A eleição disruptiva: como ascendeu – e como esvaziar – o bolsonarismo

Livro remonta a eleição de 2018 explicando os 3 fatores determinantes para a já anunciada vitória de Bolsonaro. O Partido da Lava Jato foi um dos elementos centrais, e seu desmoronamento pode significar um consequente abalo no bolsonarismo

Jornal GGN – Era dezembro de 2015. Geraldo Alckmin (PSDB) tinha 14% de intenção de voto em pesquisa estimulada do Datafolha. Jair Bolsonaro, 5%. Menos de 2 anos depois, abril de 2017, o capitão expulso do Exército já havia virado sobre o tucano. O ritmo do crescimento popular do hoje presidente do Brasil foi praticamente menosprezado antes das eleições, mas estava lá o tempo todo. A conjuntura pró-bolsonarismo nasceu antes da facada em Juiz de Fora. Antes da fuga dos debates. Antes do caixa 2 no WhatsApp. Antes das mamadeiras eróticas e outras fake news que desconhecem limites éticos e legais.

A extrema-direita brasileira ganhou rosto, cadeira no Planalto e projeção internacional na mistura de três ingredientes: sentimento de ódio, revolta e rejeição à classe política tradicional, vista como parte da corrupção sistêmica no País; a adesão às promessas de medidas duras na segurança pública e na economia e, talvez o principal dos fatores, as mudanças na forma de comunicação entre eleitores e candidatos, graças às novas tecnologias que reformularam a dinâmica do jogo eleitoral.

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A análise da ascensão de Bolsonaro é feita no livro “A eleição disruptiva – Por que Bolsonaro Venceu”, dos autores Juliano Corbellini, doutor em ciência política, consultor de marketing eleitoral e coordenador da campanha vitoriosa de Flávio Dino à reeleição no Maranhão, e Maurício Moura, doutor em Economia, especialista em Psicologia Política (Stanford) e mestre em Ciências Sociais (Chicago) e Política (George Washington University).

Na obra, os autores chamam atenção para o que denominam de “Partido da Lava Jato”. Foi o estardalhaço midiático artificialmente provocado pela operação sob a batuta de Sergio Moro que rompeu com a polarização histórica entre PT e PSDB. Não só porque tirou Lula do páreo ao prendê-lo e inabilitá-lo eleitoralmente, mas por ter, durante todo o tempo, induzido a sociedade a questionar a legitimidade da classe política tradicional.

“O Partido da Lava Jato colocou PT, PSDB e MDB numa vala de corrupção comum no imaginário do eleitorado. Votar nesses partidos era votar na corrupção. Era preciso votar em quem representava a limpeza”, comentou Moura em entrevista ao GGN.

“O que explica o crescimento do Bolsonaro é o desgaste da política tradicional como um todo em decorrência da Lava Jato, que no primeiro momento atacou a imagem do PT. O PT cometeu um erro, que foi apostar nessa dinâmica para destruir os adversários
políticos. De fato, o PSDB foi vítima do monstro que ajudou a criar. O espírito da Lava Jato atingiu de Eduardo Cunha a Aécio Neves. Mas a cada momento desse, Bolsonaro avançava. Assim ele foi consolidando sua vitória”, acrescentou Corbellini.

O ELEITOR DIFUSO

O mérito de Bolsonaro foi, em tese, ter surfado na crescente onda anti-política, mesmo sendo um dos principais representantes da velha classe, com seus 30 anos de Parlamento. E fez isso mostrando habilidade na instrumentalização das redes sociais, a exemplo do que ocorreu em países como México, EUA, Índia e Colômbia, frisou Moura.

Bolsonaro, “não de maneira disciplinada”, percorreu o País por 2 anos antes da eleição, criando uma rede de colaboradores que o ajudou a “ter apoio orgânico na campanha”, lembrou Moura. No final das contas, “foi o depositário do eleitor difuso que é esse eleitor da Lava Jato, o eleitor anti-política”, endossou Corbellini.

Com a polarização entre PT e PSDB destroçada, sobraram em pé duas narrativas do ponto de vista do eleitorado: uma do Partido da Lava Jato, que clamava por “renovação”, e outra identificada com o lulismo.

“Lula tem mais força e menos rejeição que o PT. Quando ele é removido da disputa, mostra poder de transferência significativa para o Haddad, mas isso encontra limites. O Haddad herdou todo o ônus do ódio ao PT, mas não herdou todo o bônus do voto no Lula.”

Apesar disso, na avaliação de Corbellini, o resultado de Haddad foi “excepcional”, considerando as “circunstâncias” para o PT. “Talvez a grande decisão que pudesse mudar o destino da eleição seria o PT apoiar outro partido.” O livro tem um capítulo inteiro para os “e se” dessa história.

O OCASO DO BOLSONARISMO

Se o Partido da Lava Jato foi determinante para a eleição de Bolsonaro, então desmontar a áurea em torno da Lava Jato seria um meio de atingir o centro gravitacional do governo?

A pergunta já não leva em conta apenas o contexto da eleição passada, mas os vazamentos recentes de conversas privadas entre procuradores da Lava Jato, que expõem o que a defesa de Lula denuncia há anos: um conluio entre Juízo (no caso, Sergio Moro) e acusação (Ministério Público Federal).

Para Corbellini, “se criar uma dúvida na sociedade a respeito da condução na Lava Jato – principalmente sobre a condução do processo de Lula – e se essa legitimidade for abalada por fatos que demonstrem que não houve isonomia, evidentemente as bases do bolsonarismo enfraquecem. (…) É a batalha em que está em disputa o futuro desse governo.”

Moura já é de outra opinião. Para ele, a Lava Jato dificilmente será estremecida pelo dossiê Intercept a ponto de produzir efeitos práticos no governo. É mais fácil, em sua visão, Bolsonaro ser esvaziado por denúncias envolvendo sua família, que está sob suspeita de elo com milicianos e outros esquemas ilícitos.

“O DNA da narrativa bolsonarista é a corrupção. Se aparecer alguma coisa envolvendo o filho dele, vai criar problemas. Tem que ser algo mais personalizado. Acho que a Lava Jato tem menos chance de ser dilapidada por escândalos”, comentou Moura.

FONTE: CGN