Nova pensão? Conheça as startups de coliving, com apartamentos compartilhados

Housi, Yuca e Uliving são alguns dos empreendimentos que aderiram ao movimento de moradia compartilhada. Custo acessível e adaptação a um novo estilo de vida são bandeiras dessas empresas da habitação

Metrópoles atraem habitantes no mundo todo – e o preço para alugar ou comprar ou imóvel segue inflando. O antigo hábito de dividir custos morando em pensões ou repúblicas ganhou ares de século 21 graças a um banho de tecnologia das startups: o nome agora é coliving, ou moradia compartilhada.

Colivings internacionais já defenderam a mesma tese alguns anos antes. Fundado em 2006, o The Student Hotel é especializado em moradia compartilhada estudantil e tem 6 mil quartos em seis países europeus. Já o britânico The Collective, criado em 2010, tem uma base de 9 mil propriedades na Europa e nos Estados Unidos.

tendência já aparece em metrópoles brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo. As startups brasileiras HousiYuca Uliving oferecem a habitação como serviço dotado de tecnologia.

Esses empreendimentos defendem a ideia de trocar o ter pelo usar, inclusive quando falamos da casa própria e de viver voluntariamente com mais de dois estranhos. Em troca há uma redução de custos, mas também uma gestão terceirizada do apartamento, a chance de viver perto do trabalho e, para alguns, menos solidão.

Estudos corroboram o crescimento desses empreendimentos. A consultoria imobiliária Cushman & Wakefield estima que o mercado de coliving vale US$ 6,67 bilhões – valor que pode dobrar até 2025.

“É um movimento impulsionado pela necessidade de moradia acessível, pelo declínio no tamanho das famílias e por um estilo de vida mais acelerado na troca de trabalho e nas mudanças de cidade”, afirma Gui Perdrix, vice-presidente da organização sem fins lucrativos de fomento à moradia compartilhada Co-Liv.

De construtora para startup
Perdrix participou de um evento organizado pela Vitacon. Fundada pelo empreendedor Alexandre Frankel em 2010, a construtora e imobiliária apostou em imóveis perto de locais de trabalho ou de opções de mobilidade, mas compactos.

Em seus dez anos de operação, a Vitacon passou de imóveis de 43 m² para os de 10 m² e investiu em áreas compartilhadas de trabalho, de eventos e de cinema. O apartamento em si se tornou um ambiente multiuso: dependendo do horário do dia pode ser um quarto, uma sala ou uma cozinha. A única área de propósito único é o banheiro.

Com metragem reduzida, o valor de compra também ficou menor para os futuros moradores. A estratégia fez a Vitacon crescer, principalmente a partir de 2017. Enquanto isso, o mercado de imóveis ainda ensaiava uma retomada. A Vitacon já construiu 73 prédios. A construtora e imobiliária teve um ano recorde em 2019, com R$ 1,5 bilhão em vendas de imóveis. Em 2020, espera crescer 50%.

Foi um curto passo para aderir ao movimento de coliving. “Atingimos o conceito sem querer, primeiro atacando o trânsito”, afirmou Frankel no mesmo evento. A Vitacon criou há pouco mais de um ano uma startup para aluguel online de apartamentos. A Housi, plataforma independente das finanças da Vitacon, intermedeia 1,2 mil locações por mês na cidade de São Paulo e tem R$ 3 bilhões em imóveis com áreas compartilhadas sob gestão. Até o final do ano, projeta quintuplicar de tamanho na comparação com dezembro de 2019.

Sua cartada mais recente é o ápice do compartilhamento: popularizar os hotéis cápsulas, famosos no Japão. A Housi tem na plataforma uma unidade do tipo construída pela Vitacon na Vila Olímpia, bairro paulistano de alto poder aquisitivo. Com diária de R$ 150, cada quarto se resume a uma cama de 2 m² e um armário com toalhas. Banheiro e espaço para alimentação e convivência são compartilhados.

Um apartamento que vira quatro
Outra startup brasileira não nasceu de um empreendimento imobiliário, mas sim de um histórico com empreendimentos escaláveis, inovadores e tecnológicos. Natural de Recife (Pernambuco), Eduardo Campos estou administração, finanças e marketing nos Estados Unidos. Trabalhou em consultoria e investiu em startups que se tornariam gigantes, como GympassCreditasDocketIDWall e Quinto Andar. Depois, Campos virou sócio do fundo de investimentos ONEVC e participou de investimentos como o feito na colombiana Rappi.

“Fiquei apaixonado pelo mundo de tecnologia. Decidi abrir minha própria empresa para entender as dores do empreendedor”, diz Campos. Ele criou o marketplace de serviços domiciliares Parafuzo, mas saiu em 2019. O plano era viajar com a família, mas Campos já pensava em um novo negócio na segunda semana de férias.

