Na guerra dos meios de pagamentos, a Locaweb corre por fora (e tem um trunfo na manga)

As ações da Locaweb subiram quase 100% desde a sua abertura de capital, em fevereiro deste ano, impulsionadas pelo crescimento de sua divisão de comércio eletrônico. Mas, sem alarde, a empresa está construindo uma solução de pagamento, batizada de Yapay, que deve acelerar ainda mais sua expansão. O CEO, Fernando Cirne, conta a estratégia ao NeoFeed

Fernando Cirne, CEO da Locaweb

Fundada em 1998, a Locaweb é uma sobrevivente da bolha de internet do início deste século. Durante boa parte de sua trajetória, a companhia ganhou dinheiro com um serviço de hospedagem para pequenas empresas, num modelo de negócio pré-computação em nuvem.

Mas, desde 2012, a companhia fundada por Gilberto Mautner e Claudio Gora, começou a diversificar sua operação, bem como a apostar em serviços mais corporativos. E a estratégia para crescer foi comprar empresas, após o aporte do fundo Silver Lake, um dos principais do Vale do Silício. A primeira delas, foi a Tray, uma empresa de Marília, no interior de São Paulo, que desenvolvia uma solução de e-commerce.

Desde então, foram seis aquisições, entre elas a KingHost, do setor de hospedagem, e a Delivery Direto, que desenvolve aplicativos para restaurantes – essas duas as mais recentes. Em 2019, a Locaweb contabilizava 350 mil clientes.

Desde que abriu o capital, em fevereiro de 2020, quando captou R$ 1,3 bilhão, as ações da Locaweb valorizaram-se quase 100%, impulsionadas pelo desempenho de sua área de comércio eletrônico. Hoje, a companhia vale R$ 4,2 bilhões, o mesmo patamar da Linx, que fatura duas vezes mais (em comparação: R$ 788,1 milhões da Linx versus R$ 385,6 milhões da Locaweb em 2019).

Essa valorização é fácil de ser entendida. De um lado, há crescimento acelerado da solução de comércio eletrônico da companhia em meio à pandemia do coronavírus. De outro, há um produto com enorme potencial, que está sendo desenvolvido sem grande alarde. Trata-se da Yapay, a solução de pagamento da Locaweb e seu trunfo para ganhar um lugar ao sol na guerra dos meios de pagamentos.

No primeiro trimestre de 2020, o número de lojas que usa a solução de commerce da Locaweb saltou 103%, quando comparado com o mesmo período do ano passado (a empresa não divulga o número total de empresas).

Mas olhando com lupa os meses de março e abril, o salto é de 160% e 252%, respectivamente. E, em maio e junho, a demanda permanece alta, segundo Fernando Cirne, CEO da Locaweb.

“Hoje, ter um carrinho de compra e uma lojinha online é quase uma commodity” diz Cirne, ao NeoFeed. “Oferecemos ao cliente um ecossistema que ajuda a vender mais.”

Parece papo de vendedor – e, de fato, é. Mas também não deixa de ser verdade. A Locaweb se especializou em montar uma solução para pequenas empresas que, na média, faturam R$ 20 mil por mês online, com quase tudo pronto. Basta poucos cliques para que a loja vá ao ar.

O modelo de receita é uma assinatura que varia de preço conforme o número de usuários únicos. À medida que a audiência cresce, e consequentemente as vendas, o valor pago recorrente à Locaweb vai aumentando.

“A tese da Locaweb é de que vai aumentar a digitalização das pequenas empresas”, afirma Thiago Maceira, head de tecnologia do Itaú BBA. “E eles aprenderam a vender um negócio completo.”

A solução da Locaweb está integrada a 20 marketplaces (de Mercado Livre B2W a Magazine Luiza e Amazon, entre outros ), 40 softwares de gestão, 12 soluções logísticas e oito meios de pagamentos.

“Não me preparei para a Covid-19. A digitalização ia acontecer de qualquer forma. E estava indo muito bem. O coronavírus só acelerou”, afirma Cirne.

A área de commerce, no primeiro trimestre de 2020, faturou R$ 22,9 milhões, quase 22% da receita total no período. Já a unidade de software como serviço e de hospedagem responde por 78% do faturamento.

Mas, se olhado na perspectiva de geração de caixa, a área de comércio eletrônico já representa quase 40% do Ebitda da Locaweb. “Nesse ritmo, em dois anos, ela deve passar de 50%”, diz Cirne.

E a solução de pagamento Yapay é fundamental para atingir essa meta. Em relatório, o analista de varejo da XP, Pedro Fagundes, chamou o Yapay de “a cereja do bolo” e escreveu que embora a operação de pagamentos da Locaweb represente apenas 10% da receita, ela pode atingir 35% da estimativa de crescimento da receita consolidada da companhia. “Acreditamos que seja um diferencial competitivo para a marca”, diz um trecho do relatório.

