Fertilizantes: inovação para reduzir a dependência externa

Apoiadas na inovação, as startups nacionais têm potencial para brilhar e reduzir a dependência de NPK

A guerra entre Rússia e Ucrânia evidenciou como o Brasil é dependente da importação de fertilizantes, itens essenciais para a agricultura nacional. A crise no mercado desses produtos foi acentuada pelo conflito, mas a elevação dos preços dos fertilizantes antes mesmo do confronto já tinha emitido um alerta de que o país precisava reduzir as importações e apoiar soluções nacionais. A inovação é um dos caminhos para mudar o cenário de dependência internacional e as Agtechs brasileiras estão a postos para atender ao chamado.

Fósforo (P), Potássio (K) e Nitrogênio (N) compõem a fórmula NPK, responsável por fornecer nutrientes essenciais para o desenvolvimento adequado das plantas. O problema é que o conflito barrou o acesso ao mercado russo, país que foi o segundo maior produtor de fertilizantes nitrogenados e potássicos, em 2020, segundo o GlobalFert. Além disso, Belarus foi a terceira maior produtora de fertilizantes de Potássio do mundo naquele ano e também enfrenta ainda mais dificuldades para a exportação do seu produto com o conflito entre os países vizinhos.

O resultado é um aumento nos preços dos itensSegundo a Folha de São Paulo, de 10 fevereiro a 10 de março, o preço de importação do fertilizante fosfatado MAP subiu 35%. No mesmo período, a ureia subiu cerca de 50%. Somado a isso, a dependência da importação levanta questionamentos sobre possíveis impactos da crise dos fertilizantes na próxima safra.

“Sem o insumo, o agricultor brasileiro não consegue produzir porque os solos do país são naturalmente pobres em nutrientes. Ainda tem o fato do país estar em ambiente tropical. O Brasil construiu sua agricultura baseada no uso de fertilizantes e corretivos. Dois tipos de insumos para solos não podem faltar: calcário e NPK mineral”, explica José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa Solos .

Lançado em março, o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) traçou diretrizes para cortar a dependência de importações de 85% para 45%, em 2050, mesmo que dobre a demanda pelas substâncias. O documento estabelece 5 objetivos estratégicos para o país:

  • Modernizar, reativar e ampliar as plantas e projetos de fertilizantes existentes no Brasil
  • Melhorar o ambiente de negócios no Brasil para atração de investimentos para a cadeia de Fertilizantes e Nutrição de Plantas
  • Promover vantagens competitivas na cadeia de produção nacional de fertilizantes para melhorar o suprimento do mercado brasileiro
  • Ampliar os investimentos em PD&I e no desenvolvimento da cadeia de fertilizantes e nutrição de plantas do Brasil

Adequar a infraestrutura para integração de polos logísticos e viabilização de empreendimentos
O plano não quer só reduzir a dependência externa, mas também encontrar maneiras de apoiar o desenvolvimento de um mercado nacional de fertilizantes. A inovação e a tecnologia são pontos essenciais para alcançar esse objetivo.

Durante o lançamento do documento, o secretário Especial de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha, afirmou que uma das metas a serem atingidas é estimular o uso de técnicas inovadoras. “Temos prioridade de ampliar o foco dos fertilizantes tradicionais para as cadeias emergentes. Em vez de continuarmos insistindo somente na utilização dos fertilizantes chamados NPK, incentivaremos, por meio do plano, os bioinsumos e outras tecnologias de nutrição de planta”, explica.

Apoiadas na inovação, as startups nacionais têm potencial para brilhar e reduzir a dependência de NPK. Atualmente, são conhecidas algumas alternativas aos fertilizantes tradicionais, como os produtos biológicos e os baseados em nanotecnologia. Na estimativa de Polidoro, as soluções tecnológicas para os insumos têm o potencial de atender ¼ do mercado brasileiro de adubo até 2030.

Para que a expectativa se torne realidade, é preciso haver apoio ao desenvolvimento de soluções tecnológicas e inovadoras. O estudo identificou 5 cadeias de emergentes: Organominerais e fertilizantes orgânicos; subprodutos com potencial de uso agrícola; Bioinsumos, biomoléculas e bioprocessos; nanotecnologia e automatização de sistemas de recomendação e aplicação de fertilizantes; e remineralizadores.

“A Embrapa acredita muito nas cadeias emergentes. Nós acreditamos que as startups podem impulsionar essas cadeias, especialmente as relacionadas à nanotecnologia, biomoléculas e tecnologia digital. Acredito que esse nicho é o que mais vai atrair startups”, pondera Polidoro.

A startup brasileira Krilltech comprova o potencial nacional para a produção de insumos alternativos tecnológicos. A Agtech comercializa produtos baseados na Arbolina, uma nanopartícula desenvolvida em parceria com a Embrapa e a UNB, que aumenta a eficiência de absorção de nutrientes, reduzindo a quantidade de NPK necessária na adubação. Em alguns casos, o produto conseguiu reduzir em até mais de 30% o uso de fosfato.