O plano de criar uma proptech, ou startup do ramo imobiliário, veio de conhecer dificuldades como seguro fiança, decoração e reformas para propriedades por meio da Quinto Andar; o relacionamento com Mate Pencz, um dos fundadores do unicórnio de imóveis Loft; e a experiência de parentes com incorporação tradicional.

Campos cofundou a plataforma de aluguel Yuca em julho de 2019. A startup divide e reforma apartamentos antigos, com metragem média de 150 m2, em espaços prontos para três ou quatro moradores. Enquanto os quartos são individuais e alguns até são suítes, tendo em médio 20 m², sala e cozinha são coletivas. Os moradores podem se conhecer ou não previamente. O contrato de locação é de seis meses, contra uma média estimada pelo empreendedor de 30 meses no aluguel tradicional.

O público-alvo são moradores de metrópoles que enfrentam baixa qualidade de vida. São jovens de 22 a 35 anos de idade, formados e com renda. Geralmente, trabalham em empresas de tecnologia e acabaram de chegar à cidade grande – por isso, a Yuca está fechando parcerias com departamentos de recursos humanos. Startups como a Creditas, de serviços financeiros, usam a proptech como forma de reter profissionais.

“Resolvemos um problema global de cidades que cresceram sem planejamento, de São Paulo até Jakarta [Indonésia]. Com a migração massiva de jovens profissionais para capitais, há falta de moradia nos bairros centrais. Acessibilidade é a melhor amenidade”, diz Campos.

Os primeiros apartamentos foram alugados em fevereiro no mês passado. A Yuca tem três propriedades operando atualmente, mas uma base de 35 residências contando aquelas em reforma. Os locatários usam um aplicativo da startup de propriedades para administrar sua reserva e agendar serviços pelo bairro de residência.

A proposta atraiu o interesse de investidores. A proptech captou um aporte de US$ 20 milhões dos fundos Monashees, ONEVC e Starwood Capital Group em sua fundação. “Estamos sobrecapitalizados para acelerar e conquistar o mercado. Já temos um negócio com boas receitas e custos sobre cada unidade”, diz Campos.

Empreender com imóveis geralmente requer capital intensivo, mas a Yuca tem optado por um modelo de sugestão para ser financeiramente mais leve: um investidor que já tem o imóvel comprado repassa a gestão para a Yuca, em troca de renda passiva.

O investimento irá mais para a contratação de talentos: a Yuca tem 50 funcionários e espera chegar a 160 deles até o final do ano. Outro aporte, agora de série A, também está nos planos para 2020. Todos os apartamentos da Yuca estão alugados – além de uma fila de espera de “centenas” de pessoas.

A nova república
Mesmo no recente mercado brasileiro, startups de coliving criam nichos. Fundada pelos sócios Celso Martineli e Juliano Antunes em 2012, a Uliving administra edifícios de hospedagem estudantil. Enquanto Antunes trabalhou no mercado imobiliário, Martineli trabalhou em hotelaria.

Ambos viam uma lacuna de moradia estudantil profissionalizada no país, mesmo tendo uma grande população estudantil: existem cerca de 8 milhões de alunos no ensino superior brasileiro. Uma grande inspiração para a criação da Uliving foi a The Student Hotel.

A idade dos moradores costuma variar de 17 a 25 anos de idade. Os jovens de graduação e pós-graduação compartilham espaços para cozinhar, estudar e assistir à televisão. Depois, voltam a quartos monoambientes com banheiros, assim como acontece na Vitacon.

Essa “república do século 21” ganha em conveniência e gestão. É preciso ter comprovante de matrícula ou passar por uma avaliação pela Uliving antes de acessar os quartos, que já incluem água, energia e gás no valor fixo. Funcionários dos prédios estão disponíveis tanto para segurança quanto para dar conselhos sobre qual região frequentar, a quais estabelecimentos ir e inclusive fazer companhia aos alunos. As unidades da Uliving também recebem eventos de faculdades e de companhias sobre práticas de estudo e do mercado.

A Uliving tem 732 camas locadas nas cidades de São Paulo, Sorocaba e Ribeirão Preto. O número deve chegar a 2.000 até o fim de 2020, e a 5.000 até 2023. As mensalidades vão de R$ 870 (quarto triplo em Ribeirão Preto) até R$ 5.000 (modelo individual e com vista para a praia no Rio de Janeiro). A Uliving faturou R$ 10 milhões em 2019. Em 2020, o faturamento deve dobrar.

FONTE: PEGN