CVM publica novo ofício sobre tokens de recebíveis para esclarecer dúvidas do mercado

Regulador explicou diferentes entre ofertas de securitização ou contrato de investimento coletivo e falou sobre opção de crowdfunding.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou nesta quarta-feira, 5, um novo ofício que busca esclarecer algumas dúvidas do mercado após a publicação de um ofício anterior, em abril, sobre o enquadramento de tokens de recebíveis, também conhecidos como tokens de renda fixa, como valores mobiliários. A nova publicação foi produzida após encontros do regulador com empresas do setor.

No documento, a CVM destaca que um ofício circular não tem um caráter de regulamentação e criação de regras, mas apenas compartilha a visão da autarquia sobre um determinado tema, ajudando a reduzir dúvidas de agentes do mercado. O regulador destacou que publicou o primeiro ofício após estudar o tema devido a solicitações que partiram do setor privado.

Um dos pontos ressaltados pela autarquia é que “o fato de um ativo ser desenvolvido ou ofertado digitalmente, por meio criptográfico ou baseado em tecnologia de registro distribuído, é irrelevante para o seu enquadramento como valor mobiliário”. Por isso, o foco do regulador foi em outros aspectos da criação e comercialização desses tokens, e não na característica cripto em si.

Outro ponto citado é que o propósito do ofício de abril “não foi o de debater a tecnologia utilizada nas emissões, mas sim de trazer clareza de que determinadas modalidades de investimento em direitos creditórios podem se caracterizar como valores mobiliários quando ofertadas publicamente”. Nesse sentido, o novo ofício busca “orientar”,  e não regulamentar.

“Esta área técnica entende que a ‘tokenização‘ é um processo de representar digitalmente um ativo ou a propriedade de um ativo, o que facilita a sua distribuição para investidores. Portanto, quando é ofertado publicamente um token que represente contrato de investimento coletivo em recebíveis (i.e.: tokens de um instrumento de cessão), ele poderá ser considerado um valor mobiliário lastreado no crédito ou no direito creditório”, explica o novo documento.

Em entrevista coletiva à imprensa, incluindo à EXAME, Bruno Gomes, superintendente de Supervisão de Securitização da CVM, destacou que o objetivo principal do novo ofício é complementar orientações. Ele vê os tokens de recebíveis como “uma modalidade de investimento que está nascendo para um público grande de investidores, em renda fixa”, mas com características de valor mobiliário. Ele avalia que a tecnologia acabou tornando mais fácil o acesso a ofertas que já eram consideradas como valores mobiliários, portanto a definição se mantém.

“Todo esse discurso de que a tokenização elimina intermediários, os intermediários do mercado de capitais não existe à toa. Se o modelo é de valor mobiliário, tem a lei, não consigo eliminar os intermediários, precisa trazer o modelo para a lei e, se for o caso, mudar a lei mais à frente, mas não pode construir um modelo marginal à lei”, afirmou o superintendente.

“Quando dá problema é que a função do intermediário aparece. A tecnologia ajuda na distribuição, mas ela sozinha vai substituir todos os prestadores de serviço ou não? Isso está sendo discutido e avaliado, e se concluído que sim, precisa ser um dado na lei’, defendeu.

Luís Felipe Marques Lobianco, gerente de Supervisão de Securitização da CVM, também disse na entrevista que o novo ofício reúne o que “seria possível já tornar público via interpretação da superintendência, sem manifestação do colegiado, com alguma dispensa específica ou alteração de normas”. Ele ressalta que as operações “tem que seguir o que está na lei”, e que a autarquia “não tem competência para interpretar de forma diferente”. “O objetivo é trazer segurança, mas para trazer segurança, ter controle, vai ter agentes trabalhando, intermediários”, pontua.

Competência da CVM

O novo ofício destaca que análises da CVM demonstram que “há captação de poupança popular via oferta pública de determinadas modalidades de investimento, caracterizadas como contratos de investimento coletivo, atraindo a competência desta autarquia” em alguns operações e ofertas de tokens de recebíveis.

Por isso, “entende-se que tais modalidades de investimento oferecem possibilidades de remuneração aos investidores, seja por meio do rendimento com juros ou pela aplicação de uma taxa de desconto com objetivo de proporcionar um ganho de capital”. Também foram identificados casos em que há expectativas de rendimento, de ganho de capital ou ambos, e esforço do empreendedor ou de terceiros na “estruturação da oferta pública ou na formatação e cálculo da remuneração que será oferecida”.

Essas características estão entre as analisadas pela CVM atualmente para enquadrar um ativo como valor mobiliário. Ao mesmo tempo, o regulador afirma que o ofício de abril foi “propositalmente genérico ao afirmar que determinadas estruturas ‘podem’ ser caracterizadas como valores mobiliários”. Atualmente, “cabe aos ofertantes de investimentos avaliar a aderência total ou parcial de suas ofertas às orientações […] de forma a concluir pela necessidade ou não de se submeterem à regulação desta autarquia”.

Na visão do regulador, o mercado de tokenização de ativos cresceu a partir de 2022, com empresas criadas para atuar na tokenização de direitos creditórios, os chamados tokens de recebíveis. Com isso, a autarquia passou a receber diligências e consultas sobre o tema, que resultaram nos ofícios.

Como uma alternativa ao setor, a CVM estabeleceu que as ofertas de tokens de recebíveis que forem valores mobiliários poderiam seguir as regras do modelo de crowdfunding. A ideia, porém, rendeu críticas de participantes do mercado, que afirmam que falta uma solução adequada às especifidades do mercado de tokens e que a opção das regras de crowdfunding reduz parte das vantagens da tokenização, o que pode desincentivar o crescimento do mercado.

