Febre das aquisições: por que gigantes estão mais interessadas do que nunca em comprar startups brasileiras

Fusões e aquisições envolvendo negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos brasileiros bateram recorde em 2021. Entenda o porquê

SÃO PAULO – As gigantes estão mais interessadas do que nunca nas startups brasileiras – e desembolsando quantias salgadas para ter esses negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos ao seu lado. A prova mais marcante dessa tendência está no aumento das fusões e aquisições (M&As, na sigla em inglês) envolvendo startups no país.

Em 2011, houve apenas seis transações do tipo. Já entre janeiro a novembro de 2021, foram 227 M&As com startups. O crescimento foi de quase 38 vezes em uma década. O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com especialistas, empresas compradoras e startups vendidas para entender o crescimento dessas fusões e aquisições; como fazer um bom M&A; e qual o futuro para as negociações envolvendo negócios escaláveis, tecnológicos e inovadores.

M&As: dos tradicionais aos tecnológicos

Em uma fusão, duas empresas se unem para formar uma nova companhia. Já em uma aquisição, não existe uma nova companhia. A empresa compradora absorve seu alvo de aquisição e decide ficar ou apenas com a sua marca ou com as duas marcas separadas. Alguns processos conhecidos de fusão foram a união entre as petrolíferas Exxon e Mobil; a união entre as marcas de luxo Louis Vuitton e Chandon; e a união entre LAN e TAM para formar a LATAM. Já algumas aquisições conhecidas foram a da Netshoes pelo Magazine Luiza e a do Buscapé pelo Zoom.

Movimentos de fusão e aquisição entre empresas não são recentes. Nos Estados Unidos, começaram por volta dos anos 1900, com indústrias automotivas e empresas de óleo e gás. Nas últimas décadas, essas fusões e aquisições cada vez mais envolveram as startups. Inclusive em terras brasileiras: o movimento começou há cerca de dez anos por aqui, e cresceu de maneira relevante especialmente a partir de 2018.

Para os especialistas ouvidos pelo Do Zero Ao Topo, existem diversos motivos para o aumento de M&As envolvendo negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos os últimos quatro anos.

O primeiro deles é o amadurecimento da tecnologia e das startups no Brasil. “O setor de tecnologia se tornou o mais ativo entre fusões e aquisições há cerca de quatro anos. Isso porque temos visto um uso cada vez mais disseminado da internet, por meio de smartphones e das redes sociais. Empreendedores e investidores perceberam o mercado para produtos tecnológicos, refletidos em capitalizações privadas e públicas no segmento”, afirma Carlos Lobo, sócio do escritório de advocacia norte-americano Hughes Hubbard & Reed.

O Brasil ganhou seu primeiro unicórnio em janeiro de 2018, com a venda do aplicativo 99 para a gigante chinesa Didi Chuxing. “As grandes empresas não fazem uma aquisição ou fusão com qualquer startup. O negócio precisa estar em estágio maduro, com produto completamente validado e bons princípios de gestão e operação, para que as grandes empresas vejam os resultados esperados em curto prazo. O Brasil apresentou nos últimos anos startups nessa fase de escala, ou scaleups”, diz Cassio Spina, diretor na consultoria de inovação empresarial ACE Cortex.

Também houve um período de queda e manutenção em patamares baixos da taxa básica de juros entre o meio de 2019 e o meio de 2021. A Selic historicamente baixa estimulou o investimento em renda variável. Rodadas de venture capital e private equity foram responsáveis por levar mais startups privadas a um estágio de amadurecimento – e de possível alvo de aquisição.

“O mercado de fusões e aquisições mudou com a chegada de fundos como o do SoftBank. Um caminho de capital disponível para as startups chegarem até um IPO fez com que as grandes empresas resolvessem comprar para evitar concorrência futura”, analisa Guilherme Stuart, sócio da boutique de fusões e aquisições RGS Partners.

As companhias estavam com dinheiro para isso, também favorecidas pelo interesse na renda variável. As grandes empresas viram um bom momento para fazer ofertas subsequentes de ações (follow-ons), e parte dos recursos captados foi para manter taxas de crescimento por meio de fusões e aquisições.

Os M&As permitem alcançar diversos objetivos de maneira rápida. Por exemplo, acelerar o crescimento e aumentar a participação de mercado no setor de atuação principal; expandir áreas de atuação; dominar mais etapas da cadeia de produção; reduzir custos e aumentar a eficiência por economia de escala; adquirir novos conhecimentos e talentos. Para os especialistas, as startups trazem benefícios especialmente na parte de expandir áreas de atuação e de adquirir novos conhecimentos e talentos.

