A falência da Thomas Cook e o dilema da inovação

Companhia turística britânica faliu não só por conta de seus problemas financeiros. Ela não se soube se adaptar aos novos tempos do turismo online. Confira exemplos de outras empresas, como Blockbuster e Nokia, que não se adaptaram às transformações digitais

Milhares de turistas a ver navios. Alguns, literalmente. Com a falência da Thomas Cook, empresa de turismo britânica fundada em 1841, há 178 anos, todos os contratos de compra de passagens aéreas e pacotes de viagem foram subitamente cancelados, gerando uma onda de caos.

A companhia confirmou que contava com 600 mil clientes em trânsito e que não seria capaz de repatriar todos os viajantes. A empresa sucumbiu depois de não conseguir fechar um acordo com credores e investidores no valor de US$ 1,4 bilhão.

Os investidores remontam a origem do fogo que consumiu uma empresa que, 18 meses atrás, foi avaliada em US$ 2,3 bilhões. Tamanho estrago, que custou 22 mil postos de trabalho, não foi ocasionado por um fator isolado, mas por uma sequência de decisões infelizes.

Em 2007, por exemplo, a companhia apostou alto na fusão com o grupo MyTravel, dono das marcas Aurtours e Going Places, numa iniciativa que deveria economizar mais de US$ 70 milhões mensais aos cofres da empresa.

A realidade, contudo, foi bastante diferente. O MyTravels experimentou lucro apenas uma vez ao longo dos seis anos anteriores à péssima negociação e acabou trazendo grandes dívidas à Thomas Cook.

O avanço e a proliferação de serviços de reserva online, por um preço menor, tornaram praticamente inviável o modelo de negócio da Thomas Cook

Tanto essa fusão desastrosa, quanto os desafios que a seguiram, tiveram como motor o processo de digitalização do mercado. O avanço e a proliferação de serviços de reserva online, por um preço menor, tornaram praticamente inviável o modelo de negócio da Thomas Cook e suas 560 lojas físicas.

De acordo com a ABTA, associação inglesa das operadoras de turismo e agente de viagens, apenas um entre sete turistas opta por fechar suas férias em uma loja física. E o perfil deste cliente não é muito animador: são pessoas com mais de 65 anos e de baixo poder aquisitivo.

A falência monumental da Thomas Cook não tem, portanto, correlação com o mercado de turismo em si, que está com sua saúde em dia, empregando 319 milhões de pessoas e movimentando US$ 8,8 trilhões, segundo o World Travel and Tourism Council.

O Golias inglês não foi capaz de adaptar seu modelo de negócios aos novos tempos e viu sua liderança sucumbir à inovação. Startups, como o Airbnb, que hoje é avaliada em mais de US$ 30 bilhões, estão dominando esse setor que só cresce. No ano passado, por exemplo, 60% dos ingleses tiraram férias, frente aos 57% que fizeram o mesmo no ano de 2017.

A Thomas Cook não é um exemplo isolado de empresa que sucumbe por conta de não se adaptar às transformações do mercado, provocado pela tecnologia. Confira outras histórias:

Blockbuster

Em 2004, no apogeu de sua performance, a empresa de aluguel de filmes e videogames empregava mais de 84 mil pessoas em suas 9 mil lojas. Avaliada, na época, em US$ 5 bilhões, era difícil acreditar que a companhia declararia falência em 2010.

O mais curioso é que no ano 2000, a Netflix procurou a companhia com uma oferta de venda pífios US$ 50 milhões. O CEO da Blockbuster, John Antioco, dispensou o negócio, alegando que seria um serviço nichado. Hoje, a Netflix é avaliada em US$ 116 bilhões e conta com 151 milhões de assinantes pagos.

O que a Blockbuster não enxergou que os serviços de streaming iriam dominar o mercado, relegando o aluguel de filmes em DVDs ao museu.

Polaroid

Vítima do próprio sucesso, a Polaroid, fundada em 1937, achou que seu modelo de fotos instantâneas estava imune à revolução digital e nunca se dedicou a explorar novas possibilidades de produtos. Em 1978, a companhia contava com uma receita de US$ 3 bilhões, gerando 21 mil postos de trabalho.

