Em busca de até US$ 500 mil: as startups na mira do VC da Arcor e da Coca-Cola

Formado pelas duas multinacionais, fundo Kamay Ventures já investiu em 11 empresas e acaba de selecionar outras dez para receber os cheques.

Razão de ser do fundo, criado em 2019, é acelerar startups que oferecem soluções inovadoras para os setores de alimentos e bebidas — Foto: Getty Images

Cerca de 70% das reservas globais de água doce, estima-se, são tragadas pela agricultura. Fundada em Córdoba, na Argentina, a Kilimo oferece uma solução para o problema. De 2014, a startup desenvolveu uma plataforma de gerenciamento de irrigação para empreendimentos agrícolas. Dotada de inteligência artificial, ela combina informações fornecidas por estações meteorológicas instaladas no campo, dados de satélite, previsões atmosféricas e características de cada solo. Com tudo isso, calcula a chamada evapotranspiração de todo território monitorado — tudo para recomendar, com precisão, quando é a hora certa de irrigar e qual é a quantidade correta de água que deve ser despejada.

A startup alega que já ajudou a economizar mais de 72 bilhões de litros de água. Trata-se de um volume que daria para encher a lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, onze vezes. Os mais de 150 mil hectares monitorados pela Kilimo são utilizados para o plantio de 44 culturas, como cereja, abacate, milho, trigo, soja e cana-de-açúcar. Os mais de 150 produtores que utilizam os serviços dela se encontram em seis países — Argentina, Chile, Peru, México, Uruguai e Estados Unidos. “Com a Kilimo podemos realmente saber como a água se move no solo e quando irrigar”, afirma Agostinho Santi, engenheiro agrônomo da unidade argentina da Chandon. “Fez com que a vinícola ajustasse sua estratégia de irrigação com decisões específicas para cada fazenda”.

Até aqui, a startup captou aproximadamente US$ 5 milhões com investidores. Parte do dinheiro saiu do Kamay Ventures. É o fundo de venture capital formado pela divisão latino-americana da Coca-Cola e pela Arcor, multinacional de origem argentina que fabrica chocolates, sorvetes, biscoitos e toda sorte de guloseimas. A razão de ser do fundo, criado em 2019, é acelerar startups que oferecem soluções inovadoras para os setores de alimentos e bebidas. “A preservação da água é algo que interessa a todos”, diz Hugo Reggiani, diretor geral do Grupo Arcor no Brasil, ao justificar o aporte na Kilimo.

Ela é uma das 11 startups que já entraram para o portfólio do Kamay Ventures. Outra que o executivo faz questão de registrar é a equatoriana AltScore, que já amealhou US$ 3,5 milhões com investidores. Na ativa desde 2021, a fintech atua no segmento de Lending as a Service com o intuito de facilitar o acesso a crédito para pequenas empresas. “Microcrédito é uma ferramenta importante para desenvolver negócios na América Latina”, afirma Reggiani.

O apoio do Kamay Ventures à AltScore demonstra o interesse da Arcor e da Coca-Cola em contribuir não só com o desenvolvimento de fornecedores, como é de praxe, mas também com o das empresas que revendem os produtos de ambas. É o caso de distribuidores e mercados, por exemplo. “As companhias que distribuem nossa produção geralmente são de pequeno porte e têm pouco acesso a crédito”, resume o diretor geral da Arcor no Brasil. “A meta é olhar não só para os elos anteriores da cadeia de suprimentos, mas também para os posteriores. Queremos ajudar as empresas que compram de nós, e essas dependem de capital de giro”.

Dez novas startups selecionadas

No dia 25 de agosto, o Kamay Ventures deu mais um passo. Durante o Kamay Code, que reuniu empreendedores, investidores e instituições de ensino para palestras e workshops — o palco do evento foi o espaço Cubo, em São Paulo —, 20 startups pré-selecionadas venderam o próprio peixe para o fundo de venture capital. E dez ganharam sinal verde da Coca-Cola e da Arcor — a primeira bateu o martelo em seis empresas e a segunda, em quatro. “Agora, todas elas precisam desenvolver protótipos que mostrem a viabilidade do que estão propondo”, explica Reggiani. As startups que foram aprovadas nessa etapa derradeira terão direito a um aporte que varia de US$ 300 mil a US$ 500 mil — as empresas que já fazem parte do portfólio receberam montantes dentro dessa mesma faixa.

