No século 21, quem for ágil para se tornar ágil vai sobreviver

Para fazer uma transformação digital de verdade, a empresa tem que se tornar ágil, elástica e adaptável. É mudar a companhia por completo em sua cultura e modelo de gestão. É um desafio e tanto, mas é essencial para a sobrevivência empresarial

Um assunto muito em voga é transformação digital. O cenário de negócios do século 21, com a evolução exponencial das tecnologias digitais, se caracteriza por ser um cenário volátil, incerto, ambíguo e crescentemente complexo. Ou seja, um contexto imprevisível, de mudanças rápidas, que não pode ser gerenciado com as estratégias, técnicas, processos e mentalidade que privilegiem a estabilidade. Essa, simplesmente, deixa de existir.

Mas fazer uma transformação digital vai muito além da tecnologia. É uma mudança cultural que afeta profundamente a organização em seus processos e modelos de gestão. Ao contrário do modelo dominante do século 20, de estruturas burocráticas e hierárquicas, as empresas que irão competir com chances de sobrevivência nos próximos anos, serão as empresas que conseguirem realmente se transformar em empresas ágeis.

Uma das bíblias de gestão, a Harvard Business Review, reconheceu isso, em maio de 2016, publicando um instigante artigo chamado “Embracing Agile. É uma leitura obrigatória para os CEO e todos os C-level de qualquer organização. Aliás, o conceito básico do que é ser uma empresa ágil ainda não está permeada entre os executivos da maioria das empresas.

Para minha surpresa, em conversa com centenas de C-levels, inclusive CIOs, vi que muitos deles ainda não compreenderam os princípios filosóficos do modelo ágil, que surgiram no desenvolvimento de software, sua área de responsabilidade direta. Esses princípios divulgados no “Manifesto for Agile Software Development”, no distante ano de 2001, simplesmente nunca foram lidos por muitos CIOS!

Esta falta de compreensão do que é ser uma empresa ágil, fica claro quando vemos que existe muita fumaça e pouco fogo nos discursos de transformação digital. Qualquer empresa hoje se diz em processo de fazer uma transformação digital, mas poucas realmente estão fazendo. A razão de muita conversa e pouca ação é simples: a transformação digital torna essencial a empresa ser ágil, elástica e adaptável e isso implica em mudar modelo de gestão, processos e a cultura organizacional.

Não vemos isso acontecer com frequência. Vemos, sim, empresas colocando tecnologias e mais tecnologias, mas ainda organizadas no modelo de gestão top-down, burocrático. Esse é um erro: a transformação digital não é apenas uma transformação tecnológica. A tecnologia é meio, não o fim.  Manter uma estrutura organizacional burocrática e adotar IA, blockchain, cloud e outras tecnologias trará resultados pífios.

As estruturas hierárquicas funcionaram muito bem em um período de mudanças mais lentas. Por outro lado, criaram fragilidades como ascendência profissional significar mais poder, controles rígidos e pouca flexibilidade para mudanças. Tendem naturalmente serem reativas às mudanças, pois qualquer mudança afeta a estrutura de poder tão arduamente conquistado.

As estruturas hierárquicas funcionaram muito bem em um período de mudanças mais lentas

O modelo hierárquico foi criado para ser estático. As pessoas trabalham dentro de um contexto “que as coisas foram feitas assim e deverão continuar sendo assim”. É uma estrutura de comando e controle, onde o comando está nos níveis gerenciais e a execução nos níveis mais baixos, que apenas cumprem tarefas, sem maiores autonomias. Os níveis intermediários de gerência funcionam como “buffers” recebendo ordens e as enviando para baixo, filtrando os problemas que surgem embaixo, repassando apenas alguns para a alta administração.

As regras são claras e desvios punidos. Inovação não é algo incentivado, a não ser em teoria ou em pôsteres nas paredes. As estruturas criam silos, muitas vezes com objetivos conflitantes entre si, formando um cenário de “nós contra eles”, como gerência versus staff, marketing versus finanças, TI contra todos!

Um sintoma comum disso em muitas áreas de TI é olhar os setores da empresa com desconfiança, tratando-os como clientes ou entes distantes, e não como parceiros no mesmo negócio. Ainda é comum ouvirmos “usuário não sabe o que quer!”. Característica de uma relação conflituosa, causada pela estrutura obsoleta da organização.

Observamos as áreas de RH e os gerentes das empresas reclamarem que a nova geração, os millennials, geração X, Y ou Z, são difíceis de serem gerenciados. Alguns até os chamam de atrevidos. Minha leitura é diferente e entendo que é um sinal que mostra que a estrutura hierárquica é que não se adaptou aos novos tempos.

