Inovação no agronegócio: o que esperar das agtechs no Brasil

“A pandemia mostrou para a população brasileira que ela pode contar com o produtor agrícola”, diz Francisco Jardim, sócio-fundador e CEO da SP Ventures, uma das gestoras de VC mais tradicionais do país e que tem capitalizado startups do agronegócio. Os números mostram isso. A safra de grãos de 2020/2021 pode chegar a 268,9 milhões de toneladas, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) – o que representa 11,9 milhões de toneladas ou 4,6 % a mais do que a temporada anterior. As exportações do agronegócio cresceram 10% no primeiro semestre, em relação aos seis primeiros meses de 2019, e totalizaram US$ 61 bilhões. Quase 40% do que o setor agropecuário vendeu para o exterior até julho foi para a China.

O agronegócio representa aproximadamente um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do país. É uma fonte de riqueza e, em anos recentes, de inovação que fez surgir startups que somam hoje perto de 2 mil agtechs, segundo cálculos da Secretaria de Inovação e Negócios, com base nos dados preliminares do Radar Agtech 2020, produzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), SP Ventures e pela empresa de pesquisa e consultoria Homo Ludens. Da mesma forma que as safras de grãos cresceram este ano, houve um pulo em relação às 1.125 startups do tipo no Brasil em 2019. E não foi apenas um salto numérico, foi um upgrade.

“Com o cancelamento das feiras agrícolas, que eram um canal importante para a turma conhecer e comprar tecnologia e absorver conhecimento, ocorreu um salto na adoção de tecnologia digital e no nível de alfabetismo digital”, afirma Francisco Jardim, CEO da SP Ventures. Questões que antes eram tratadas com um “depois eu resolvo” passaram a ser prioridade. Ter uma conexão melhor de internet não é mais luxo, é necessidade. “A pandemia foi um dos melhores ventos a favor do setor do agro no Brasil, ela mostrou um pouco o quão superior estamos em relação ao resto do mundo. Enquanto lá fora assistimos ao colapso de cadeias de suprimento do agronegócio, nossa cadeia vem batendo recorde de exportação e se mostrado muito resiliente. O coronavírus foi muito bom para o cenário de adoção de tecnologia no agro”, diz.

Nos Estados Unidos, a economia levou um tombo de 9,5% no segundo trimestre, o maior da história, que veio logo após uma queda de 4,8% entre janeiro e março. A China, primeiro foco do coronavírus, enfrentou uma queda de 9,8% no primeiro trimestre, mas conseguiu se recuperar um pouco e cresceu 3,2% entre abril e junho. Aqui, a produção de carne de frango deverá crescer 4% e atingir 13,7 milhões de toneladas, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). As exportações vão chegar a 5%, alcançando 4,45 milhões de toneladas. Esse crescimento nas exportações está ligado diretamente à alta do dólar, que tornou o produto brasileiro mais interessante lá fora.

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que uma pessoa precisa de 250 quilogramas de alimento por ano para ter segurança alimentar. “Se pegarmos tudo que o Brasil produz por ano e dividirmos por 250 kg, percebemos que o nosso país alimenta cerca de 1,4 bilhão de pessoas todos os anos”, afirma Celso Moretti, presidente da Embrapa. “Se aumentarmos a produção por unidade de área, dobrando o que se produz no Brasil, vamos dobrar também o número de pessoas que alimentamos”.

Mais produção requer mais tecnologia. Do monitoramento da produção, desde a fase do planejamento até a colheita, passando por meios de distribuição, o uso de dados está na raiz da maior parte das melhorias. “As startups estão nascendo dentro de universidade, na Embrapa, dentro das empresas. A inovação surge de um ecossistema com vários agentes e organismos interagindo e produzindo sinergia, impacto e resultado”, diz Moretti.

Brasil X mundo

Apenas no primeiro semestre de 2020, foram investidos US$ 8,8 bilhões em Agrifoodtechs, grupo que também engloba empresas que trazem soluções tecnológicas para a comida, segundo o Agfunder Agrifoodtech Mid-Year Investment Review de 2020. A expectativa é que o valor das transações fechadas entre janeiro e junho chegue a cerca de US$ 10,5 bilhões com a análise de novos dados do período. Em todo o ano de 2019, o aporte de capital dessas empresas foi de US$ 21,6 bilhões.

Os Estados Unidos lideram o ranking de mercado de investimento, com 293 transações atingindo um valor de US$ 4,9 bilhões em investimentos no setor apenas no primeiro semestre de 2020. Em segundo lugar vem a China, com 24 transações e US$ 1,2 bilhão, seguida da Índia, que registrou US$ 619 milhões em investimentos e 76 transações, e o Reino Unido, com US$ 373 milhões e 64 transações.

