Novas tecnologias aumentam acesso a dinheiro físico

Pagamento instantâneo e outras inovações transformam lojas em agências de serviços financeiros
Por Sérgio Tauhata — De São Paulo

Ainda que pareça um contrassenso, o uso do dinheiro físico pode até se tornar mais presente no comércio com a chegada do Pix, o sistema de pagamentos instantâneo do Banco Central – pelo menos, para uma parcela da população que transaciona frequentemente com numerário ou recebe em espécie, como os informais. A estreia operacional da ferramenta está programada para dia 16 de novembro. Um dos impactos esperados do sistema é, justamente, o de desestimular o uso de cédulas de papel nas transações. Isso porque a transferência digital não terá custo para as pessoas físicas e estará disponível 24 horas nos sete dias da semana. No entanto, a combinação do Pix, do open banking e das novidades regulatórias dos últimos anos, como o incentivo às fintechs, com as iniciativas da própria indústria bancária vai ajudar a quebrar uma tradicional barreira física do sistema financeiro. Possibilidade de saques no varejo reduz vantagem de bancos com capilaridade de rede física de agências As inovações vão permitir que qualquer banco digital ou fintech tenha capilaridade de pontos físicos para saques em dinheiro e pagamentos de contas que até então apenas as grandes instituições de varejo conseguiam por meio de redes de agências e caixas eletrônicos. O BC já anunciou que pretende liberar, no primeiro semestre do próximo ano, o saque Pix no varejo. Na prática, a facilidade vai permitir que as pessoas físicas façam retiradas de dinheiro em qualquer loja, supermercado ou de serviços, como salões e outros estabelecimentos.

Para as empresas, as vantagens vão desde diminuir custos com armazenagem e transporte de papel moeda e ampliar a segurança com menos numerário dentro do ponto físico até atrair o cliente para dentro da loja. Apesar do avanço do pagamento eletrônico, o uso de dinheiro ainda está muito presente no dia a dia de grande parte da população, como mostra uma pesquisa do BC. Quase um terço ou 29% dos trabalhadores brasileiros recebiam em espécie em 2018, no dado mais recente disponível. Em termos de classes, 51% dos integrantes da C declaram usar cédulas e moedas como principal meio de pagamento. Na B, a fatia cai para 30% e nas D e E, a 14%. No topo da pirâmide, o percentual é de apenas 4%. O levantamento indica ainda que o dinheiro físico ainda é muito utilizado em estabelecimento de pequeno porte, como restaurante, bares, lojas, mercados, salões de beleza, padarias e outros. O papel ainda é usado em maior ou menor grau por 96% da população e aparece em 82% das transações de valores até R$ 20. “Aquela vantagem competitiva das agências dos bancos tradicionais, da grande capilaridade, hoje não é mais vantagem, mas custo”, afirma o cofundador e diretor de tecnologia e produto da fintech PicPay, Anderson Chamont. “Agora não precisa mais ter agência e nem ser correntista de banco para fazer transferências, receber e sacar dinheiro.” Para a diretora da ABFintechs e fundadora do Linker Bank, Ingrid Barth, “não é que a gente não vai mais consumir bancos, mas o que vai mudar é a maneira como consumimos esses serviços, sem ficar presa a uma única instituição”. A executiva aponta que “o impacto das transformações tecnológicas não é algo exclusivo do setor financeiro, vejo a concorrência aumentar em todas as indústrias”. A possibilidade de clientes poderem fazer saques e eventualmente pagar contas no varejo ajuda também a inclusão de mercados que hoje estão fora do radar dos incumbentes. Segundo o superintendente de novas plataformas da TecBan, Tiago Aguiar, “existem 1,5 mil cidades que não têm agência bancária, ou seja, não tem serviços bancários, isso dá 11 milhões de pessoas”. O executivo acrescenta que “ainda existe outro patamar de cidades que são pouco assistidas pela indústria, então tem bastante mercado para todo mundo”.

Para Aguiar, “quando tem um novo produto a gente sempre tende a pensar que a nova solução vai tomar o espaço da antiga, mas penso o contrário; acho que estamos ampliando o mercado, esse bolo vai aumentar seja pela questão do uso do dinheiro e de outros meios de pagamento”. O pacote de inovações regulatórias que têm impulsionado a concorrência no sistema financeiro e no setor de pagamentos vai além do Pix. O BC nos últimos anos, dentro da agenda BC+ e atual BC#, tem realizado inúmeras mudanças normativas, como a criação de novas figuras de instituições financeiras, as sociedades de crédito direto (SCD) e as sociedades de crédito entre pessoas (SEP), além de uma nova segmentação para bancos com cinco níveis de peso regulatório. “Junto com o pagamento instantâneo e outras iniciativas do BC, a possibilidade de os novos participantes do sistema financeiro terem uma licença mais soft, mais simples que a de um banco tradicional, ajuda a mudar a maneira como se consome os produtos do setor”, aponta Ingrid, da ABFintechs. “E não falamos só sobre pagamentos, mas mais crédito, democratização de acesso a serviços financeiros e melhora da experiência, possibilitados pela tecnologia, infraestrutura e facilidade de validação que as fintechs estão trazendo.” “A promessa é que o Pix, somado a outras iniciativas como o open banking e o cadastro positivo, traga mais transparência, competitividade e principalmente aceleração da digitalização de micro e pequenos empresários”, diz o professor de empreendedorismo e inovação da ISAE Escola de Negócios, Rafael Schroeder. O especialista lembra que o próprio Pix integra a agenda da autoridade desde 2013. Chamont, da PicPay, acredita que os “serviços financeiros serão cada vez mais um serviço de infraestrutura como telefonia”. O crescimento da cadeia de valor “permite que nossos estabelecimentos e parceiros possam vender mais, não é só transacional, mas de entrega de mais vendas”. O novo ecossistema digital tem impulsionado a chegada de novos entrantes no mercado. A LiveOn, empresa que fornece infraestrutura para startups que desejam oferecer serviços financeiros, quintuplicou a base de clientes só neste ano. Segundo o CEO Lucas Montanini, a chegada do Pix e do open banking está por trás desse crescimento. Mais de 20 empresas aderiram às soluções da LiveOn em 2020, o que aumentou o portfólio para 28 fintechs, das quais 27 são bancos digitais. De acordo com o grupo, o volume de transações na plataforma subiu de R$ 150 mil para R$ 40 milhões em três meses e deve terminar o ano em R$ 100 milhões. “Somos uma plataforma ‘white label’ de ‘banking as a service’”, explica. Os serviços oferecidos incluem gestão de conta digital, cartão pré-pago e de débito, transferências e pagamentos, como o Pix.

FONTE: https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/10/23/novas-tecnologias-aumentam-acesso-a-dinheiro-fisico.ghtml