Esta geração já nasceu com a internet e os mais jovens com o smartphone como pano de fundo, com disrupções frequentes e o próprio contexto da Web faz com que a influência de cada um seja baseada na sua contribuição e reputação digital, não pela sua posição hierárquica.

Este pensamento colide com a estrutura hierárquica que diz que sua importância na organização é fundamentada no seu cargo e não necessariamente na sua contribuição e reputação. Nosso paradigma de pensar em estruturas hierárquica é que nos impede de olhar o cenário de forma diferenciada.

A concentração de poder no topo da pirâmide organizacional cria um ambiente de separação, entre os que tem poder (os que estão no topo) e os sem poder, que estão nas camadas inferiores da pirâmide. Como poder é um recurso escasso, ele é disputado ferrenhamente, muitas vezes levando a climas de tensão extremamente negativas.

A concentração de poder no topo da pirâmide organizacional cria um ambiente de separação, entre os que tem poder (os que estão no topo) e os sem poder

A luta pelo poder exacerba algumas naturezas humanas como ambição, politicagem e desconfiança, que criam ressentimentos e frustrações. É um contexto que cria paradoxos entre valores escritos e praticados. Por exemplo, uma empresa fortemente hierárquica coloca como valor “confiança e responsabilidade”, mas a estrutura faz com que apenas as pessoas nas camadas superiores saibam o que está acontecendo e o que será efetuado em caso de crise.

Assim, uma onda de demissões é decidida pela casta superior enquanto em baixo a imensa maioria dos funcionários aguarda em suspense o que virá! Onde está a confiança e responsabilidade? Por que estes problemas não podem ser discutidos abertamente e novas ideias serem propostas por todos que serão afetados por elas?

O modelo tradicional ainda pensa no funcionário como sua propriedade e emprego é assumido ser duradouro. Premiação por 20 ou 25 anos de emprego são comemorados. Os valores predominantes são financeiros e tudo é feito em nome da lucratividade do negócio. O gerenciamento é por objetivos. Este deve ser alcançado, não importa como.

Observamos isso explicitamente nas áreas de vendas com pressões muitas vezes insustentáveis em cima dos funcionários para baterem ou ultrapassarem metas, que nem sempre são factíveis. Os indicadores usados refletem este espírito da meta a qualquer custo, como ciclos trimestrais e anuais, KPIs e balanced scorecards.

Mas precisa continuar assim? Uma estrutura hierárquica emula uma máquina, sempre operando da mesma maneira. O resultado do engessamento, do método de comando-controle e do curto-prazismo pode ser observado no nível de satisfação dos funcionários, geralmente muito baixo.

Por que não olhar uma organização como um ser vivo, em constante evolução e adaptação, aprendendo e agindo de forma diferente a cada novo aprendizado? Um ser vivo tem suas células funcionando de forma independente, sem controle central. O fígado reage por sua conta, sem esperar pelas suas ordens. Pensar em uma empresa autogerenciável é uma quebra de paradigmas, mas não creio que exista outra alternativa para sobreviver em um mundo que muda a cada instante.

Por que não olhar uma organização como um ser vivo, em constante evolução e adaptação, aprendendo e agindo de forma diferente a cada novo aprendizado?

Isto significa criar equipes autogerenciáveis, que tomam suas próprias decisões. Não existe a figura do chefe, mas todos tem mesma importância no processo de decisão. Os times não têm chefes, mas liderança, muito mais voltada a ser inspiradora que controladora. Por outro lado, não existem intermediários entre a liderança e os times, o que significa que os níveis gerenciais intermediários, o famoso “middle management” deixa de existir ou é minimizado. Aliás, as lideranças controladoras são substituídas por “coaches”, orientadores e inspiradores. A estrutura da liderança tem poucos “coaches” e um CEO com papel diferente dos que vemos nos CEOs tradicionais.

Outro ponto que indiscutivelmente deve acabar nas empresas do século 21 é a proliferação e funções de staff que são típicas das estruturas atuais, como RH, finanças, jurídico, auditoria interna, TI, e outros setores. Na prática, para se manterem estes setores precisam criar valor e para isso acabam criando problemas adicionais para poderem resolverem e, portanto, adicionarem valor às organizações.

Uma estrutura organizacional de uma empresa preparada para a era digital, moderna, não precisa de tanto staff. O staff de apoio é levado ao mínimo e grande parte de suas atividades fica com as próprias equipes. O staff de apoio funciona muito mais como orientador que operador.

