Fotossíntese artificial: Cientistas imitam a natureza contra vilão ambiental

Entre paredes brancas e rodeadas de equipamentos, Laís Bresciani e Simone Stülp reproduzem o processo que, lá fora, mantém o verde vivo. A aluna e a professora do Programa de Pós-graduação em Ambiente e Desenvolvimento da Univates trabalham com a fotossíntese artificial. A docente coordena um grupo de acadêmicos que atua com tecnologia para captura do dióxido de carbono e geração de compostos como combustíveis. Pós-doutora em Fotoeletrocatálise e Energia, Simone explica que ela é semelhante à da planta, com a diferença de que a estrutura é mimetizada em laboratório. “Utilizamos um material capaz de reagir com a ação da luz, que pode ser solar ou artificial, absorver CO 2 e gerar algo a partir deste gás, que é um problema ambiental.” A folha, no caso, libera oxigênio.
Reduzir, mas também capturar
Incêndios como os da Austrália e da Amazônia levam a uma grande liberação de dióxido de carbono, em função da queima. Além disso, a ação humana tem impacto na emissão de gases do efeito estufa, do qual o CO2 é um dos principais vilões. A professora Simone ressalta os efeitos ambientais da movimentação humana na Terra, incluídos aí os transportes e os processos produtivos para os bens de consumo. “Não há consenso, mas se fala em 350 ppm a concentração aceitável de gás carbônico na atmosfera. Desde 2006, estamos acima desse patamar. Em 2018 e 2019, isso se agravou. Houve um pico em maio do ano passado, chegando a 415 miligramas por litro de dióxido de carbono.”

O alerta da pesquisadora reforça uma realidade que bate à porta: não basta a redução da emissão deste gás. “Temos que ir além, no sentido de discutir possibilidades e perspectivas de chegar ao que chamamos de CO 2 negativo. Ter um maior consumo que liberação. Não é suficiente frear, é preciso desenvolver alternativas e tecnologias para consumir este excesso de dióxido de carbono no ambiente.” A fotossíntese artificial é um destes caminhos.
Sabia?
A atmosfera é constituída de gases que permitem a passagem da radiação solar e absorvem grande parte do calor (a radiação infravermelha térmica), emitido pela superfície aquecida da Terra. Graças a esta propriedade, conhecida como efeito estufa, a temperatura média da superfície do planeta mantém-se em cerca de 15°C. Sem ela, seria de 18°C abaixo de zero. Ou seja, é responsável por um aumento de 33°C. E cria condições para a existência de vida.
Fotossíntese em laboratório
O planeta tem a receita e muitas tecnologias ambientais se inspiram na natureza. A pós-doutora em Fotoeletrocatálise e Energia, Simone Stülp, cita alguns dos processos da fotossíntese natural, que absorve o dióxido de carbono. Por meio de reações, o CO 2 é transformado em açúcares, em compostos orgânicos, que têm um efeito nutricional e energético na planta. “Ocorre em função de várias semi-reações, como incidência de luz e existência de água. Propicia que reações e correntes de elétrons ocorram no interior da planta, com produção de açúcar e liberação de oxigênio”, explica.

Longe da natureza, isso não é tão simples quanto parece. “A fotossíntese artificial se faz por meio de processos químicos um pouco complexos. Podem ser reações de catálise que se utilizam de potencial elétrico ou corrente elétrica, que seria a eletrocatálise. Ou posso utilizar a fotocatálise, que é a incidência de luz simulando a solar, a exemplo das plantas.”

Na pesquisa realizada na Universidade do Vale do Taquari, a nanoestruturação de uma placa metálica de titânio mimetiza as condições para a fotossíntese natural.  A “folha da árvore” mimetizada  é como se fosse um conjunto de canudinhos unidos. “São tubos com, no máximo, cem nanômetros de diâmetro – 100 x10 9 metros de diâmetro. Estes, em especial, são da ordem de 20 nanômetros. Fazemos uma modificação em laboratório e construímos estes nanotubos. A partir da síntese deles, esta seria a nossa folha”, detalha Simone,  acrescentando que o material é analisado em laboratório com aumentos da ordem de 50 mil vezes. Esta matriz é capaz de absorver o dióxido de carbono, reagir quimicamente com a ação da luz e transformar o CO 2 em compostos combustíveis, por exemplo. Durante o mestrado, concluído ano passado, a aluna Laís Bresciani obteve metanol e acetona – precursora de uma série de outras reações para obtenção, por exemplo, de itens a partir de plástico.
Depois de trabalhar com nanotubos de dióxido de titânio,  a acadêmica vai usar outros materiais, como o vanadato de bismuto, agora no doutorado, que ela começou este ano na Univates. Orientada pela professora Simone, o trabalho consiste no desenvolvimento do material mais eficiente para a aplicação na técnica da fotossíntese artificial. A pós-doutora resume: “O mundo precisa encontrar alternativas aos combustíveis fósseis. Este é o ponto.”
Alternativas
A técnica de fotoeletrocatálise captura dióxido de carbono e o converte em diferentes compostos, que podem ser combustíveis, como etanol e metanol, ou precursores para outros produtos, como polímeros. A pesquisa almeja transformar o CO 2 , que é um gás poluente – produto do efeito estufa e de várias atividades antrópicas -, em compostos úteis, tanto para a questão energética, por exemplo, ou a síntese de plásticos. “Por isso essa ideia de se pensar uma alternativa à utilização dos combustíveis fósseis. Basicamente, os dois principais usos do petróleo hoje são a obtenção de diferentes combustíveis, sejam eles gasosos ou líquidos, ou como composto para geração de polímeros, plásticos – com uma infinidade de aplicações”, ressalta a professora da Univates.