A diversificação de segmentos se viu nos últimos dois anos, marcados pela pandemia do novo coronavírus. Para Lobo, o isolamento social acelerou aquela digitalização do consumidor brasileiro que havia começado há cerca de cinco anos. O momento fez algumas grandes empresas comprarem startups para acelerar a própria transformação digital.

“Antes, apenas os mais jovens consumiam pela internet. Mas os adultos de meia-idade se viram obrigados a comprar online diante do fechamento dos negócios físicos. A tecnologia para os mais diversos setores é uma tendência irreversível: uma universidade percebeu que pode acessar um público maior tendo um curso a distância, por exemplo”, diz o sócio da Hughes Hubbard & Reed. “Ninguém quer perder essas oportunidades. As grandes empresas têm cada vez mais receio de que outro negócio compre uma certa startup. Ou até que essa mesma startup cresça e pegue o público da grande empresa”, completa Marcela Huertas, auditora e especialista em M&As.

A Pegaki foi um exemplo dessa tendência. Criada em 2016, a startup transforma comércios físicos em pontos de despacho e retirada para compras de e-commerce. O negócio foi vendido para a empresa de logística Intelipost em fevereiro de 2021.

“Tivemos altos e baixos, como toda startup criando um modelo de negócios diferente, mas crescemos bastante com a pandemia. Em 2020, fomos de 10 mil para mais de 1 milhão de pacotes mediados por mês. A gente tinha conversas para avançar uma nova captação, mas também começamos a ser assediados por três empresas do segmento de e-commerce e de logística para um M&A”, diz o cofundador João Cristofolini.

Já as negociações com foco em conseguir bons funcionários têm até nome próprio: acquihiring. “Existe um movimento forte de grandes empresas buscarem funcionários com cultura de startup, porque essa é uma mentalidade difícil de ser implementada com rapidez”, afirma João Ventura, fundador da empresa de dados em inovação Sling Hub.

A visão de Magazine Luiza, Méliuz e TOTVS

Magazine Luiza (MGLU3) foi a empresa brasileira que mais adquiriu startups historicamente, segundo um levantamento da Sling Hub. Foram 23 compras envolvendo startups até novembro de 2021. “O Magazine Luiza é uma empresa no setor de varejo. Sua posição de destaque faz sentido, diante da explosão do consumo online durante a pandemia”, analisa Ventura.

O primeiro M&A da empresa foi em 1996, com a aquisição da rede paranaense de lojas Casas Felipe. Desde então, o Magazine Luiza comprou tanto outros varejos tradicionais quanto empresas de tecnologia. Elas vão desde e-commerces de nicho, como Época Cosméticos, Netshoes e KabuM!, até startups que atuam com delivery, mídia e serviços financeiros, como Canaltech, Inloco, aiqfome, Hub Fintech, Steal the Look e Jovem Nerd.

Apenas em 2020 e 2021, foram 22 transações envolvendo startups. “O objetivo de nossas aquisições é, principalmente, fortalecer nosso ecossistema e nos consolidar como uma empresa de tecnologia atuante na digitalização do varejo brasileiro”, afirma Graciela Kumruian Tanaka, diretora-executiva de clientes e integração do Magazine Luiza. Para Graciela, as startups compradas trazem mais produtos, talentos, tecnologia, qualidade de serviço e participação de mercado.

TOTVS (TOTS3) também tem uma experiência de décadas em M&As. A empresa de sistemas de gestão foi criada em 1986, e realizou sua primeira aquisição em 2005. Em 16 anos, foram mais de 40 compras. Recentemente, de startups.

“Olhamos sempre para o conjunto da obra em termos de novas competências: base de clientes, marca e posicionamento de mercado, equipe ou produto”, afirma Dennis Herszkowicz, CEO da TOTVS. Um exemplo de startup adquirida foi o software de marketing digital RD Station, por R$ 1,86 bilhão, em março de 2021. A compra abriu uma nova frente de mercado dentro da TOTVS, a de performance de negócios (business performance).

FONTE: https://www.infomoney.com.br/do-zero-ao-topo/febre-dos-mas-por-que-gigantes-estao-mais-interessadas-do-que-nunca-em-comprar-startups-brasileiras/?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=socialflow&fbclid=IwAR1OVRQT88lAmukAcFN7pWZfSixGqPGwECDhw45E1E14tyHzC0B68aQT9iY