É brasileira a tecnologia que reconhece rostos com mais segurança que o iPhoneX: conheça a FullFace

Danny e José, um engenheiro e um especialista em TI, são os fundadores da FullFace.

Há algumas décadas, usar alguma parte do corpo como senha para computadores era coisa de filme de Hollywood. Em 1968, essa tendência estava em “2001: Uma Odisseia no Espaço”, por exemplo. Só a partir do início dos anos 2000 é que as soluções biométricas começaram a ser de fato absorvidas pelo mercado — e eliminaram a necessidade da memorização de códigos ou senhas alfanuméricas. Nesta linha evolutiva chegaremos a uma startup brasileira que se destaca por ter criado um algoritmo que reconhece rostos humanos sem precisar armazenar fotos: em vez disso, a FullFace transforma as imagens em uma série numérica, o ID facial do cliente.

Entre os métodos de biometria que buscam aumentar a segurança da transação de dados, eliminar processos burocráticos e evitar fraudes, um dos mais difíceis de ser burlado é o do reconhecimento facial. A partir da medição e comparação de pontos e características do rosto (como a distância entre olhos e largura do nariz), o sistema identifica se uma pessoa é quem diz ser.

O paulistano Danny Kabiljo, 39, e o “quase paulistano”, José Guerrero, 52 (ele nasceu em Barcelona e veio ainda bebê para o Brasil) são os sócios fundadores da FullFace, que surgiu em 2012 e começou a operar há dois anos.

“Cada vez mais, a relação das empresas acontece de forma digital e fica difícil garantir com quem se está trabalhando. A gente já não pode mais fazer identificação pelo o que as pessoas possuem, como RG, senhas ou CPF, mas pelo o que elas são”, diz Danny.

O conceito parece futurístico demais? Calma, a história dos empreendedores e sua forma de atuação simplificam um pouco tudo isso. O que se pode adiantar é que esse modelo de negócio já rendeu à dupla o primeiro lugar no CMS Fintech Award, premiação da área tecnológica realizada em outubro, e menção em um relatório da consultoria Gartner como uma das startups brasileiras mais disruptivas do ano passado, além de retorno financeiro. De 2015 a 2016, a empresa cresceu cerca de dez vezes e já atingiu o break-even. A previsão é fechar este ano com um faturamento de 2,5 milhões de reais.

PRIMEIRO, A IDENTIFICAÇÃO ENTRE OS SÓCIOS, DEPOIS O ALGORITMO

Danny, engenheiro civil e CEO da FullFace, trabalhou por muitos anos na sua área de formação, no ramo de aquisição de terrenos. Mas, em 2009, ao abrir uma rede de franquias de serviços de estética, foi picado pelo bichinho do empreendedorismo. Dois anos depois, vendeu o negócio, que já tinha 450 unidades, e começou a se dedicar ao projeto de biometria facial.

A ideia de desenvolver um sistema de identificação era antiga e uma questão apontada como um problema nas empresas pelas quais passou, em especial, para o controle de entrada e saída de funcionários e garantia das transações realizadas online. Porém, para criar algo desse porte faltava a ele conhecimento técnico no assunto. O que, por sua vez, José, CTO da FullFace, tem de sobra: é pós-graduado em Sistema de Informação por Harvard, com mestrado e doutorado pelo MIT.

Os dois foram apresentados por um amigo em comum e não precisou de nenhuma tecnologia avançada para que, de pronto, se identificassem como sócios. “Sempre fui movido a desafios, então, quando o Danny veio com essa ideia, comecei a fazer pesquisas. Conversando com o pessoal do MIT, descobri que não tinha nenhuma novidade na área. Isso despertou ainda mais meu interesse”, conta o acadêmico.

A dupla passou a se dedicar em tempo integral à criação da empresa de biometria facial. Após dois anos de trabalho, José chegou ao algoritmo da FullFace, capaz de detectar 1 024 pontos em cada rosto humano (o que existia até então no mercado mundial apontava apenas 86). Com a solução em mãos, obtiveram apoio de um grupo de quatro investidores-anjos. Isso permitiu aos empreendedores começarem, em 2015, a operação do software, com os primeiros projetos remunerados e o convite para se estabelecerem no Cubo.

QUE TAL SEU SISTEMA SER MELHOR QUE O DO IPHONE X?

Além de detectar mais pontos do que os modelos tradicionais de reconhecimento facial, a tecnologia da FullFace não utiliza a cartilagem como referência, apenas a estrutura óssea, permitindo 99% de precisão. “Se você estiver de óculos, barba, maquiagem ou até mesmo tiver feito uma cirurgia plástica, isso não vai fazer diferença”, diz Danny. Dessa maneira, diz, o software diferencia facilmente até gêmeos, em 0,05 décimos de segundos, e evita que alguém tente usar um retrato para enganar o sistema, pois não reconhece imagens chapadas.

Um detalhe: escolher pontos superficiais do rosto como base foi justamente o erro da Apple no novo Iphone X, que usa a biometria facial do usuário para desbloquear a tela do celular. Uma empresa vietnamita conseguiu enganar o dispositivo com o uso de uma máscara que simulava as feições do usuário.

Outro diferencial que os sócios destacam é que a FullFace não cria banco de imagens. As fotos tiradas no reconhecimento são automaticamente transformadas em um código numérico, armazenado na nuvem. Para confirmar a identificação de uma pessoa, uma nova captação é feita e o programa compara as sequências do ID facial. “Se alguém, por exemplo, roubar nosso banco de dados, conseguimos garantir mais privacidade, pois não terá nenhuma imagem lá”, diz o CEO.

