O futuro é hoje? Sim, até já há fábricas inteligentes

A Efacec produz tecnologia em várias áreas, do espaço às barragens, passando pelas centrais elétricas e fotovoltaicas, ou pela mobilidade elétrica

Indústria: Melhor gestão de recursos hídricos ou reaproveitamento através da economia circular são algumas das aplicações

Imagine uma vinha, alguns hectares, centenas ou milhares de plantas. Agora imagine que nessa mesma vinha, cada pequena videira é alimentada de forma personalizada, pois, na realidade, cada planta tem diferentes necessidades de água e de nutrientes. Impossível, dirão os mais céticos. Inteligência Artificial (IA), garante António Graça, diretor IDD da Sogrape SGPS. Este cenário pode parecer ficção, mas é pura realidade e está a ser aplicado em grande parte das vinhas exploradas por esta empresa produtora de vinho, que investe anualmente perto de um milhão de euros em projetos de investigação e desenvolvimento.

Neste caso concreto, “trata-se de quantificar a sede de cada planta para não desperdiçar água”, explica o responsável pela área da inovação. Com recurso a tecnologias que integram ferramentas de IA, é feita uma avaliação e deteção remota das necessidades de cada planta, e direcionada a quantidade de água de que precisa. Do equilíbrio desta equação resulta uma melhor gestão dos recursos naturais, uma produção com mais eficiência e uma garantia de sustentabilidade e de respeito pela natureza.

Num sector menos trendy como, à partida, o agrícola é percecionado, não seria de esperar que a utilização de tecnologias como a IA fosse já uma realidade. No entanto, tal como a Sogrape, outras empresas agrícolas já perceberam o potencial da transformação digital. O objetivo é tornar as produções mais sustentáveis, mais bem preparadas para as alterações climáticas e elevar o controlo de qualidade dos produtos agrícolas. Dependendo da atividade de cada um, o portefólio tecnológico abrange a utilização de drones, robôs, sensores, internet of things, inteligência artificial ou blockchain. No fundo, reforça António Graça, “a tecnologia dá-nos a capacidade de interpretar bem a natureza”.

O papel da sustentabilidade
A tecnologia está também a transformar a indústria do papel. Um sector industrial com um enorme desafio de sustentabilidade. “O nosso negócio tem um ciclo natural ligado à natureza”, afirma José Ataíde, assessor da Comissão Executiva da The Navigator Company. No entanto, também é verdade que se trata de uma indústria que muitos olham com desconfiança devido à sua dependência da floresta. O responsável da celulose contraria esta ideia. “A nossa matéria-prima é a madeira, pelo que temos uma enorme preocupação com a preservação da floresta.”

Aliás, acrescenta, “somos cada vez mais eficientes em termos de economia circular e o nosso objetivo é chegar muito próximo de zero na pegada de carbono”. Então, e onde entra aqui a tecnologia? A Navigator estimula interna, e externamente, a inovação e a investigação e conta já, por exemplo, com tecnologia para prevenção e deteção de incêndios florestais. “Fazemos benchmarking com as melhores práticas e estamos bem posicionados”, garante José Ataíde.

Retirar o melhor partido dos dados gerados por toda esta indústria, através de sofisticadas ferramentas analíticas (IA incluída), para atingir níveis ainda mais elevados de produtividade, é outro dos desafios tecnológicos, tal como calcular com antecedência o preço da matéria-prima. Para tal são usados modelos de previsão ou digital twins — simulação de situações reais com modelos de decisão para prever falhas. O objetivo é perder menos tempo e tomar medidas preventivas.

O combate ao desperdício é outra das guerras inerentes à atividade da indústria da produção de papel e, também aqui, as ferramentas tecnológicas dão uma ajuda. A transformação de parte dos resíduos em biomassa e, consequentemente, em energia elétrica é disso exemplo. Atualmente, diz José Ataíde, “somos a entidade em Portugal que mais produz biomassa para a rede elétrica nacional”.