“A gente está trabalhando em aumento da eficiência. Não só permitimos que o agricultor melhore a produtividade e tenha um melhor resultado no final da colheita, mas faça mais com menos. A Arbolina também tem um resultado de combate ao estresse, especialmente o hídrico”, explica o CEO da Krilltech, Diego Stone.

Além da área de eficiência, foco da Krilltech, o CEO da startup acredita que as agtechs também têm o potencial de apoiar o mercado nacional com o desenvolvimento de fontes alternativas para o NPK, como no nicho dos remineralizadores.

“A posição da Embrapa de apoio às startups precisa ser cada vez mais forte para que as tecnologias desenvolvidas lá dentro sejam levadas ao mercado. Não é porque ela é uma empresa pública focada em desenvolvimento tecnológico que precisa ficar criando alguma coisa para a indústria. É possível terceirizar ou licenciar essas tecnologias para a exploração no mercado”, argumenta Stone, que relembra que as patentes da Krilltech são registradas em co-autoria com Embrapa e UNB.

Outras startups realizam trabalhos na área de adubação e fertilização. De acordo com o Radar Agtech 2020/2021, 46 das 1.574 agtechs nacionais atuam no segmento de fertilizantes, inoculantes e nutrição vegetal. Confira as soluções de algumas delas:

  • Agrivalle: a startup se classifica como uma plataforma de bioinsumos agrícolas com soluções transformadoras e sustentáveis. A companhia possui cerca de 40 produtos, que vão desde os biológicos até os organominerais.
  • Biodiversita: a startup é especializada no desenvolvimento de biofertilizantes e inoculantes para o setor agrícola utilizando como matéria-prima micro-organismos da diversidade nacional adaptados às condições climáticas adversas.
  • LeveAgro: um marketplace que promete vender fertilizantes com melhor custo-benefício para produtores rurais e compradores dos produtos, desde o pequeno produtor até revendas e agroindústrias.
  • C&L BIOTECH: incubada na ESALQTec, a C&L BIOTECH criou um inoculante contendo bactérias fixadoras de nitrogênio, capaz de reduzir em mais de 50% o uso de fertilizantes nitrogenados solúveis na cultura de cana-de-açúcar, gerando economia e sustentabilidade para a cadeia canavieira.

No caso da Krilltech, o produto foi registrado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) como um fertilizante organomineral. A classificação só veio após conversas com a pasta porque a solução da agtech trazia algo que ainda não existia no mercado e não se encaixava exatamente em uma categoria. A Arbolina também é um bioinsumo baseado na nanotecnologia.

A startup recebeu um aumento na demanda dos seus produtos desde o aumento de preços no ano passado, o que se intensificou com a crise. Por isso, a empresa estuda a expansão da sua capacidade produtiva. Outro fator que pesa a favor da Krilltech é a sustentabilidade. A Arbolina mimetiza uma partícula de carbono existente na natureza e é orgânica, por isso, consegue ser biodegradável, durando apenas 15 a 20 dias na planta. Esse fator acaba com problemas trazidos por outros insumos, como a lixiviação e a bioacumulação.

“A estimativa é que com a lixiviação, cerca de 60% do que é aplicado ao solo é inútil porque boa parte vai para lençol freático e rio. Isso gera todo aquele problema com algas e mortandade de peixes. A eficiência é baixíssima, isso é frustrante. Aumentar a eficiência usando essa nossa tecnologia é, não só benéfico para o bolso do produtor, mas também para a natureza”, explica Stone, que ressalta que os produtos da Krilltech são utilizados por produtores orgânicos e agroecológicos.

Na Verde Agritech, a resposta para a crise vem por um caminho mais tradicional: a extração de potássio do solo. A companhia possui uma mina na região do Triângulo Mineiro e está no processo de construção da sua segunda planta de produção de potássio. A expansão vai aumentar a capacidade produtiva de 400 mil toneladas de fertilizantes, em 2021, para 2,4 milhões de toneladas até o final do ano. Reduzir a dependência nacional dos adubos importados é a grande meta da companhia.

Para a empresa, seu grande diferencial é a capacidade de produzir o chamado potássio brasileiro, um produto nacional e livre de cloro. “O cloro é um biocida, a gente traz uma grande diferença porque o nosso produto ajuda, não só a preservar, mas também aumentar a vida presente no solo. Além disso, nosso produto não lixívia, não provoca salinidade no solo e tem um recurso que ajuda a reter água no solo. Nosso potássio tem uma capacidade de retenção de 107%, o que protege a planta do estresse hídrico”, explica o Diretor Comercial da Verde Agritech, Antonio Santos.

