Ela virou diretora de uma das maiores exchanges de criptomoedas do mundo – e quer mais mulheres nesse mercado

Gracy Chen enfrentou preconceitos até chegar ao posto atual, de diretora da Bitget; neste ano, ajudou a criar uma iniciativa para incentivar a formação de mais lideranças femininas no mercado blockchain.

São poucas as mulheres atuando no mundo das criptomoedas, especialmente em cargos de liderança. Diante desse cenário, a chinesa Gracy Chen decidiu partir para a ação. Diretora da exchange Bitget, uma das 10 maiores do mundo (segundo dados da Coin Gecko), ajudou a criar, este ano, a iniciativa Blockchain4Her, para incentivar a formação de mais lideranças femininas no mercado blockchain – patrocinando pesquisadoras da área e investindo US$ 10 milhões em startups criadas por mulheres.

Com sede nas ilhas Seychelles, a Bitget está buscando expandir suas operações na América Latina – e, para isso, tem que enfrentar a forte concorrência na região, dominada pelas corretoras Binance e Bitso.

Em entrevista a Época NEGÓCIOS, Chen falou sobre o que o mercado de criptoativos aprendeu com a quebra da FTX, sugeriu a criação de uma aliança entre exchanges globais para estabelecer padrões rigorosos de segurança e qualidade e estimou que o bitcoin ainda pode dobrar de preço nos próximos meses. Confira, a seguir, os principais pontos da entrevista.

Você advoga bastante pelo crescimento de lideranças femininas no mercado blockchain, e a Bitget lançou um programa para apoiar a formação dessas lideranças. Como surgiu a iniciativa, e como vem sendo implementá-la?

Lançamos o Blockchain4Her neste ano. Eu tenho um interesse pessoal nisso. A primeira empresa que ajudei a criar [a fintech Accumulus] hoje é um unicórnio, mas no começo eu era a única mulher entre as fundadoras e também a única entre os 10 primeiros incentivadores. Alguns anos depois, criei minha própria empresa, e estava procurando recursos para ela. Um executivo de venture capital disse diretamente para mim que não investiria em empresas lideradas por mulheres, especialmente recém-casadas e sem filhos. Foi como um tapa na minha cara.

Estas são questões que precisam ser endereçadas. Hoje atuando com cripto, a gente vê que isso acontece na indústria toda. Em qualquer grande evento, você olha os painelistas e a grande maioria vai ser de homens. É importante ter programas específicos para mudar esse cenário. Dentro do Blockchain4Her, criamos uma incubadora para projetos liderados por mulheres e podemos investir neles também. Separamos US$ 10 milhões para isso. Também estou em contato com MIT e Harvard para patrocinar acadêmicas mulheres para fazerem pesquisa em blockchain. É importante para a indústria, para a sociedade, e tem um peso enorme para mim.

Desde sua criação, a Bitget passou por um grande crescimento. Como vê a empresa posicionada hoje, e quais são as estratégias para crescer?

Acho que conseguimos chegar a objetivos muito importantes. Segundo os dados da Coin Gecko, estamos como a quinta maior exchange em derivativos. No mercado spot, ficamos um pouco mais atrás, mas, em geral, estamos entre as 10 maiores, considerando todos os negócios. Estamos na rota de chegar ao ponto que gostaríamos, que é estar entre as cinco maiores exchanges do mundo.

O que quero fazer para alcançar esse objetivo é melhorar a estratégia de listagens de ativos. Os usuários vêm à nossa plataforma a procura de bons ativos para investir, e a gente quer abrir o máximo de possibilidades, mas não tudo. Não queremos as laranjas podres, mas também não queremos ser muito restritos. Estamos buscando esse equilíbrio. E também mostrar os ativos de forma que incentive o engajamento dos usuários, porque acho que temos ativos de valor único. Por exemplo, a memecoin Pepe, que fomos a primeira a listar, muito antes da Binance.

O bitcoin vem passando por valorização recorde em 2024. Eventos como o ETF e o halving sugerem que o crescimento pode ser ainda maior. Até onde este ciclo de valorização pode chegar, em sua opinião?

