Conexão 4G e nanotecnologia mudam realidade das fazendas

Agropecuária moderna aponta para um cenário em que o campo terá mais dados, melhor gestão e eficiência no uso de insumos

Uma lavoura que gera informação o tempo todo, com dados disponíveis on-line e geridos dentro de uma sala de controle. Esse é o cenário na Usina São Martinho, no município paulista de Pradópolis. É uma das maiores operações de cana-de-açúcar do mundo e, desde meados de 2019, também uma das mais digitais.

Os 130 mil hectares de cana da São Martinho foram cobertos com uma rede de internet privada, com tecnologia 4G. O investimento foi de cerca de R$ 60 milhões, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiou um pacote de projetos específicos para a agricultura digital. Tratores, colhedoras, sensores meteorológicos e até armadilhas para pragas passaram a contar com antenas de internet para transmitir informações da lavoura até o chamado COA (Centro de Operações Agrícolas). Ali, funcionários se revezam 24 horas por dia, sete dias por semana, para dar suporte às operações de campo e gerir as decisões que devem ser repassadas para as frentes de trabalho.

No computador, em frente ao operador Frank de Mello, estão imagens de 14 câmeras de vídeo espalhadas pela área da usina. É como numa sala de monitoramento de trânsito nas grandes cidades. Só que aqui as câmeras buscam, em geral, princípios de queimadas que podem destruir a lavoura.

Antes da chegada do 4G, não era possível transmitir imagens em tempo real dentro da  fazenda e, por isso, o próprio Frank trabalhava de binóculo em uma das torres, de 15 metros cada, usadas para vigiar a plantação. “Lá na torre, eu tinha noções da área quase toda, mas não era com essa precisão que tenho hoje”, conta Mello.

Revolução Digital

“É uma evolução na maneira de fazer gestão”, afirma o diretor de operações corporativas Agenor Cunha Pavan. “Nossos gestores discutem os dados de maneira muito diferente e passamos a ter uma resposta muito mais rápida, além de ter um banco de dados com os resultados.” Nos primeiros quatro meses com 4G na lavoura, a média de colheita da usina passou de 948 toneladas para 1.000 toneladas por dia por máquina.

A expansão da internet nas zonas rurais, nos últimos anos, é citada como um dos principais motores para a chegada de novas tecnologias ao campo. Entre 2006 e 2017, o Censo Agropecuário registrou um aumento de quase 20 vezes no número de propriedades rurais com acesso à rede. A conexão, que antes alcançava 75 mil produtores, na última pesquisa atingiu 1,4 milhão de propriedades. Ainda é  pouco: representa só 28% do total dos imóveis rurais, mas já é o suficiente para abrir o que a chefe da Embrapa Informática Agropecuária, Silvia Masruhá, chama de revolução digital. “Ela está acontecendo em vários setores da economia: na área da saúde, de cidades inteligentes, financeira. Na agricultura  não poderia ser diferente”, diz.

A unidade dirigida por Masruhá é responsável por criar soluções de informática para o mundo rural. Cuidam, por exemplo, do Zoneamento Agrícola de Risco Climático, o Zarc, que produz milhares de informações anualmente sobre as janelas de plantio de cada cultura. Essa ferramenta já existia e agora está, também, em um aplicativo de celular – o Plantio Certo –, na palma da mão do agricultor. É um dos mais de 40 aplicativos gratuitos criados pela Embrapa. “Para aumentar a produtividade, com pouca expansão de área, conservando os recursos naturais para as gerações futuras, é preciso agregar novas tecnologias. Aumentar a produção de modo sustentável, do ponto de vista econômico, ambiental e social. ”, completa Masruhá.
Se na fazenda de cana a revolução está no acesso à internet, que facilitou a captação de milhares de dados, em uma produção de frutas a chave para um futuro mais eficiente pode estar, também, na nanotecnologia. Essa ciência, que lida com moléculas quase invisíveis, criou uma emulsão a partir de cera de carnaúba.

No Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio, da Embrapa, sediado em São Carlos (SP), a bióloga Marcela Miranda explica que, quando aplicada em frutas, essa película nano “cria um filme e consegue diminuir o oxigênio que entra e aprisionar o gás carbônico que sai”. Ao impedir a troca de gases, a tecnologia retarda o amadurecimento dos frutos. Pelos testes realizados em laboratório, a cera nano é mais eficiente que o produto convencional já usado comercialmente.

No mesmo laboratório, instituições de pesquisa de todo o Brasil se unem em torno de tecnologias para o agronegócio. Há pesquisas na área de veterinária, com o desenvolvimento de fibras que aceleram cicatrizações e, até mesmo, a criação de ossos impressos em 3D, que podem revolucionar o tratamento de animais.

O engenheiro e pesquisador em nanotecnologia José Manoel Marconcini acredita que, cada vez mais, o produtor rural vai ter diferentes ferramentas à disposição para aplicar no campo. “Quando a gente juntar nanotecnologia, biotecnologia, ciências da informação, internet das coisas e mais as ciências cognitivas, tudo isso junto vai construir um novo tipo de agricultura. O consumidor vai ter rastreabilidade e saber melhor o que está comendo.”

Um exemplo do sucesso do uso da tecnologia é a propriedade da família Tsuge, em São Gotardo (MG). Na década de 1970, quando o patriarca, Naohito Tsuge, chegou à região, a ciência buscava ferramentas para plantar no Cerrado, melhorar o solo e criar opções mais amplas para famílias que buscavam renda no campo. Hoje, pelas mãos de um dos filhos, Paulo Tsuge, a produção de abacates absorve novas técnicas em busca de maior produtividade, com eficiência no uso de recursos. “Eu acredito que vamos conseguir ter melhor produtividade e ficar menos vulneráveis às  tantas variáveis que a gente tem hoje.”

Por meio de uma rede de internet privada, a empresa monitora de perto dados de irrigação do abacate, informações sobre o clima e até o manejo de pragas. Com um tablet em mão, os técnicos de campo vistoriam a lavoura em busca da broca-do-abacate, uma das principais pragas da cultura. Quando encontram, lançam o dado no pequeno computador, que é georreferenciado. O resultado é um mapa preciso de infestação que permite ao produtor ser preciso na reação. Os Tsuge reduziram o uso de agrotóxicos em 15% aplicando insumos pontualmente, além de adotarem ferramentas de controle biológico.

A produção está bem, diz a família. Investem  em variedades de abacate para exportação e, aos poucos, deixaram todos os pés de café no passado. O produto que sai da fazenda é todo rastreado e conseguiu acesso a mercados exigentes, como o europeu. Além de comemorar os bons negócios, seu Naohito arrasta o sotaque japonês e acha graça comparando as mudanças que viu nas últimas décadas. “Quando chegamos aqui, telefone ainda precisava pedir pro central (sic) e central falava: ‘Quando conseguir ligação a gente chama’. Hoje, faz chamada de vídeo e recado vai por WhatsApp, a qualquer hora da noite.”

FONTE: GLOBO RURAL