Todas as dez que estão a um passo de entrar para o ecossistema do Kamay Ventures são brasileiras. Typcal, Implanta IT Solutions, Agtrace e Autaza foram selecionadas pela Arcor. A primeira da lista é uma foodtech que produz alimentos que imitam proteína animal, usando, como base, o micélio, a parte vegetativa de um fungo.

Já a Implanta IT Solutions atua no segmento de Software como Serviço com o intuito de otimizar processos produtivos, melhorar a cadeia de suprimentos, reduzir desperdícios e aumentar margens de lucro. “Um dos grandes desafios do nosso setor é montar pontos de venda imersivos e automatizar processos internos, no que essa startup pode ajudar”, observa Reggiani.

A AgTrace recorre à tecnologia blockchain e à Internet das Coisas (IoT) para conectar todos os elos da cadeia de produção, garantindo maior eficiência operacional, transparência e informações confiáveis, seguras e em tempo real.

A última das quatro, a Autaza, desenvolve softwares e equipamentos que fazem uso de inteligência artificial para inspecionar produtos — tudo para eliminar a subjetividade na identificação e classificação de defeitos e reduzir custos.

As startups que caíram nas graças da Coca-Cola são essas: Ecoloop, Virtual.Town, GreenPlat, Dinerama, Evlos4u e ST-One. A primeira fabrica máquinas e soluções de coleta inteligente de resíduos e a segunda da lista desenvolve aplicativos para equipamentos de realidade virtual ou realidade aumentada para marcas bem conhecidas.

Já a GreenPlat criou um software de gestão e monitoramento de ações e indicadores ESG que rastreia processos e cadeias produtivas. O que faz a Evlos4u? APIs para fintechs, financeiras, gestores de fundos e por aí vai. A ST-One, por fim, oferece soluções para acelerar a digitalização industrial.

Processo de inovação mais rápido

É de imaginar o que leva uma empresa do porte da Arcor, que exporta para mais de 120 países, a investir em startups, prática conhecida como corporate venture capital. “De uns dois anos para cá, a maioria das grandes empresas se deu conta de que fazer pequenos investimentos em companhias em ascensão é uma ótima maneira para estimular a inovação”, diz Richard Zeiger, sócio da gestora MSW Capital. “As grandes corporações não vão abrir mão de seus departamentos de inovação. As startups, porém, podem trazer soluções para problemas futuros dessas grandes companhias, e daí os aportes”.

Especializada em corporate venture capital, a MSW já injetou capital em cerca de 20 startups — os investimentos variam de R$ 3 milhões a R$ 15 milhões. Um dos fundos que ela gerencia pertence ao Banco do Brasil. “Quem mais se beneficia do corporate venture capital são as startups”, crava Zeiger. “Receber aporte de uma grande companhia equivale a uma chancela de que se está na direção certa”.

“Nas startups, o processo de inovação é muito mais rápido do que em companhias do tamanho da nossa ou da Coca-Cola”, admite Reggiani, acrescentando que o Kamay Ventures tem o objetivo de chegar a 30 startups no portfólio. A empresa que ele dirige faturou, globalmente, US$ 3,5 bilhões em 2022. O Brasil é o segundo maior mercado em faturamento, com cerca de R$ 1,7 bilhão anuais — a dianteira é ocupada pela Argentina. Por aqui, a companhia projeta um crescimento de 18% para 2023 e uma das metas para o ano que vem é aumentar a produção de chocolates em 50%.

FONTE:

https://epocanegocios.globo.com/empresas/noticia/2023/09/em-busca-de-ate-us-500-mil-as-startups-na-mira-do-vc-da-arcor-e-da-coca-cola.ghtml