Na indústria jornalística, a disrupção já acontece há certa de duas décadas. No domingo passado, uma cidade no interior do estado de São Paulo passou pelo efeito disruptivo na prática. A cidade de Jaú, localizada a 296 km da capital do estado, com população estimada de 148 mil habitantes (IBGE 2018), recebeu a última edição do único meio de comunicação impresso de toda a região, o centenário jornal Comércio do Jahu.
Com 110 anos, o Comércio do Jahu é o 15° jornal da história do Brasil e nasceu quando a cidade de Jaú ainda tinha o “h” no nome. O “Comércio”, como era carinhosamente chamado, contou a história política do país desde a República Velha, Revolução Constitucionalista de 1932, ditadura militar, redemocratização e dias atuais.
O Comércio também retratou todos os planos econômicos, do Primeiro Real (até 1942) ao Real (a partir de 1994). Toda a dinâmica econômica da região, desde o ciclo áureo do café, industria calçadista, monocultura da cana e setor de serviços estiveram nas páginas do jornal.
Mais do que sua grandiosa história nacional, o Comércio era o único meio de comunicação impresso a cobrir o cotidiano diário da cidade. As histórias locais dos moradores, política local, assistência social, vagas de emprego e os classificados. O Comércio também cobria os shows, eventos, variedades e tudo o que ocorria na cidade. No esporte, as jornadas do XV de Jaú(time de futebol da cidade) e dos novos talentos.
Com a última edição do centenário jornal nas bancas, encontramos o fenômeno da disrupção em prática. Para começar, precisamos entender o motivo do fechamento. Para isso, entrevistamos a gerente comercial do jornal, Andreza Perez. Veja as respostas abaixo.
Qual a sua relação com o jornal?
Eu mudei para Jaú no ano 2000 e uma semana depois comecei a trabalhar no jornal. Passei por quase todos os departamentos, com exceção da redação. São 19 anos de trabalho dedicados ao jornal e a gráfica Comércio do Jahu.
Qual era a tiragem?
O jornal tinha uma tiragem de 4 mil exemplares por dia. Uma média de 8 a 10 leitores por exemplar, aproximadamente 50 mil leitores por dia.
E o custo?
O custo para impressão de 4 mil exemplares em versão standard era de 2 mil reais por dia. Papel, chapa e tinta, o Brasil é o maior produtor de celulose do mundo e nós importávamos insumos do Canadá, China e Estados Unidos para poder fazer o jornal. O custo da mídia impressa é infinitamente superior a qualquer outro meio de comunicação.
O jornal não acompanhou a tecnologia?
A discrepância de valores e velocidade entre a mídia impressa e digital é muito grande. Fora isso, outros veículos de comunicação da cidade, tanto radiofônico como digital, utilizavam o jornal como fonte de matérias para eles. O crédito atribuído na republicação ou compartilhamento não retorna em forma monetária.
O que deu errado?
Muitos empresários e cidadãos jauenses lamentam mas também nunca foram parceiros para anunciar, assinar ou comprar o jornal nas bancas. Pelo fato de sermos a única mídia impressa diária de Jaú e região, acreditavam que os valores cobrados muitas vezes eram abusivos mas na verdade não tinham conhecimento dos altos custos para sua produção.
Qual foi a reação da cidade com o fechamento?
A cidade está em luto e muito preocupada por estar sem voz. O Comércio era a credibilidade imparcial e investigativa de um jornal que é impresso, um documento histórico que não se apaga. Eu recebi milhares de mensagens de toda a cidade e independente do fechamento, eu saio de cabeça erguida, com a certeza de dever cumprido.
Para compreender o quanto afetou outros profissionais de comunicação, conversamos com dois deles que residem na cidade, para entender as consequências do fechamento.
“A TV Câmara Jahu produz diversos documentários e conteúdos históricos, sendo que o centenário Comércio do Jahu sempre foi uma das nossas principais fontes de pesquisa. Além das matérias de conteúdo factual, o Comércio trazia uma ampla bagagem intelectual, crítica e histórica em suas páginas”. Bruna Mano, jornalista da TV Câmara Jahu
”Saber do encerramento das atividades do jornal “O Comércio do Jahu”, não resultou apenas na surpresa e ao mesmo tempo indignação com o fato, mas também com a sensação de fracasso. Afinal de contas, nós como personagens da comunicação, vivemos tempos difíceis que nos causa uma inércia tão grande frente aos novos tempos.” Beto Cassolo, radialista da Rádio Piratininga Jaú
Após o feedback dos profissionais de comunicação, procuramos assinantes e leitores para comentar a mudança de rotina na comunicação dos moradores da cidade.
“Uma grande parcela dos idosos que residem em Jaú, tinham como hábito pegar o jornal na garagem de manhã. Esses idosos não tem conhecimento e prática para utilizar um smartphone no dia a dia, muito menos para pesquisar e distinguir a verdade da mentira na internet. A geração de idosos é mais prejudicada”. Salvador Almeida, Funcionário Público
“O que está escrito permanece, mas viramos essa página. Na era da informação, qualquer texto que ultrapasse 240 caracteres são muito para prender a atenção. O jornal, a rotina, a fotografia, as impressões se foram, mas a história continua passando diante dos nossos olhos como as águas do rio.” Gustavo Messenberg, Educador
Para finalizar, fomos recebidos pelo proprietário de uma premiada agência da cidade, que comentou a perda como resultado de muitas mudanças ocorridas na região desde o fim da década de 90. Para o especialista, o encerramento do jornal abre uma lacuna sem precedentes na cidade.
“Esse mundo da comunicação imediata é muito vorás. O Comércio tinha que, lá atrás, estar se moldando às novas tecnologias. Mas será que para Jaú seria o suficiente? Não sei dizer ao certo. Seus anúncios perderam força, seu produto ficou obsoleto. Seu valor decaiu. Isso é fatal para quem não se encontra. O Comércio se perdeu. Jaú perde! A comunicação perde.” Cesar Mantovanelli. Publicitário, Sócio da Agência Only!
Como podemos observar, o ponto crítico da disrupção é exatamente o que a cidade de Jaú vive hoje. As consequências de perder o único meio de comunicação impresso da cidade inclui: comunicação de órgãos oficiais, campanhas de saúde, vacinação, segurança, meio ambiente, educação e principalmente, do princípio democrático.
De acordo com Paulo Francisco Borges Junior, assessor da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, a cidade de Jaú tem aproximadamente 19.000 idosos acima de 60 anos. O último balanço do IBGE, apresenta um índice de desenvolvimento humano de 0,778 (cresceu 50% nos últimos 20 anos). Uma parte da solução da disrupção é a inclusão digital para todas as gerações, a outra é criar um um novo meio de comunicação digital com imparcialidade e credibilidade.
FONTE: JORNAL 140