Os clientes não precisam de uma base gigante para guardar os dados cadastrados. Afinal, números ocupam menos espaço do que imagens. Da mesma forma, a aquisição de hardwares sofisticados (como no caso da leitura de íris, este o “trunfo” de marketing do Galaxy S8, da Samsung) também foi dispensada. Danny fala sobre isso:

“Nosso software de reconhecimento facial roda em qualquer smartphone, tablet, câmera ou webcam”

A proposta também é interferir o mínimo na rotina dos usuários. “Na biometria digital, é preciso colocar o dedo em um dispositivo, perder tempo para, muitas vezes, não se obter a leitura, já que 10% da população mundial não têm impressões digitais. Fora a possibilidade de fraudes, usando dedos de silicone.”

COMO TRANSFORMAR TECNOLOGIA EM UM PRODUTO RENTÁVEL

A startup atua em duas frentes: a assinatura do serviço ou encomenda de projetos customizados. No entanto, os fundadores quebraram a cabeça para chegar a esse modelo de negócio. Antes, queriam criar um aplicativo para cada cliente, mas perceberam que dessa maneira nunca conseguiriam escalar. Optaram, então por vender apenas o software. A cobrança depende do volume da taxa de transações realizadas usando o reconhecimento facial. Atualmente, o sistema da FullFace efetua 200 mil delas por mês.

Danny e José falam que a tecnologia é aplicável de muitas maneiras: desde controle de entrada e saída em ambientes, ponto remoto, abertura de conta corrente, monitoramento em estádios de futebol até identificação de suspeitos (nesses últimos dois casos, a FullFace compara as imagens capturadas em vídeos com os IDs que já possui no sistema).

Atualmente, a startup tem dez clientes ativos. Em 2017, reporta um faturamento de 2,5 milhões de reais. Entre as empresas que usam o sistema estão o próprio Cubo, a Serasa Experian, o Itaú e a Motorola. O mais novo cliente é a Gol, que se tornou, em junho, a primeira companhia aérea do mundo a adotar o reconhecimento facial para agilizar o check-in.

O passageiro só precisa instalar o app e tirar um selfie para confirmar o embarque. Em menos de um mês da implantação, quase 30% dos check-ins tinham sido realizados dessa forma.

Apesar de a tecnologia ser muito procurada para a prevenção de fraudes, os sócios enxergam uma funcionalidade que vai além: melhorar a experiência do cliente. “Ainda queremos chegar a um segundo passo, o de relacionamento. De você entrar em uma loja, ser atendido pelo nome, receber descontos personalizados, etc”, diz o CEO.

PRECONCEITO COM O “MADE IN BRAZIL” E O PROBLEMA DA TIMIDEZ

Agora a meta dos sócios é viabilizar o sistema para a área educacional. Há dois meses, o Ministério da Educação e Cultura definiu novas regras para o credenciamento de instituições de ensino superior, permitindo que além de os cursos serem online, as provas sejam realizadas remotamente – desde que as escolas garantam a identificação dos alunos. “Fechamos uma parceria com uma grande empresa e, a partir de 2018, passaremos a atuar também nesse universo”, diz Danny.

Pouco a pouco, a startup conquista espaço e o mercado compreende melhor o seu serviço. Embora já pense em dar os primeiros passos para a internacionalização, o CEO confessa que, no começo, foi difícil provar que uma tecnologia feita em território nacional valia o investimento:

“O mercado brasileiro olha pouco para dentro. Quando se fala de uma tecnologia proprietária, as pessoas logo pensam em comprar algo dos Estados Unidos”

Os prêmios recebidos e o aval de grandes empresas garantiram mais autoconfiança. Agora, falta os sócios perderem a timidez e mostrarem a própria cara. “A gente começou a empresa muito low profile, focados em trabalhos por indicação. Só esse ano começamos a participar mais de eventos e isso é essencial para conquistar o mercado.”

UM FUTURO INCERTO OU MAIS SEGURO?

Enquanto os radicais acreditam que a biometria limitará cada vez mais a privacidade das pessoas — podendo ser usada como instrumento de vigilância do Estado —, os empreendedores veem a tecnologia numa ótica mais positiva. “A gente já não vive um Big Brother, com nossas imagens coletadas o tempo todo? Por que não usar isso de forma proativa para a segurança?”, questiona Danny.

De fato, muitas percepções ainda precisam evoluir, inclusive, o funcionamento desse tipo de recurso. “O modelo biométrico utilizado hoje em 90% das organizações baseia-se em estudos do final do século XVIII e início do XIX”, afirma José. Ele calcula que no mundo existam aproximadamente cinco mil fornecedores de biometria facial — mas menos de dez, diz, possuem uma tecnologia própria como a FullFace.

Para ele, a popularização desses recursos está mais próxima do que se imagina. Antes, ele estimava isso para daqui seis anos. Agora, já acredita que levará apenas três. Com o rápido avanço tecnológico, o que virá depois ainda é uma incógnita. Como já acertou tendências, a ficção pode dar algumas sugestões. Alien: a Ressurreição, de 1997, mostrava a identificação pela respiração. Já no recém-lançado seriado O Justiceiro, a forma de andar da pessoa permite que ela seja reconhecida. Aguardemos, de olhos bem abertos.

FONTE: DRAFT