Esquecidos por investidores, negócios sociais podem mudar vidas e dar lucro

Vivemos um período de grandes desafios sociais, econômicos e ambientais. A crise trazida pelo coronavírus foi somente a primeira de uma série de transformações que devem caracterizar os próximos anos de nossa geração: mudança climática, transição demográfica e desigualdade social. Temos evidências concretas sobre a complexidade deste período e do quanto ainda precisamos avançar na garantia de direitos para pessoas e ecossistemas.

Uma das evidências dessa complexidade é o fato de que o Brasil não apresentou progresso satisfatório em nenhuma das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), conforme aponta o Relatório Luz 2021.

Definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), os 17 ODS apontam as prioridades para o desenvolvimento dos países até 2030. Nas 169 metas, o desempenho do nosso país é o seguinte:

54,4% estão em retrocesso,

16% estagnadas,

12,4% ameaçadas e

7,7% mostram progresso insuficiente.

Diante da urgência de promover mudanças, precisamos contar com a participação da maior parte dos atores sociais, não relegando esse trabalho somente ao setor público ou às organizações da sociedade civil.

É dessa urgência que nasce o empreendedorismo social.

Assim como uma organização filantrópica ou uma ONG, os negócios sociais têm como missão enfrentar um problema social a partir de soluções inovadoras e, muitas vezes, tecnológicas.

O Brasil tem um rico ecossistema de empreendedorismo social.

Segundo a edição 2021 do “Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental”, iniciativa realizada pela Pipe Labo, são 1.272 empresas atuando nas mais diversas áreas, como greentechs, ou tecnologias verdes (49%), civictechs (40%), edtechs (28%) e healthtech (27%).

Desde seu início, o BrazilLAB, primeiro e único hub de inovação govtech do Brasil, tem apoiado o trabalho dos empreendedores de impacto.

Ao longo de nossos cinco anos de história, tivemos a oportunidade de acelerar mais de 100 startups e suas soluções desenvolvidas para o enfrentamento de desafios públicos em diferentes áreas, como educação, meio ambiente, saúde e inclusão produtiva.

Além disso, também contribuímos para a formação de uma rede com centenas de organizações dedicadas a fortalecer esse ecossistema, especialmente produzindo conteúdos, garantindo investimentos e gerando conexões.

Mas é possível fazer mais: o empreendedorismo social pode ser ainda mais potente e transformador quando ele é desenvolvido por atores e regiões específicas.

Transformando a periferia

Um estudo inédito realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Arymax traz evidências sobre essa potência. Lançada na quinta-feira, 9 de dezembro, a pesquisa descreve o trabalho dos empreendedores sociais da periferia e aponta os avanços e também os desafios deste grupo.

O empreendedorismo social da periferia é muito mais diverso do que o tradicional. Em relação ao gênero, a maioria dos empreendimentos sociais é liderada por uma mulher (70%, contra 48% na não-periferia) e com uma participação majoritária de pessoas negras (pretas ou pardas), que formam 87,5% desse grupo —entre os empreendedores do grupo não-periferia, 91,4% se autodeclaram brancos.

Se podemos comemorar a maior diversidade de gênero e raça, também precisamos reconhecer os pesados desafios que os empreendedores sociais da periferia enfrentam.

O primeiro deles, sem sombra de dúvidas, está relacionado ao financiamento: enquanto os negócios sociais do grupo não-periferia recebem, em média, R$ 712.511 como capital inicial, os empreendimentos liderados pela periferia operam com R$ 19.148 como montante para início de sua operação —um valor 37 vezes menor!

Além disso, os negócios sociais da periferia sofreram mais os impactos da covid-19 (49% versus 23% dos não-periferia), possuem uma receita muito menor (21 vezes menor em relação aos empreendimentos de fora da periferia têm menos beneficiários diretos de sua atuação (19 vezes menor em relação ao grupo não-periferia) dada a sua frágil estrutura de operação, como recursos financeiros e equipes.

O que fazer?

Os negócios sociais são uma alternativa poderosa e estratégica para enfrentarmos conjuntamente os desafios sociais que se apresentam para toda a sociedade.

Eles se tornam ainda mais relevantes quando são liderados por indivíduos da periferia; para esse grupo, os negócios não só geram impacto social para as comunidades, algo que já seria esperado de uma iniciativa deste tipo, mas também transformam a vida dos próprios empreendedores.

Mas é preciso reconhecer os desafios a que eles estão expostos.

E também atuar para combatê-los. Como já discuti algumas vezes aqui na coluna, o financiamento é um pilar fundamental desse processo, sendo imprescindível garantir mais recursos para iniciativas sociais. O recado é claro: impacto social também pode trazer lucro.

O caminho é longo, deve envolver mudança na cultura e nos olhares de investidores, mas é fundamental.

Os empreendedores sociais são aliados imprescindíveis para que possamos combater desafios históricos que ainda vivenciamos para, finalmente, nos conectarmos às oportunidades do século 21.

FONTE:https://www.uol.com.br/tilt/colunas/leticia-piccolotto/2021/12/11/empreendedorismo-de-impacto-e-possivel-unir-lucro-e-transformacao-social.htm