Fonte de oportunidades para legaltechs, Judiciário se empenha para acompanhar evolução tecnológica

Lucio Melre, diretor de TI do CNJ, destaca que 75% tribunais do país tem nível satisfatório fomento à tecnologia

Enfrentar a complexidade do sistema público e os desafios para a disponibilização de dados faz parte de estratégia liderada pelo CNJ

Ao mesmo tempo que oferece vastas oportunidades para o desenvolvimento de legaltechs, o mercado jurídico brasileiro representa um desafio para desenvolvedores de sistemas de informação. Com cerca de 100 milhões de processos em tramitação e uma rede de unidades judiciais e regulatórias tentacular, implementar soluções que ajudem na eficiência da poder público e que permitam o desenvolvimento de ferramentas de análise esbarra em impasses de infraestrutura e cultura. Apesar das limitações e preocupações relativas à segurança, o empenho de órgãos do judiciário para acompanhar a evolução digital dá sinais de aceleração.

Marcelo Nunes, presidente da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), espera que a movimentação de startups e os esforços do judiciário brasileiro para incorporar soluções tecnológicas resultem em inovações significativas. “A gente tem conversado de igual para igual com [desenvolvedores de] outros países. O nosso mercado jurídico é muito sofisticado, a gente tem um volume de dados brutal e a gente é bom em coisa eletrônica”, avalia.

Nunes participou dos debates do I Congresso Internacional de Tecnologia e Direito, que reuniu pesquisadores e empreendedores de legaltechs de nove países, e acredita que o cenário brasileiro está entre os mais interessantes do mundo. Apesar de destacar a sofisticação das tecnologias aplicadas no mercado financeiro brasileiro e regras menos rígidas do que a de alguns países europeus como vantagens, o presidente da ABJ considera a qualidade dos dados públicos disponíveis ruim.

Embora parte do judiciário tenha adotado o processo eletrônico e disponibilize sua base de dados para buscas, a falta de padronização, documentos escritos à mão e sistemas pouco automatizados ainda são um desafio. “Você está sujeito a erro humano e todos os outros desincentivos naturais, mas a vantagem é ter os dados brutos”, pondera.

Lucio Melre, diretor de tecnologia da informação (TI) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), relata que a instituição tem notado uma evolução gradual  no desenvolvimento de infraestrutura e na adoção de ferramentas digitais no sistema Judiciário brasileiro. Além de manter um comitê dedicado ao assunto, o CNJ estabeleceu uma estratégia para o desenvolvimento de TI entre os anos de 2015-2020 e mede anualmente o desempenho de tribunais e varas ao redor do país. No Levantamento de Governança, Gestão e Infraestrutura de TIC do Poder Judiciário (iGovTIC-JUD ) de 2017, o conselho avaliou que 75% dos 92 tribunais do país possuem um nível satisfatório de políticas de emprego de tecnologias e que 25% estão em nível aprimorado.

Apesar dos esforços para usar as ferramentas digitais em favor da eficiência e do combate à corrupção, Melre reconhece que a infraestrutura dos tribunais e o quadro de funcionários precisam de atenção. “Nós identificamos que quase todos os tribunais do país tem pessoal de TI inferior ao estabelecido pela própria resolução 211 do CNJ, que trata da estratégia de TI e comunicação no Judiciário”.

 

Acesso à Justiça do futuro

Por enquanto, as soluções buscadas pelo CNJ e pelas equipes de TI dos diferentes órgãos judiciais se concentram em dar celeridade à tramitação dos processos e fornecer informações de apoio para os magistrados. Rodrigo Carvalho, secretário de TI do Superior Tribunal de Justiça, no entanto, conta que o Judiciário discute de modo geral o desenvolvimento de ferramentas que permitam avaliar o comportamento de determinado juiz ou a jurisprudência sobre um tema específico. “A gente só vai ter certeza de alguma coisa, quando esses dados forem consolidados. Um objetivo do CNJ é termos tabelas unificadas e a padronização do andamento processual e dos assuntos”, relata. “Essas tabelas vão ser a base dessa consolidação”.

Carvalho observa que  há uma grande necessidade de dados abertos e que a postura do Judiciário brasileiro deve mudar. “A gente tem que começar a criar serviços que forneçam as informações de uma forma que a nossa estrutura não fique sobrecarregada”, opina. “Dados abertos e algoritmos abertos também. Por que só a Justiça tem que programar a Justiça?”

O regimento do Judiciário, porém, dificulta a criação de parcerias com startups. O secretário do STJ acredita que o trabalho desenvolvido nas universidades pode ser uma alternativa para fomentar a implantação de novos sistemas.

Eduardo Silva Toledo, diretor-geral do Supremo Tribunal Federal, avalia que o momento para o Judiciário demanda uma reflexão sobre ir além da digitalização de documentos. “Eu acho que a dificuldade não está em digitalizar, mas em encarar o processo eletrônico”, provoca. “Nós vamos deixar que o computador ajude efetivamente na tomada de decisões? Ou se vamos ficar só nisso, na tramitação pela rede e na intimação por e-mail?”

Toledo observa que é escolher por onde começar a implementar ferramentas de alta complexidade e acredita que o Judiciário não é ambiente mais adequado para liderar o desenvolvimento de sistemas de tomada de decisão. Ele aposta no uso de conceitos de inteligência artificial em procedimentos repetitivos.

Embora os processos do STF não sejam completamente digitalizados, o diretor-geral ressalta que a instituição não aplica mecanismos de CAPTCHA para limitar o acesso as informações que estão disponíveis online. A instituição tem identificado robôs com origens no Brasil e no exterior que fazem buscas em seus bancos de dados. “Isso é uma questão de modelo mental. Se você tiver um modelo mental de que esse tipo de ferramenta mais ajuda do que atrapalha, você vai trabalhar para que o sistema suporte o acesso e toda essa pesquisa”, comenta.

FONTE: LEXIS 360