Um relatório da McKinsey aponta que a rapidez da inovação no agronegócio não acompanhou as outras indústrias, sendo a menos digitalizada de todos os setores industriais do mundo. O documento aponta ainda que o setor industrial de agrifood é menos eficiente do que outras indústrias, mas possui um número crescente de demandas e restrições. As pressões incluem o crescimento da população global, as mudanças climáticas, o aquecimento global, a degradação do meio ambiente, as mudanças das demandas dos consumidores, os recursos naturais limitado, o desperdício de comida, questões de saúde do consumidor e doenças crônicas.

O Brasil não está entre os dez maiores mercados investidores em Agrifoodtech, segundo o relatório de meio de ano da Agfunder, mas o setor é otimista quanto a aplicação de inovações no campo no país e o potencial nacional. Todas as pressões criam muitas oportunidades para os empreendedores do setor. O relatório indica que as startups do setor têm buscado resolver os seguintes desafios: desperdício de comida, emissões de CO2, resíduos químicos e escoamento, secas, falta de trabalho, saúde e consumo de açúcar, cadeias de suprimentos opacas, distribuição ineficiente, segurança alimentar e rastreabilidade, eficiência na fazenda e lucratividade, produção de carne não sustentável.

O grande poder do Brasil é a agricultura tropical, diz o consultor associado na Markestrat Group e mestrando na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP), Vitor Nardini Marques. O país está na fronteira desse modelo de agricultura tendo um grande potencial de ser tornar exportador de tecnologias focadas nesse tipo de cultura.

“Em relação a algumas potências, como Estados Unidos e Israel, o Brasil está atrasado. Mas com a agricultura tropical e desenvolvimento dos nossos ecossistemas inovadores, as startups brasileiras estão ganhando destaque dentro do cenário. Estamos na vanguarda desta tecnologia e nossos índices mostram que somos muito competentes no que fazemos exatamente porque adotamos e utilizamos tecnologia”, explica Marques.

O diretor executivo da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), José Muritiba, ainda não acredita que sejamos líderes em agtechs, mas podemos chegar lá. Um grande mercado com muitas dores é explorado com mais eficiência pelas startups, o que indica que as ideias dos empreendedores do setor tendem a expandir e ter uma escalabilidade muito ampla.

A situação do Brasil tem um pouco a ver como se olha para o copo meio cheio. Para Fábio Silva, gestor de parceria do Agrihub, o Brasil está em patamar de igualdade com outros países em termos de tecnologia, mas não tem a mesma maturidade de ecossistema de investimento que líderes como os Estados Unidos, por exemplo. “A gente consegue desenvolver uma Ferrari, mas ela tem que andar em estrada de chão”, compara Silva para explicar a falta de infraestrutura para apoiar as inovações tecnológicas no agro brasileiro. A internet é um dos requisitos básicos para chegada de invocação no campo, mas não está amplamente presente na zona rural. “Temos um ambiente regulatório caro, complicado e complexo para os empresários e ainda não temos infraestrutura. Atualmente, discutimos 5G, enquanto, no campo, não tem 2G”, diz Silva.

Motivos para investir

A SP Ventures é a maior gestora de venture capital especializada no setor de agronegócios do Brasil. Além da já tradicional empresa, outros investidores estão de olho no setor. Segundo o Radar Agtech Brasil 2019, foram investidos US$ 80 milhões em startups do tipo no Brasil em 2018, com o registro de 20 aportes. O valor é 300% maior do que o que foi investido em 2017 (US$ 20 milhões). O número de aportes também cresceu, com 6 empresas a mais recebendo aplicações de capital em 2018.

Ainda de acordo com o relatório, o Brasil possui uma série de Venture Capital (VC)  altamente ativos que, em 2018, representavam cerca de um terço de todos os fundos que investem em startups de agtech na América Latina. Entretanto, as agtechs representavam apenas cerca de 6% de todas as startups nacionais a receber investimento. O radar aponta ainda que, nos últimos 5 anos, o ecossistema de agtechs brasileiro tem dado sinais consistentes de crescimento pelo desejo dos grandes players do agronegócio em atingir a integração tecnológica e por ser um ambiente de risco altamente ativo dentro do país.

“Como consultoria, percebemos outras empresas conversando com a gente para entender um pouco mais do setor. São empresas de setores adjacentes, mas que estão olhando para o agro”, relata o consultor Vitor Marques.

Outro fator que sela o casamento entre o setor do agronegócio e os investimentos é o custo das hardtechs do campo que exigem um investimento muito alto. “Essa duas equações são o que mais fazem o volume de investimentos transbordar nessa realidade. Tanto a necessidade de capital para operar quanto o tamanho do mercado e de oportunidade que existe. Só vejo como tendência esse volume de investimento crescer cada vez mais”, analisa José Muritiba, diretor executivo da ABStartups.

O ingresso das novas gerações no controle das fazendas também aponta uma crescente na adoção de novas tecnologias, inclusive as digitais. “Os filhos dos donos de propriedades estudaram e estão voltando para o campo com uma mente muito mais aberta para a adoção de tecnologia na propriedade”, pontua Vitor Marques.

FONTE: https://theshift.info/hot/inovacao-no-agronegocio-o-que-esperar-das-agtechs-no-brasil/