas, como IBM, Facebook, Google e várias outras, estão se unindo para tratar do assunto. E temos questões legais também. Existe uma empresa que desenvolveu um assistente que telefona para cancelar contratos. Só que a invenção não foi para frente porque legalmente você não consegue dar procuração para um assistente cancelar seus contratos. Como é que eu responsabilizo legalmente um assistente? Por exemplo, em um atendimento bancário, eu posso processar o banco dizendo que o assistente foi racista? Essas coisas estão sendo discutidas, e a lei ainda nem começou a lidar com esse tipo de questão.

Quanto aos carros autônomos, acho que falta um tempo longo para serem realmente lançados em escala, e só acredito que serão disponibilizados quando tivermos uma infraestrutura preparada para eles. Não teremos carros sem motorista andando em todas as regiões, mas dá para pensar em uma infraestrutura preparada para transporte público, como o metrô, que já é praticamente autônomo, em que as pessoas não estão, ou não deveriam estar trafegando pelo trilho. Por meio de tecnologia, esse tipo de transporte pode ser totalmente autônomo. Mas não creio que neste momento, e me parece que os desenvolvedores também não estão pensando nisso agora, teremos um carro andando em uma cidade sem uma estrutura definida, como no centro de São Paulo, onde temos, por exemplo, pavimentações diferentes e o acesso de inúmeras pessoas vindas de todos os lados. Alguns carros autônomos estão sendo testados nas ruas, principalmente na Europa, mas monitorados, com trajeto e velocidade supercontrolados. Não dá nem para imaginar um carro autônomo andando em um lugar com centenas de pessoas atravessando as ruas desordenadamente, fora da faixa, com situações inesperadas. Isso nós não teremos ainda por um bom tempo.

FONTE: ÉPOCA