Quando montam suas lojas, os lojistas podem escolher até oito meios de pagamento. Mas se optarem pelo Yapay, a integração é imediata. “Há muitas vantagens para quem usar o Yapay”, diz Willians Marques, diretor-geral de commerce da Locaweb.

Entre as vantagens, o lojista pode usar o saldo do Yapay para pagar a mensalidade, além de conseguir iniciar sua operação online mais rapidamente, se comparada a outras soluções de pagamentos. Basta aceitar os termos de uso para começar a receber pela ferramenta.

No primeiro trimestre de 2020, as lojas que usam a solução de comércio eletrônico da Locaweb movimentaram R$ 1,2 bilhão – o volume inclui as vendas por seus próprios canais, como também via marketplaces. No ano passado, a movimentação atingiu R$ 3,7 bilhões, o que representou 6% do comércio eletrônico brasileiro, segundo a consultoria Ebit

O volume transacionado nos três primeiros meses de 2020 via Yapay foi de R$ 245,9 milhões, um crescimento de 60,7% (no ano passado, atingiu R$ 789,2 milhões). A taxa média que a Locaweb ganha, nessa transação, é de 4%. A Locaweb também recebe uma comissão, de menos de 1%, quando uma venda é gerada via marketplace.

Mas claro que há riscos. E eles não são poucos. Para começar, a competição dos meios de pagamentos é feroz e ficou ainda mais acirrada com a chegada do WhatsApp nessa arena. As empresas de software, como Totvs e Linx, também querem uma fatia desse bolo.

Não bastasse isso, o churn, que é a rotatividade dos clientes, também é alto. Mas vem caindo. Em 2018, era de 72%. No ano passado, atingiu 54%. Cirne, da Locaweb, diz que ele melhorou em 2020 – mas não fornece detalhes. Para efeito de comparação, a canadense Shopify, cujo modelo é semelhante ao da Locaweb, tem um churn de aproximadamente 30%.

Além disso, os marketplaces são ecossistemas que cada vez mais oferecem todo tipo de solução para seus lojistas, o que pode, em algum momento, capturar o cliente da Locaweb direto às suas plataformas.

“Os marketplaces, como o Mercado Livre, o Magazine Luiza e a B2W, estão cada vez maiores e vão querer ficar cada vez mais integrados”, diz Maceira, do Itaú BBA. “O desafio da Locaweb é estar inserido nesse ecossistema que está crescendo.

A vantagem da Locaweb é ter enxergado o que ninguém tinha notado. Pelo menos ainda. Pense no PagSeguro, que ganhou tração por apostar em pequenos empreendedores individuais desprezados pelas grandes empresas de adquirência, como Cielo e Rede.

A Locaweb, de certa, forma está trilhando caminho semelhante. Mas o seu público é o pequeno lojista que não tinha presença online e agora precisa se digitalizar desesperadamente. Para se ter uma ideia, 40% dos novos clientes da Locaweb no meio dessa pandemia contam com ponto físico, mas não tinham nenhuma presença online. “Com a loja fechada, ele precisava começar a vender”, afirma Marques, da Locaweb.

Mas, mesmo nessa área, a competição está ficando acirrada. A VTEX, que recebeu um aporte de R$ 580 milhões liderado pelo Softbank no ano passado, deve ser um desses concorrentes. A companhia está expandindo suas soluções de e-commerce para pequenas e médias empresas.

Hoje, a VTEX atende as pequenas e médias empresas por meio das marcas Loja Integrada (adquirida em 2012) e Xtech Commerce (comprada em 2017 e descontinuada recentemente).

No ano passado, a empresa lançou o GoCommerce, após a aquisição da concorrente Simples. A meta é que esse nicho representa entre 40% e 50% da receita da VTEX. Hoje, está na casa de 15%, segundo relatório da XP Investimentos.

A Locaweb está também capitalizada e atraindo grandes fundos com interesse em investir na empresa. Na sexta-feira, 19 de junho, o BlackRock informou que comprou mais de 5% de ações da empresa.

De seu IPO, R$ 575 milhões entraram no caixa da empresa – o restante foi para bolso dos fundadores e para a Silver Lake, que saiu do investimento. A previsão da companhia é investir R$ 350 milhões nos próximos dois anos em aquisições.

“Tenho 32 acordos de confidencialidade assinados”, diz Cirne, o CEO da Locaweb. O alvo são empresas que tem como modelo receita recorrente e sinergia com a Locaweb para que possa fazer cross sell com as atuais soluções.

Ao que tudo indica, a Locaweb está se preparando para a guerra.

FONTE: https://neofeed.com.br/blog/home/na-guerra-dos-meios-de-pagamentos-a-locaweb-corre-por-fora-e-tem-um-trunfo-na-manga/06