Problema de longo prazo

Por anos, o mercado nacional de fertilizantes sofreu com a falta de incentivo para a produção interna. O próprio governo reconhece a questão no PNF ao ressalta que a “falta de uma
política para o setor desde a década de 1980 tornou o país extremamente dependente
por importação de produtos e tecnologias”. Como resultado, a indústria brasileira decresceu 30% nos últimos 20 anos, enquanto que as importações aumentaram 66% no mesmo período.

Além da falta de uma política específica para o setor, Polidoro explica que a estagnação da produção industrial também foi motivada pela isenção de impostos sobre os produtos importados, o desestímulo à pesquisa mineral pública de agrominerais e a falta de estratégia e investimento em para a inovação na cadeia de fertilizantes.

O CEO da Krilltech pontua que a competição com grandes produtores internacionais e problemas logísticos também contribuíram para a decadência da indústria nacional. “Há uma competitividade com empresas de países com alto apoio à inovação, como Alemanha e Estados Unidos. Essas empresas acabaram substituindo ou eliminando o que se tinha de indústria nacional e tecnológica no Brasil. Agora, começam a aparecer coisas de fringe science por conta da área de biológicos, um segmento que essas grandes organizações ainda não estavam ainda muito dentro. Tudo surgiu muito de empresas pequenas que começaram a desenvolver esse know-how”, afirma Stone.

Em caso de problemas com o acesso aos fertilizantes, as culturas mais afetadas são a soja, o milho, a cana-de-açúcar, o café e o algodão. Juntas, essas plantações consomem 90% do fertilizante e do calcário usado no país e são importantes commodities agrícolas. A questão também é mundial já que a crise dificulta a compra de fertilizantes, o que eleva ainda mais o preço das commodities e pode aumentar a fome em diversos países.

Ao New York Times, o diretor executivo do Programa Alimentar Mundial da ONU, David M. Beasley, afirmou que os atuais níveis de insegurança alimentar não estavam tão altos desde a Segunda Guerra Mundial.

O atual momento de preocupação é resultado da somatória da crise causada pela guerra com antigos problemas de preço no setor. A dependência externa continuada vem criando um cenário de risco e insegurança, inclusive nacional, há alguns anos. Como resume Polidoro: “o conflito que ocorre hoje só intensificou com o problema que o Brasil já vem construindo para si mesmo há mais de 20 anos, que é um aumento expressivo da quantidade de fertilizantes importada”.

Para resolver a crise mais emergente, o impedimento de comprar produtos russos e bielorrussos, o país tem buscado negociar o aumento da aquisição de fertilizantes de outros produtores, como o Canadá. Polidoro entende que há NPK disponível no mundo, o problema é a logística para trazer mais fertilizantes de outros parceiros para o país e o fato das nações estarem estocando a substância em meio às incertezas da guerra.

A Associação Nacional para Difusão de Adubos calcula que os estoques de potássio nacionais devem durar apenas até junho, entretanto, o governo brasileiro garante que estes são suficientes para a safra deste ano. Do ponto de vista interno, a Caravana Embrapa FertBrasil prevê visitas técnicas aos principais polos agrícolas. A ação realizada pela Embrapa vai abordar questões práticas sobre como aumentar a eficiência dos fertilizantes com o objetivo de promover uma economia de até 20% no uso dos fertilizantes no Brasil já na safra 2022/23.

Com o fim da guerra, os contratos com a Rússia podem ser retomados, o que também reduziria o risco de faltar fertilizantes no país. “Se a guerra não durar muito mais tempo, o comércio Internacional de fertilizantes vai normalizar porque esse é um comércio intenso que ocorre sazonalmente. No segundo semestre, o mundo vai voltar a comprar adubo. Se todos os mercados estiverem funcionando, não tem problema algum”, assegura o pesquisador da Embrapa.

No longo prazo, o maior desafio é estabilizar o preço dos fertilizantes e dos alimentos, que vem em uma crescente desde 2021. Mais uma vez, a concentração do mercado em alguns players e a dependência externa brasileira são a chave para o problema porque o Brasil não consegue alterar esse mercado sem ser um grande produtor. Além disso, a demanda por produtos agrícolas durante a pandemia puxou o preço do NPK.

“Os custos finais ao produto para o produtor rural podem ser bastante melhorados. Medidas como: desoneração tributária, melhoria da infraestrutura e logística dedicada à produção e escoamento dos fertilizantes, melhoria da estrutura e gestão portuária para esse setor, melhoria do ambiente de negócios para aumentar a produção nacional podem diminuir os custos para o produtor em médio prazo”.

A guerra pode fazer parecer que a crise dos fertilizantes é algo momentâneo e urgente, mas é preciso tratar do problema da dependência externa no longo prazo já que a atual safra ainda não é fortemente impactada pelos resultados do conflito. A solução é a produção nacional de fertilizantes, com tecnologia e matéria prima brasileiras.

FONTE: https://theshift.info/hot/fertilizantes-inovacao-para-reduzir-a-dependencia-externa/