Na Brasil BioFuels, o novo combustível é um braço de biotecnologia

O grupo, que já atua na produção de óleo de palma, com biocombustíveis e usinas termelétricas, cria a BBF BioTech, que vai oferecer alternativas ao uso de petroquímicos em setores como cosméticos, farmacêuticas e agronegócio.

Em pouco mais de uma hora de conversa, Milton Steagall passeia por vários temas. Cada pergunta é a deixa para que ele engate uma história ou uma passagem que, a princípio, não tem conexão com o assunto em questão. Mas que, minutos depois, se mostra essencial para compreender o seu raciocínio.

Esse “dom” também inspirou a Brasil BioFuels (BBF), empresa fundada por ele em 2008. Da produção de óleo de palma, em Roraima, a companhia evoluiu para um modelo verticalizado e 100% centrado na Região Norte, que integrou a oferta de biocombustíveis e a geração de energia elétrica renovável.

Agora, guiada pelo empresário de 57 anos, a BBF, dona de um faturamento de R$ 1,5 bilhão em 2022, está acrescentando mais um capítulo a esse roteiro, a partir da BBF BioTech, sua nova unidade de negócios focada em biotecnologia.

“No fundo, na nossa história, uma coisa sempre puxou a outra”, observa Steagall, fundador e CEO da BBF, ao NeoFeed. “Mas esse projeto, sozinho, é maior do que tudo o que nós fizemos até hoje.”

Como parte do início dessa nova história, em março, entra em operação a primeira fábrica dedicada à divisão. Instalada em Ji-Paraná, no estado de Rondônia, a unidade concentrou um investimento de R$ 33 milhões e terá uma capacidade produtiva de 3 mil toneladas por mês.

Com um investimento de aproximadamente R$ 90 milhões, uma segunda planta da BBF BioTech já está sendo construída em Manaus (AM). Prevista para ser inaugurada no primeiro semestre de 2024, essa estrutura irá dobrar a capacidade produtiva da divisão.

O mote dessa nova trama será a oferta de matérias-primas renováveis produzidas a partir de óleos vegetais, como o óleo de palmiste – extraído da noz do fruto da palma. A ideia é substituir o uso de petroquímicos no agronegócio e nas indústrias de cosméticos, personal care, alimentícia e farmacêutica.

A BBF começou a acelerar o desenvolvimento desse portfólio há cerca de um ano. “No ano passado, nós registramos 11 patentes. E, para este ano, já temos outras treze para levar a registro”, observa o empresário.

Os primeiros frutos desse trabalho estão reunidos em uma nova linha, batizada de AmazonBio Care. Ela reúne dez tipos de insumos que, entre outras características, são biodegradáveis e geram baixo nível de irritação térmica e ocular.

O leque de aplicações vai desde produtos como shampoos, sabonetes filtros solares e espumas de barbear, no caso dos segmentos de cosméticos, higiene e cuidados pessoais, até o uso como solventes industriais ou como herbicidas no agronegócio.

Sob a ótica da oferta, a BBF BioTech está em fase de prospecção, após uma etapa inicial de envios de amostras já testadas por um grupo de empresas. Embora não revele nomes, Steagall diz que o plano é se concentrar em criar cases com clientes de menor porte, antes de ganhar escala.

O dado referente a apenas uma parcela indústrias no alvo da divisão mostra o que a BBF pode acessar com esse avanço na cadeia. Em 2021, o segmento de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos movimentou R$ 124,5 bilhões no Brasil. O País, tradicionalmente, figura entre os cinco maiores mercados globais do setor.

Steagall não revela o tamanho do mercado endereçável total da BBF BioTech. Ele prefere recorrer a um acordo fechado em 2021 para ilustrar o potencial da unidade: a compra da Oxiteno, empresa de químicos especiais da Ultrapar, pela tailandesa Indorama Ventures, por US$ 1,3 bilhão.