Nos casos de crowdfunding, o novo ofício esclareceu que “um patrimônio separado, que emita valores mobiliários através de companhia securitizadora de capital fechado, pode ser equiparado a sociedade empresária de pequeno porte para todos os efeitos da Resolução CVM nº 88/22 e captar até R$15 milhões por ano para o mesmo patrimônio separado. Sobre o limite de investimento por investidor, o art. 4º da Resolução CVM nº 88/22 estabelece o teto de R$ 20 mil por ano calendário para investimentos realizados por investidores em geral”.

Lobianco disse que, em sua visão, as exigências de crowdfunding e securitização não inviabilizam a oferta do token, e que “cabe ao mercado fazer da forma mais barata, mas se adequando à lei”. Já Bruno Gomes afirmou que “o mercado está buscando se adaptar ao modelo de crowdfunding. O caminho que foi dado, parece ser o caminho que estão buscando adotar, de ofertar os tokens de recebíveis dentro do modelo”.

Um esclarecimento que o ofício já foi capaz de trazer foi a permissão para a plataforma de crowdfunding já operar como securitização, o que facilita o processo. Além disso, as regras de limites de oferta no crowdfunding valerão por patrimônio apartado, em cada token.

Ele destacou que a superintendência vai levar alguns temas para o colegiado da CVM, o que pode render outros ofícios e interpretações. Entre os pontos que devem ser levados estão aspectos como exceção ao parecer 88, elementos de mercado secundário ou alterações no modelo de crowdfunding, como limites maiores. Nesse sentido, ele acredita que a própria vinda das tokenizadoras para esse modelo pode “provocar” a CVM a analisar possíveis mudanças nesse modelo, que valeriam para outras operações envolvendo renda fixa, com normas intermediárias.

Securitização ou contrato de investimento?

Um dos pontos criticados pelo mercado é que o primeiro ofício não distingue as ofertas de tokens de recebíveis entre ofertas de securitização ou de contrato de investimento coletivo. Por isso, não ficou claro quais ofertas se enquadrariam nas modalidades e, no caso da securitização, precisariam seguir as exigências do regulador sobre o tema.

Com o novo ofício, a CVM busca esclarecer essa dúvida. Ela apresenta cinco casos em que uma oferta de token não seria uma operação de securitização:

  1. Quando há oferta pública de um único direito creditório, via instrumento de cessão ou outra modalidade, sem coobrigação ou outra forma de retenção de risco pelo cedente ou por terceiro;
  2. Quando o fluxo de caixa do direito creditório flui diretamente para os investidores, com a mínima interferência do cedente ou de terceiros para viabilizar o repasse do fluxo;
  3. Quando não há mecanismos predeterminados para a substituição, recompra ou revolvência do direito creditório cedido, nem qualquer coobrigação pelo adimplemento do contrato de investimento coletivo ofertado;
  4. Quando não há prestadores de serviço previamente contratados, como, por exemplo, os equivalentes aos de custódia, escrituração, depositário, agente fiduciário, cobrança ordinária do direito creditório ofertado ou serviço de monitoramento ou acompanhamento; ou seja, não houve um “empacotamento” do direito creditório com serviços, mas sim a venda direta; e
  5. Quando, em caso de inadimplência, cabe ao investidor adotar as medidas de cobrança judiciais ou extrajudiciais, podendo o investidor, diretamente as suas expensas, contratar agentes de cobrança

Nesses casos, não é preciso seguir as regras de securitização, como contratar os serviços de uma securitizadora. Entretanto, um contrato de investimento também é um valor mobiliário, e portanto precisa seguir as demais regras sugeridas pelo regulador.

“A operação de securitização geralmente se caracteriza pela: (i) aquisição de direitos creditórios por um veículo; (ii) a emissão de títulos por esse veículo lastreados nos direitos creditórios; e (iii) a vinculação do pagamento do título ao recebimento dos direitos creditórios. Não necessariamente nessa ordem, pois, geralmente, os investidores realizam o aporte para que haja a aquisição dos direitos creditórios pelo veículo”, explica o novo ofício.

“No caso dos tokens de recebíveis, pode haver a operação de securitização quando há aquisição de direito creditório para a emissão de um valor mobiliário, no caso o contrato de investimento coletivo, e a vinculação do pagamento do contrato ao recebimento dos direitos creditórios”, diz a CVM.

CCB, CCCB e CCI

Outra dúvida do mercado esclarecida pelo novo ofício é que ofertas de tokens de Cédula de Crédito Bancário (CCB), Certificado de Cédula de Crédito Bancário (CCCB) ou Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) não são enquadradas como ofertas de valores mobiliários, já que esses ativos não estão sob competência da CVM. A única exceção descrita é quando a oferta envolve uma “oportunidade de investimento em uma ‘cesta’ lastreada em títulos de responsabilidade de instituição financeira”.

Nesse caso, “entende-se que pode restar caracterizada a existência de contrato de investimento coletivo ou de uma operação de securitização, ou seja, de um valor mobiliário sujeito à competência desta autarquia”. A CVM destaca, ainda, que está aberta para esclarecer dúvidas do mercado e que o ofício não impõe regras, mas busca trazer clareza regulatória ao setor.

FONTE:

https://exame.com/future-of-money/cvm-novo-oficio-tokens-recebiveis-esclarecer-duvidas-mercado/