Simone ressalta que, se além do CO 2, houver a inclusão de outros gases, como no caso de excesso de nitrogênio, é possível gerar fertilizantes. Para a pesquisadora, o hidrogênio também é outro combustível extremamente interessante. “Em suma, o importante é pensar, dentro desta lógica de simulação natural, a utilização do compostos como o dióxido de carbono para fins de produção energética.”
Biogás
Simone reforça que a pesquisa feita na Univates apura materiais que sejam o mais eficiente possível na captura do CO 2 e conversão em produtos combustíveis. Neste período em laboratório, com criação de protótipos, é usado o dióxido de carbono sintético, a partir de cilindros. Quando a técnica estiver em pleno desenvolvimento, o objetivo é a captura do gás carbônico atmosférico. A professora salienta a ligação do estudo com os realizados pelo professor Odorico Konrad, que trabalha com a geração de biogás a partir da biomassa. “Nesta estratégia, a ideia é o enriquecimento de metano no biogás. Então, converter o CO 2 em metano. Verificamos ainda que é possível transformar o metano contido no biogás em hidrogênio. E esse biogás em biometano (CH 4) e em biohidrogênio.”
Soluções
Vários pesquisadores no mundo têm trabalhado com a fotoeletrocatálise em busca de uma resposta a esse vilão do efeito estufa. Simone explica que, dentro da lógica da área ambiental, se quer transformar um problema em possibilidade de solução. Ela destaca que, hoje, o aumento de emissões de CO 2 na atmosfera é extremamente preocupante. “Mas, no momento em que você captura esse dióxido de carbono e o transforma em uma oportunidade de geração de outros compostos, para utilização da sociedade, ele passa a ser não mais um problema, e sim uma oportunidade de geração de energia, de utensílios, de equipamentos para manutenção da vida.” Na prática, o foco é melhorar a qualidade de vida do ambiente e das pessoas que o habitam.
Nacional
A professora Simone Stülp conta que os acadêmicos da pós-graduação da Univates já trabalhavam com a técnica de fotoeletrocatálise, mas direcionada ao tratamento de efluentes. A aplicação na geração de energia começou em 2016, durante seu pós-doutorado na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), em Araraquara. “Depois disso, nosso grupo de pesquisa acabou integrando um projeto nacional, coordenado pela professora Maria Valnice Boldrin Zanoni, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, e voltado para técnicas que buscam minimizar poluentes.” Hoje são cem diferentes que funcionam no Brasil, com financiamento pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A Universidade do Vale do Taquari tem uma série de pesquisas de ponta, desenvolvidas em parceria com outros grandes centros científicos, tanto nacionais quanto internacionais. Simone sublinha a importância disso: “O que fazemos aqui é um diferencial. Para se ter uma ideia, participei de um workshop realizado este mês do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, que é composto por várias universidades brasileiras. Éramos a única instituição não pública do país participando no processo. Isso mostra a qualidade da Univates inserida no desenvolvimento científico no Brasil”.
Pesquisa do bem
Laís Bresciani mergulhou fundo na investigação científica. A doutoranda em Ciências Ambientais (Meio Ambiente e Desenvolvimento) da Univates busca soluções energéticas viáveis, de baixo impacto ambiental, tecnológicas e ecologicamente compatíveis. São alternativas ao uso de combustíveis fósseis, altamente poluidores. “A pesquisa tem como objetivo o desenvolvimento e a caracterização de materiais semicondutores para a geração de energia com aplicação na conversão fotoeletrocatalítica de biometano e biogás em biohidrogênio e outros produtos combustíveis.”
Dióxido de titânio
A doutoranda da Univates detalha que sua pesquisa usa materiais semicondutores que, quando ativados pela ação de luz e/ou aplicação de potencial nos processos fotoeletrocatalíticos, participam de reações de redução e de oxidação. Como as de redução de CO 2 em produtos combustíveis. Entre eles, o dióxido de titânio. “É o semicondutor mais utilizado nesses processos, pois apresenta propriedades desejáveis, como estabilidade química e insolubilidade em água. Não é tóxico, e tem baixo custo.  E, o mais importante, apresenta níveis adequados de energia de band gap para as reações de redução e oxidação”, explica. Além do  (TiO 2), modificações na sua superfície com óxido de cobre foram realizadas com o objetivo de aumentar a atividade fotocatalítica.
Mestrado
Laís explica que, a partir da síntese e caracterização dos materiais semicondutores, obteve a conversão fotoeletrocatalítica de metano em hidrogênio sobre o semicondutor nanoestruturado de titânio/dióxido de titânio (Ti/TiO 2). “E a redução fotoeletrocatalítica de CO 2 e biogás em produtos combustíveis, como acetona, metanol, etanol, metano e hidrogênio, sobre os semicondutores nanoestruturados de Ti/TiO 2 modificados com óxido de cobre.” Na prática, faz o gás carbônico e o biogás gerarem opções energéticas sustentáveis.
FONTE: INFOR +