A modernização do mercado de câmbio e o impacto para as fintechs

Cassia Monteiro Cascione. Foto: Divulgação / Assessoria de Imprensa

O projeto de lei estruturado pelo BACEN foi baseado em três principais pilares: consolidação, modernização e simplificação. A consolidação é proveniente do fato que o projeto, que conta com apenas vinte e sete artigos, consolida cerca de quarenta dispositivos legais editados desde 1920. Embora alguns destes dispositivos não tenham sido integralmente revogados, de modo que certas previsões permanecerão vigentes, diversas alterações foram feitas, motivo pelo qual caberá ao BACEN, em conjunto com o Conselho Monetário Nacional (CMN), editar regulamento específico, solucionando algumas lacunas deixadas pelo projeto.

 No que tange à modernização, as alterações em alguns dispositivos e a revogação completa de outros, demonstram a preocupação do BACEN em atualizar e adequar a legislação cambial brasileira às tendências mundiais, alinhando-a com as práticas cambiais internacionalmente reconhecidas como mais efetivas, e adaptando-as às necessidades do mercado cambial brasileiro, o que certamente facilitará o comércio exterior e atrairá investimentos estrangeiros.

A necessidade da modernização se consubstancia no fato de existirem normativos ainda vigentes que foram editados e vislumbrados em um cenário político e econômico diferente do atual. Em síntese, manter as previsões de alguns destes dispositivos seria fechar os olhos a uma legislação obsoleta, que traz dificuldades à atração de investidores estrangeiros e engessa o mercado cambial de um forma geral.

A simplificação que toma lugar no terceiro pilar do projeto está diretamente atrelada à modernização, visto que as alterações feitas pelo projeto de lei estabelecem procedimentos menos complexos, proporcionando um mercado mais atrativo e, consequentemente, negociações mais fluidas para estrangeiros. Um bom exemplo de simplificação estabelecida no texto do projeto é a diminuição de exigências para investimentos estrangeiros no Brasil e investimentos brasileiros no exterior.

Sendo evidente que o projeto busca garantir um ambiente moderno, menos burocrático e juridicamente seguro para os investidores estrangeiros, é possível partir para uma análise específica das posturas adotadas pelo BACEN na redação do projeto e os reflexos que estas posturas podem ter a longo prazo.

Uma das principais providencias tomadas pelo BACEN para atingir esse objetivo a curto prazo é a aceitação de novos modelos de negócio que promovam o aumento da competição financeira, como as fintechs e a possibilidade destas figuras operarem no mercado de câmbio sem estarem associadas a bancos ou corretoras de valores mobiliários. Essa liberação para atuação das fintechs por conta própria representa um grande avanço para o mercado, e dependerá de regulamentação específica do BACEN.

Este novo cenário viabilizado pelo projeto de lei certamente ensejará em um significativo aumento na competividade existente no mercado cambial. Como consequência dessa competitividade, o resultado direto será – além de uma fomentação no mercado das fintechs – um benefício maior ao consumidor final, que, possivelmente, poderá se beneficiar de taxas cambiais mais atrativas.

As fintechs, por apresentarem estruturas operacionais mais enxutas e que visam ao dinamismo das operações, conseguirão ofertar o “novo” produto sob um custo menor, se comparado ao atualmente ofertado pelas grandes instituições financeiras.

Uma vez ampliado o espectro de atuação das fintechs, cumulada com a possibilidade de participação em seu capital de investidores estrangeiros, conforme introduzido pelo Decreto 9.544/18, tornam-se as fintechs (as sociedades de crédito direto e de sociedades de empréstimo entre pessoas) um negócio ainda mais atrativo e de crescimento exponencial na economia.

Nesta linha de inovações que vem sendo introduzidas ao mercado cambial e financeiro, o Decreto Presidencial nº. 10.029, de 26/09/2019, prevê autorização para que o BACEN reconheça como de interesse do Governo Brasileiro a instalação, no país, de novas agências de instituições financeiras domiciliadas no exterior e o aumento do percentual de participação, no capital de instituições financeiras com sede no país, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior.

Com base em tal previsão legal, passou a ser transferida apenas ao BACEN a competência (antes do BACEN e do Presidente da República, que precisavam autorizar expressamente, salvo alguns casos, a entrada de capital estrangeiro no setor bancário do Brasil) para reconhecer como de interesse do Governo Brasileiro a instalação de instituições e aumento da participação de capital estrangeiro.

A regulamentação desta matéria dependerá, ainda, de normas a serem ainda editadas pelo CMN e BACEN, não havendo previsão concreta de quando a totalidade das normas será finalizada, motivo pelo qual o projeto de lei prevê o período de vacatio legis de um ano. No entanto, temos clara a demonstração da intenção do Governo Brasileiro de incentivar o capital externo neste setor e desburocratizar o processo de autorização, que certamente restará claro em tal regulamentação posterior.

O projeto de lei tramita de forma prioritária na Câmara dos Deputados, e, recentemente, foi criada uma comissão especial para analisar o tema do projeto, o que deve ocorrer nos próximos dias. Resta aguardar eventuais alterações que possam ser feitas durante a passagem do projeto de lei pelo Congresso Nacional.

FONTE: O ESTADÃO