Fábricas mais inteligentes
De raiz industrial tradicional, a Efacec evoluiu, ao longo dos seus quase 70 anos de marca, para uma empresa que atua hoje em áreas como a energia, a engenharia ou a mobilidade. A inovação tem sido o fio condutor da transformação, e a tecnologia faz parte do seu negócio. “Hoje produzimos tecnologia para várias áreas, desde o Espaço às barragens, passando pelas centrais elétricas e fotovoltaicas”, afirma Ricardo Viana, diretor do digital office da Efacec. A inteligência artificial não é, por isso, uma novidade para a empresa sediada em Matosinhos. “Temos vindo a introduzir os princípios da IA nas operações, o que nos trará benefícios ao longo do tempo”, garante aquele responsável que, acrescenta, “temos a preocupação de aplicar todas as tecnologias que vendemos à realidade interna”.

A renovação que o grupo tem vindo a fazer nas fábricas também inclui um conjunto de tecnologias com IA. “Teremos fábricas cada vez mais inteligentes”, acrescenta ainda Ricardo Viana. Detetar falhas em equipamentos que emitem, de imediato, alertas para reparação ou substituição de peças, ou monitorizar a distribuição de energia em tempo real são alguns exemplos das novas capacidades intelectuais das fábricas num universo da indústria a que hoje chamamos 4.0.

O FUTURO DA INDÚSTRIA

  • MUDANÇAS 60% das tarefas na indústria podem ser automatizadas, o que significa que cerca de 700 mil trabalhadores em Portugal terão que mudar de emprego e aprender novas funções até 2030
  • DIGITAIS Em 2022, metade das cadeias de abastecimento serão digitais e robotizadas, podendo entregar os produtos diretamente ao consumidor
  • EFICÁCIA Metade das empresas digitais usarão digital twins (modelos digitais que simulam situações reais para decisões mais informadas) em 2021, com um aumento de eficácia na ordem dos 10%

OPINIÃO POR MAGDA MATA
NÃO É FICÇÃO, É REALIDADE

Industry Lead da Microsoft Portugal

O sector industrial, apesar de ser um dos mais tradicionais é, possivelmente, o mais impactado pela transformação digital. Falar em transformação digital na Indústria torna incontornável falar de Indústria 4.0 ou 4ª Revolução Industrial, sinónimos da digitalização dos processos de produção. Ao fabricante de hoje já não basta ser apenas o produtor, tem de ser o meio que liga todo o ciclo de vida de um produto e tem de confiar cada vez mais na tecnologia. A Inteligência Artificial (IA) vai disponibilizar substanciais insights das operações e do mercado, permitindo a tomada de decisão mais informada, antecipar tendências, fazer previsões mais acertadas, facilitar a otimização dos processos e reduzir os custos. O momento é de disrupção, mas também de oportunidade ou de sobrevivência. No contexto do programa Indústria 4.0, para Portugal, foi referido que esta seria a primeira revolução industrial em que a nossa localização geográfica e falta de recursos naturais relevantes não seria um handicap. Partimos, desde logo, com elevada probabilidade de sermos bem sucedidos nesta transformação do sector, no entanto, os números partilhados hoje revelam que cerca de 75% das empresas portuguesas têm baixa maturidade digital.

Todas as jornadas de transformação trazem desafios, começando desde logo pela mudança cultural que se impõe, o que poderá levar a que a própria digitalização ainda ande a vapor. A incerteza no momento de investir poderá levar quem decide a cair num enredo complexo de avaliação sobre o que a tecnologia poderá fazer pela sua empresa, qual o seu retorno e quando este chegará. O ótimo é inimigo do bom e poderá ser bloqueador da inovação. Urge começar hoje, começar pequeno, errar rápido, aprender e depois escalar. A convergência natural das tecnologias de informação com as tecnologias de operação também coloca alguns desafios de segurança na medida em que os sistemas de controlo industrial e os muitos dispositivos IOT passam a ser tratados como um qualquer computador pessoal. E, por isso, tornam-se igualmente vulneráveis. É também necessário acomodar a transformação e formação da força de trabalho. Assistimos à integração de novas gerações, à necessidade de requalificar e preencher novos postos de trabalho com novas competências, requeridas para retirar todo o potencial da IA e da Analítica Avançada. Tudo indica que a força de trabalho necessária vai aumentar e os trabalhadores estarão dedicados a tarefas de valor acrescentado. A transformação impõe-se, já não é opcional. A IA e outras tecnologias avançadas vão suportar a Indústria 4.0, onde criar um futuro em que a “indústria inteligente” não é ficção, mas a realidade.

FONTE:  EXPRESSO