Em 2001 declarou falência e vendeu seus ativos. A empresa não resistiu às máquinas digitais e ao compartilhamento online de fotografias, que tornava dispensável qualquer recurso instantâneo.

Em 2017, a marca Polaroid e sua propriedade intelectual foram adquiridas pelos investidores majoritários da Impossible Project, outra empresa de fotos instantâneas, que passou a usar o nome da aquisição mais famosa.

Toys “R” US

Em 2000, a maior loja americana de artigos infantis assinou um contrato de 10 anos com a Amazon para ser o vendedor exclusivos de brinquedos para crianças na plataforma. A empresa comandada por Jeff Bezos não cumpriu sua parte e passou a aceitar outros comerciantes dos mesmos artigos em seu ambiente online.

Depois de uma disputa legal, o contrato foi encerrado em 2004. Ao longo desse tempo, a Toys “R” Us não investiu em sua presença digital e foi passada para trás por outros concorrentes que souberam aproveitar melhor a revolução digital. Com mais de US$ 1 bilhão em dívidas, a empresa declarou falência em setembro de 2017.

Depois da liquidação, os locatários tomaram posse da propriedade intelectual da companhia, que se prepara pra voltar ao mercado. A expectativa é que o “retorno” da Toys “R” Us foque em tecnologia e experiências in-store – ou seja, ações nas lojas físicas que tragam público e, claro, vendas.

A primeira etapa dessa movimentação já foi colocada em ação, com a Tru Kids, que lidera a estratégia, firmando parceria com a Candytopia a fim de criar salas interativas nos novos espaços a serem abertos.

Kodak

Nem mesmo aquela que foi a maior empresa de filme do mundo conseguiu acompanhar a revolução digital, por medo de canibalizar suas linhas de produtos mais fortes. A kodak, líder em design, produção e comercialização de equipamentos fotográficos teve várias oportunidades para mudar seu negócio e caminhar na direção certa, mas sua hesitação em abraçar completamente a transição para o digital levou à sua própria ruína.

A Kodak investiu bilhões de dólares no desenvolvimento de tecnologia para tirar fotos usando telefones celulares e outros dispositivos digitais. No entanto, impediu o desenvolvimento de câmeras digitais para o mercado de massa por medo de erradicar sua “galinha dos ovos de ouro”, os rolos de filmes.

Concorrentes, como a empresa japonesa Canon, aproveitaram essa oportunidade e, consequentemente, sobreviveram aos novos tempos. Outro exemplo de erro da Kodak foi a aquisição do site de compartilhamento de fotos Ofoto, em 2001.

O que era poderia ter sido o Instagram virou mais uma ferramenta da Kodak para para tentar levar mais pessoas a imprimir seus cliques. A Kodak entrou em falência em 2012.Em 1996, em seu auge, quando dominava dois terços do mercado mundial, sua receita era de US$ 16 bilhões e seu valor de mercado era US$ 31 bilhões.

Nokia

Pecado não é morder a maçã, mas sim não se reinventar. E quem passou pelo inferno por esse pecado capital foi a Nokia. A empresa, que foi a maior fabricante de celular do mundo em 1998, viu seu lucro, na época, chegar a US$ 4 bilhões.

Em 2007, quando o primeiro iPhone chegou ao mercado, metade dos celulares em atividades no mundo eram da empresa finlandesa, mas a pouca aptidão para acompanhar o avanço tecnológico proposto pela gigante então sob o comando de Steve Jobs fez sua participação de mercado despencar 90% em apenas seis anos. Os smartphones com telas sensíveis ao toque, como o proposto pela Apple, logo viriam a dominar o setor e colocar a empresa finlandesa para escanteio.

Em 2013, a Nokia foi comprada pela Microsoft por US$ 7,2 bilhões, numa compra que não deu frutos. Em 2018, a empresa de Bill Gates vendeu a Nokia para uma divisão da Foxconn, a mesma que produz o iPhone.

FONTE: NEOFEED