“A Indorama pagou esse valor pelas unidades industriais da Oxiteno, o que dá uma dimensão desse mercado”, diz. “Para produzir o seu carro-chefe, a Oxiteno é maior importadora de palmiste da América Latina, que é um produto caro, na faixa de US$ 1,3 mil a tonelada. E nós temos essa matéria-prima.”

Milton Steagall, fundador e CEO da Brasil BioFuels

Dentro da lógica de narrativas entrelaçadas da BBF, uma das iniciativas que dará condições para que o grupo tenha esses insumos dentro de casa e sustente a operação da BBF BioTech é o investimento de R$ 2,2 bilhões em uma biorefinaria na Zona Franca de Manaus.

Com previsão de início de operação em 2025 e capacidade anual de mais de 500 milhões de litros, a planta irá produzir diesel verde (HVO) e combustível sustentável de aviação (SAF). E, por meio de um contrato já firmado em novembro de 2021, terá todo seu volume absorvido pela Vibra.

Esse é o segundo projeto do gênero na América do Sul. Na mesma época, a BSBIOS, empresa do ECG Group, anunciou um investimento de US$ 1 bilhão na construção de uma planta de biocombustíveis avançados no Paraguai.

“A produção de HVO e do SAF só usa a parte amarela da palma. A parte branca, interior, não tem interesse para a Vibra”, conta Steagall. “Mas, com essa sobra, eu consigo fazer os mesmos etoxilados que a Oxiteno faz, só que 100% renováveis e verdes.”

Ao ressaltar o ganho que o projeto com a Vibra dará à BBF em área plantada e matéria-prima, ele acrescenta: “O mercado nem se deu conta, mas fizemos o maior contrato de off take (compra mínima garantida) de biocombustíveis com a maior distribuidora da América Latina”, diz. “E, em cima desse volume que está entrando, nós conseguimos escala para atender outras indústrias com a BBF BioTech.”

Em paralelo, há outros projetos em curso que abrem novos caminhos para a BBF, todos centrados na Região Norte e na recuperação de áreas degradadas, em linha com a proposta do grupo. Entre eles, a produção de etanol de milho, em Boa Vista (RR), com início de operação comercial previsto para 2024.

A caminho dos R$ 2 bilhões

Em seus negócios já consolidados, a BBF tem um volume de ativos avaliado em cerca de R$ 2,1 bilhões, com presença nos estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima e Pará. Esse mapa envolve três unidades de esmagamento de palma de óleo, uma extrusora de soja e uma de biodiesel.

Com 6 mil funcionários diretos, as operações incluem ainda 38 usinas termelétricas na região, alimentadas pelo biodiesel fabricado pelo grupo. Desse total, 25 já estão em operação e, as demais, em fase de implementação.

Somadas, essas estruturas irão totalizar uma capacidade de geração de 238 megawatts. Hoje, a capacidade instalada é de 86,8 megawatts, que atendem aproximadamente 140 mil clientes. Com esse portfólio, o grupo projeta um faturamento de, no mínimo, R$ 2 bilhões em 2023.

Hoje, as usinas termelétricas da BBF em operação têm uma capacidade instalada de 86,8 megawatts e atendem aproximadamente 140 mil clientes

Para financiar parte dessa expansão e seus projetos na região amazônica, além das parcerias e de outras fontes de recursos, como empréstimos do BNDES, a BBF concluiu neste mês de fevereiro uma nova emissão de debêntures, coordenada pela Genial Investimentos, na qual captou R$ 133,4 milhões

Com Steagall e outros acionistas individuais – não revelados, ele entende que, no médio prazo, há espaço para a entrada de um sócio investidor na operação ou uma eventual abertura de capital, claro, quando houver uma reabertura das janelas para IPOs.

“Hoje, o mercado não consegue nos precificar. Eu já ouvi muitas vezes, inclusive, que não sei o que vou ser quando crescer”, brinca. “Mas acho que, com o tempo, o amadurecimento de todos esses projetos vai nos dar visibilidade e maior compreensão sobre o nosso modelo.”

FONTE: https://neofeed.com.br/blog/home/na-brasil-biofuels-o-novo-combustivel-e-um-braco-de-biotecnologia/