Ele acredita que a inteligência artificial pode ajudar as pessoas a viverem mil anos

Para o britânico Aubrey de Grey, gerontologista especializado no combate ao envelhecimento, já está entre nós a primeira geração que vai viver 150 anos

O GERONTOLOGISTA BRITÂNICO AUBREY DE GREY: FUTURO COM SERES HUMANOS LIVRES DE DOENÇAS E VIVENDO ATÉ MIL ANOS (FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK)

Dr. Aubrey de Grey, gerontologista britânico especializado no combate ao envelhecimento e um dos maiores pesquisadores vivos do tema, não pensa em legado. Seu grande sonho, na verdade, é fortalecer o campo de estudos o suficiente para poder se “retirar em uma gloriosa obscuridade” e não ter mais de pensar sobre isso. E vale dizer: ele não quer morrer — e acha que tem 50% de chances de viver até os 150 anos, enquanto as futuras gerações podem chegar até os mil anos.

O cientista veio ao Brasil recentemente a convite do KES para o lançamento do seu livro “O fim do envelhecimento: os avanços que poderiam reverter o envelhecimento humano durante nossa vida”, escrito em 2007. Na passagem pelo país, conversou com empresários brasileiros sobre a sua pesquisa e separou alguns minutos da rotina atribulada para falar com Época NEGÓCIOS. Até um causo com Abilio Diniz De Grey tem.

Especialista em biologia molecular, ele vem se destacando como uma das mentes mais ativas na busca por terapias contra o envelhecimento. Na Universidade de Cambridge, estudou biogerontologia clínica, disciplina que tenta compreender os processos biológicos de envelhecimento. Dois anos atrás, em entrevista a Época NEGÓCIOS, o britânico contou sobre o trabalho que vinha desenvolvendo. À época, ele concentrava boa parte do seu tempo à frente da SENS Research Foundation, organização fundada por ele em 2009 e localizada no Vale do Silício, com objetivo de desenvolver terapias em medicina regenerativa.

Essas terapias matam as células que perderam a habilidade de se dividir, permitindo que as saudáveis possam se multiplicar e reabastecer o tecido antes danificado. O que, aplicado em escala para todas as doenças, nos daria a possibilidade de viver melhor e por muito mais anos.

De lá para cá, o cientista seguiu 100% dedicado ao projeto. A diferença, entretanto, é que nos últimos anos ele ganhou alguns reforços de peso, como startups focadas exclusivamente na gerontologia (ciência que estuda o processo de envelhecimento) e ferramentas de inteligência artificial que têm acelerado os resultados de seus estudos e atraído novos investidores. No ano passado, De Grey recebeu US$ 6,5 milhões em criptomoedas em doações para seguir com a pesquisa. O bilionário Peter Thiel, por exemplo, é um de seus investidores.

Parte da rotina de De Grey é atrair investidores e conectá-los a startups e times de cientistas. “Sabe, finalmente eu sinto que estou aproveitando o meu tempo, colocando o dinheiro ‘certo’ nas pessoas certas”, afirma. Abaixo, confira alguns dos melhores momentos do papo com o de Grey:

Você se sente correndo contra o tempo?
Eu tento não pensar nesse tipo de questão filosófica. Não sou esse tipo de pessoa. Eu não quero ficar doente e não quero que ninguém mais fique. É isso que me move. Talvez eu tenha 50% de chance de viver até os 150 anos. Gostaria que fosse mais. Mas o que me tira da cama é pensar que meu trabalho pode salvar 100 mil vidas nos próximos anos. Assim é mais fácil trabalhar.

Por muito tempo, sua pesquisa foi contestada. Onde você achou forças para continuar?
Estar certo ajudou muito. Mas, claro, mesmo quando me deparei com opiniões contrárias, tive quem me apoiasse com feedbacks positivos. E, ao meu lado, havia cientistas de altíssima qualidade fazendo um trabalho incrível. O comprometimento deles me inspirou a continuar.

Você fala bastante sobre o poder da inteligência artificial. Qual é o impacto dessa tecnologia no seu trabalho?
Antes de entrar na biologia, eu já trabalhava com ciência da computação. Posso afirmar que na última década, especialmente nesses últimos anos, houve um intenso progresso na área. No campo da saúde, ficou muito mais simples estudar redes neurais em larga escala, o que facilitou o desenvolvimento de remédios que podem ser usados na luta contra o envelhecimento. Isso é algo que deve continuar a crescer ainda mais nos próximos anos. Além disso, acredito que a inteligência artificial afetará radicalmente a forma como as pessoas se relacionam com o trabalho, principalmente por conta da automação. A tecnologia vai criar um cenário completamente diferente: menos trabalho e expectativa de vida mais longa. Pode parecer estranho, mas estou certo de que vai dar certo. Não sei exatamente como, mas vai. Uma certeza eu tenho: a automação vai ajudar a humanidade a ter mais qualidade de vida.

E qual é o papel das startups nessa equação?
Tenho tentado atrair investidores para as frentes de pesquisa da fundação. Quando conseguimos dinheiro, separamos um time e uma startup é criada para tocar o projeto. Finalmente eu sinto que estou aproveitando o meu tempo, colocando o dinheiro ‘certo’ nas pessoas certas.

Há algum cenário em que as pessoas não viverão mais no futuro?
A não ser que sejamos atingidos por um asteroide, não. Se as pessoas deixarem de ficar doentes, o efeito colateral será viver mais. É para isso que trabalhamos.

E qual será o seu legado?
Bom, eu não planejo morrer tão cedo, portanto não estou preocupado com um legado. No curto prazo, meu objetivo é conseguir que meu campo de estudos fique suficientemente estabelecido a ponto de eu não ser mais importante. Daí, talvez eu finalmente possa me retirar em uma obscuridade gloriosa, sem ter de passar a minha vida viajando pelo mundo.

Por que você acha importante mostrar o seu trabalho para empresários brasileiros?
Eu acho importante falar sobre o meu trabalho com absolutamente todo mundo. Não importa o país, as pessoas estão envelhecendo. Todos sofrem desse problema. E, por mais que eu faça isso há tanto tempo, ainda há um grande número de pessoas que não sabe o quão perto estamos de controlar o envelhecimento. Quanto mais pessoas souberem, mais rápidos serão os resultados. E, claro, parte dessa viagem também é para levanter fundos para a minha pesquisa.

Seu livro acaba de chegar ao Brasil. Quais são suas expectativas com o público brasileiro?
São várias. O Brasil é um país tão grande que é difícil pensar em um só objetivo. Estou em busca de investidores e pessoas interessadas em minha pesquisa. Uma história engraçada é que, cerca de dois anos atrás, fui convidado para um simpósio organizado por Abilio Diniz e pude apresentar minha ideia para ele. Nada aconteceu ainda, mas a história me mostrou que há empresários brasileiros que realmente podem vir a colocar dinheiro no meu projeto.

FONTE: ÉPOCA