O programa secreto quer tornar os satélites em fontes de informação em tempo real e ferramentas de previsão
Nas últimas décadas, o uso de imagens de satélites se tornaram comuns para governos monitorarem determinadas áreas. Mas e se, além de fotos, um software pudesse coletar imagens em tempo real e automatizar o cruzamento de dados? Essa é a proposta do Sentient, programa secreto da inteligência norte-americana, em desenvolvimento desde 2010 pela Agência Nacional de Reconhecimento (sigla em inglês: NRO), responsável pelo design, aquisição e operação de satélites de reconhecimento.
“O Sentient cataloga padrões normais, detecta anomalias e ajuda a prever e modelar os possíveis cursos de ação dos adversários”, diz Karen Furgerson, chefe de gabinete de Relações Públicas da NRO, ao The Verge. Dessa forma, o programa de inteligência artificial (IA) poderia usar os sensores dos satélites para analisar uma área específica e no momento certo.
Os detalhes do Sentient continuam sob sigilo e despertam dúvidas sobre para o que seria usado exatamente, e se respeita a privacidade dos cidadãos. Alguns fatores apontam para onde o programa tem caminhado.
Desde sua criação, em 1961, a NRO tem 50 dos 150 satélites do governo norte-americano atualmente em órbita. Para além das suas próprias imagens coletadas, nos últimos anos, a agência fechou contratos com Maxar, BlackSky e Planet, três empresas privadas de satélites. A Maxar há muito tempo vende à NRO imagens de seus satélites de alta resolução.
Isso significa que o Sentient pode estar sendo “alimentado” com a combinação de todos os dados coletados pelas empresas e pela agência – o que resultaria em uma quantidade impressionante de informação, muito mais do que humanos poderiam analisar. Nesse ponto entra o software. “O Sentient visa ajudar os analistas a ‘conectar os pontos’ em um grande volume de dados”, diz Furgerson.
Não é possível saber como exatamente está sendo feito esse processo. Mas, para Steven Aftergood, pesquisador da Federação de Cientistas Americanos e diretor do Projeto de Sigilo Governamental, o sistema pode incluir o uso de “interceptações eletrônicas de comunicações internacionais”, “imagens anteriores” e “fontes humanas”.
Já para Allen Thomson, analista aposentado da CIA, o Sentient usará “todas” as fontes de informação. “Isso pode incluir dados financeiros, informações meteorológicas, estatísticas de remessa, informações de pesquisas no Google, registros de compras de produtos farmacêuticos e muito mais”, diz.
O Sentinent tem capacidade para coletar esse volume de informação. A BlackSky, uma das empresas que fechou parceria com a NRO, por exemplo, tem 25 satélites em órbita, mais de 40 mil fontes de informação, 100 milhões de celulares, 70 mil navios e aviões, oito redes sociais, cinco mil sensores de meio ambiente e milhares de dispositivos de internet das coisas (IoT).
Segundo Scott Herman, CTO da empresa, a BlackSky funciona por meio de um “motor de fusão analítica gigante”. Ou seja, o seu sistema programa os satélites para determinadas funções e alerta analistas humanos sobre quando eventos atendem a determinados critérios predeterminados.
Aliás, a mão de obra humana, é peça fundamental do Sentient. Segundo a NRO, as pessoas são fundamentais para monitorar a performance do algoritmo. “O Sentient é o aprendizado de máquina para máquina com auxílio humano”, afirma Furgerson.
Com esse poder de acesso a dados, surgem algumas dúvidas. A primeira é se a IA que está sendo desenvolvida leva em conta possíveis vieses ou até mesmo pequenas diferenças, como entre a palavra “bomba” e a frase popular “essa é a bomba” (em inglês significa algo incrível).
Outro ponto importante é quem a NRO vigiaria com o Sentient. Hoje, os satélites de espionagem da agência são usados principalmente para monitorar locais para além da fronteira dos Estados Unidos. Segundo o pesquisador Aftergood, o mesmo deve acontecer com o software de IA. “Sob o regime estatutário existente, o reconhecimento orientado do Sentient não deve ocorrer nos EUA”, diz.
No entanto, o Sentient pode ter uma brecha para também atuar em solo americano. As leis existentes que protegem os cidadãos norte-americanos dizem respeito a restrição de espionagem pelo governo. Mas as parcerias com empresas possibilitariam que o
Sentient possa usar o software para quem e onde quiser.
A NRO não quis comentar ao The Verge sobre essas questões. “O que eles fazem com isso deve, de alguma forma, deve ter o propósito de ser para uma missão”, diz Aftergood. “Eles não deveriam estar bisbilhotando por bisbilhotar.”
FONTE: ÉPOCA NEGÓCIOS