Os times podem recrutar seus funcionários e não mais terceirizar esse processo para o RH, que passa a ter o papel estratégico de orientar e apoiar em questões específicas, como contratuais, políticas de convivência, aderência à cultura, ênfase na diversidade e multiculturalismo e assim por diante.

Recomendo a leitura de um artigo muito interessante, de 2015, mas muito atual, “The Future of Management Is Teal” que mostra diversas empresas com processos de self-management.

O cenário de negócios está cada vez mais complexo, volátil, ambíguo e incerto. Para resolver problemas complexos precisamos de colaboração contínua dentro da empresa e com seu ecossistema, principalmente seus clientes. Desenvolver e entregar uma solução de forma rápida, proporcionando uma experiência encantadora para os clientes vai muito além da capacidade que uma organização burocrática, com seus entraves vai permitir. A burocracia não tem foco na experiência do cliente, mas é projetada para produzir resultados consistentes (e geralmente medianos) de acordo com as regras estabelecidas internamente.

Além disso, uma estrutura burocrática com sua longa cadeia de comando e controle não consegue se mover com a velocidade que o cenário de negócios atual exige. Portanto, para a transformação digital ter sucesso, não tem sentido apenas usar tecnologia. Todas as tecnologias estão disponíveis a todas as empresas. Mas a diferença estra no usar a tecnologia para repensar a organização e seu modelo de gestão.

É possível uma grande empresa se organizar de forma diferente. O exemplo da Alibaba, “Alibaba and the Future of Business” é um bom exemplo de como a organização pode se auto ajustar e com isso se tornar extremamente ágil.

Ser uma empresa ágil é essencial para a transformação digital. Uma empresa ágil tem modelo de gestão diferente de uma empresa burocratizada. E uma das principais barreiras para a transformação é a cultura entranhada na organização e principalmente entre seus executivos seniores.

Ser uma empresa ágil é essencial para a transformação digital. Uma empresa ágil tem modelo de gestão diferente de uma empresa burocratizada

Uma mudança de mentalidade é o primeiro passo para uma empresa se tornar ágil. Isso significa romper com paradigmas consolidados, com experiências executivas consolidadas por décadas. Na era digital, ser ágil, flexível e centrado no cliente tornou-se -se fundamental. As organizações precisam ser “outside-in”, ou a partir da visão do cliente, criar os processos que os atendam sem fricções desnecessárias e não “inside-out”, onde o cliente tem se adaptar aos processos burocráticos internos.

Uma mudança de empresa burocrática para ágil passa por estas mudanças de conceitos. O cenário de negócios empoderou o cliente que tem todas as informações que precisa, disponíveis em seu smartphone, a qualquer hora, e com isso, como informação é poder, deslocou o controle do vendedor (empresa) para o cliente. O cliente agora é o dono do negócio e espera experiências cativantes, independente do setor onde a empresa opera.

Na sociedade industrial havia percepção que a empresa poderia manipular os clientes, e como os produtos eram padronizados, não havia muito para onde correr. Com a digitalização, pode-se criar invólucros digitais em torno dos produtos e com isso consegue-se personalizá-lo. Se uma empresa gera essa experiência, esta passa a ser o nível mínimo de exigência para as demais.

Uma empresa burocrática não consegue ser ágil para responder a essas mudanças rápidas. Mesmo que afirme isso de boa-fé, não consegue, na prática, atender às necessidades do cliente do ponto de vista dele. Assim, slogans “cliente em primeiro lugar” torna-se apenas intenção, mas não colocado em prática, pela razão que o modelo organizacional e de gestão não permite que isso aconteça.

A ideia de que apenas parte da empresa pode ser ágil e as demais podem funcionar em ritmos diferentes, não funciona. A razão é simples: se uma parte da empresa tem foco em criar valor para organização e a outra não, que está focada em cortar custos ou elevar o valor das ações, o valor não é criado.

O ponto principal é que para fazer uma transformação digital de verdade, a empresa, insisto, tem que se tornar ágil, elástica e adaptável. É transformar a empresa por completo em sua cultura e modelo de gestão. É um desafio e tanto, mas é essencial para a sobrevivência empresarial. As empresas criadas sob paradigma do século 20 não sobreviverão da mesma forma no século 21. Quais sobreviverão? As que foram mais ágeis em se tornarem ágeis.

FONTE: https://neofeed.com.br/blog/home/no-seculo-21-quem-for-agil-para-se-tornar-agil-vai-sobreviver/