São vários eventos que impactam este ciclo. O ETF tem peso não só pela aprovação, em janeiro, mas também por quanto dinheiro acabou entrando nas negociações, mostrando que grandes atores da indústria financeira tradicional apostam nele. Isso é a chave para o crescimento atual. E com a expectativa da taxa de juros cair nos EUA – não está acontecendo ainda, mas 80% dos analistas acham que isso vai acontecer neste ano –, os títulos de renda fixa se tornam menos interessantes, e os ativos de maior risco crescem. Completa o cenário o halving do Bitcoin, em abril. Tudo isso me faz crer que, no prazo de um ano a 18 meses, o valor do Bitcoin vai provavelmente dobrar. Isso não é aconselhamento financeiro, e muita coisa pode mudar nesse período, mas é o que o cenário atual indica.

O halving deste ano apresenta diferenças de contexto em relação aos anteriores, com a alta prévia por causa do ETF. Quais as expectativas para esse evento, que costuma levar a novos recordes de cotação?

Cada momento de halving é único, porque tem uma diferença de cenário, os atores mudam também. No primeiro, em 2012, eram mineradores muito pequenos, early adopters que usavam o bitcoin. E agora está muito diversificado, todo mundo já ouviu falar de bitcoin, até a minha mãe tem.

A indústria financeira está comprando o mercado spot do ETF e isso afeta o preço. Além disso, no ponto atual do Bitcoin, o halving é mais uma narrativa do que uma mudança de fato. O primeiro corte na recompensa foi de 50 bitcoins para 25, e agora será de 6,26 para 3,125. O efeito prático diminui, porque a recompensa já não faz tanto efeito, em comparação com o bitcoin que já está circulando.

Por fim, destacaria que o halving deste ano não é só sobre o bitcoin. Há uma narrativa que afeta o ecossistema cripto como um todo, dada a grande exposição da moeda – e o que acontecer com ela vai afetar outros ativos também.

Por falar em ecossistema, já faz mais de um ano desde a quebra da FTX, em um dos momentos mais difíceis que o mercado de criptomoedas já enfrentou. Que lições o episódio deixou para a indústria?

Acho que, em geral, os atores aprenderam a lição. E os próprios usuários exigiram isso, olhando mais para os mecanismos de proteção nas exchanges, com mais exigências de segurança. E isso é muito importante. Antes mesmo da FTX, já havia algumas empresas caindo, e muitas pessoas se sentindo inseguras. Você precisa ter proteções, e mostrar aos usuários que está trabalhando duro nisso.

Mas há coisas para melhorar? Com certeza, sim. Tenho falado sobre lançar uma aliança de exchanges com outros players. Ainda não está certo, porque precisa que os maiores atores estejam na mesma página, e geralmente está todo mundo muito ocupado com as inovações e melhorando suas plataformas, dando atenção menor a esses assuntos. Mas acredito que precisa haver mais trabalho conjunto para estabelecer padrões da indústria, criar uma ‘blacklist’ dos players que não se adequam, etc. E também regulação, compliance, que são temas-chave para a gente. Temos entre 30 e 40 pessoas somente cuidando de compliance em nossa companhia, que ficam em contato com reguladores e governos pelo mundo para garantir que estejamos em dia com todas as regulações.

O Brasil adotou um marco legal para os criptoativos e vem passando por um processo de consulta pública para normatizar a atuação das exchanges. Está acompanhando o processo? Qual sua expectativa para o país?

Eu não sei muito sobre a regulamentação no Brasil especificamente, apesar de termos um time para a América do Sul. O que ouvi é que o futuro da regulação ainda está um pouco incerto e pode mudar de acordo com o que for colocado no projeto pelos reguladores, mas parece que há a preocupação de aumentar o monitoramento e procurar mais formas de cuidar da segurança das operações. Isso é especialmente importante porque o Brasil tem uma alta taxa de adoção das criptomoedas, a maior de toda a América Latina, de acordo com um relatório da Chainalysis que eu li recentemente. Então, há muitos ativos para serem protegidos por aí. A gente apoia regulações da indústria, e acreditamos que o mercado cripto ainda está na infância e precisa crescer, tanto na segurança quanto nos investimentos.

FONTE: https://epocanegocios.globo.com/futuro-do-dinheiro/noticia/2024/04/ela-virou-diretora-de-uma-das-maiores-exchanges-de-criptomoedas-do-mundo-e-quer-mais-mulheres-nesse-mercado.ghtml