Companhias de RH fazem parcerias com startups.

Décadas de vida e marca consolidada não garantem mais a perenidade de uma empresa. Sobram exemplos. Puxando da memória, rapidamente surgem casos como Blockbuster e Blackberry, para citar apenas dois. O que faltou a essas companhias? Olhar atentamente as mudanças de mercado e inovar. Elas pararam no tempo, e não se reinventaram em um cenário que muda cada vez mais rápido.

Pegando a direção contrária dos exemplos citados acima, algumas empresas tradicionais de recursos humanos, com décadas de mercado e marcas consolidadas, vêm se aproximando de startups justamente para se reinventar.

É o caso, por exemplo, da Cia de Talentos, consultoria especializada na seleção e desenvolvimento de talentos fundada há 30 anos. Recentemente, a empresa colocou no mercado um novo projeto, chamado Bettha. Trata-se de uma plataforma com ferramentas on-line para que jovens profissionais trilhem uma jornada de autoconhecimento. “O Bettha pré-avalia e pré-qualifica o jovem, para depois fazer um ‘fit’ entre o perfil do profissional e das empresas”, explica Maira Habimorad, CEO da Cia de Talentos.

Em síntese, a plataforma faz o que empresas de recrutamento já fazem, só que de forma on-line, agregando uma jornada de capacitação e com apoio da tecnologia para ser mais assertiva. “Em teoria, o Bettha pode substituir o que a Cia de Talentos faz, e tudo bem se essa for a direção, queremos fazer parte disso”, diz Maira. “É um ato de humildade entender que é hora de aportar mais tecnologia e atender uma quantidade maior de jovens.”

Para lançar o Bettha, no ar desde setembro após uma fase de validação em que mais de 20 mil jovens usaram a plataforma para calibrar o algoritmo, a Cia de Talentos contou com a parceria da aceleradora Move2.

O diálogo com as pequenas empresas inovadoras, no entanto, começou anos antes, em 2012, com o nascimento do programa Open Innovation na área de inovação da consultoria. Desde então, a Cia de Talentos firmou parceria com seis startups e participou da fundação de outras quatro. No total, a empresa investiu até hoje cerca de R$ 10 milhões nesses projetos. “A inciativa surgiu da certeza de que o mundo e o nosso mercado estavam mudando e, diante disso, queríamos preservar a nossa essência, mas sabíamos que era hora de reinventar o negócio”, explica Maira.

Quando abre o processo de diálogo com uma startup, a Cia de Talentos segue três etapas. O primeiro passo é a aproximação. “Temos o privilégio de ter uma marca forte no mercado, o que faz com que muitas startups nos procurem diretamente”, conta Maira. Se a conversa segue adiante, a próxima etapa é a fase de criação do protótipo e do piloto. Por fim, após uma análise da fase anterior, acerta-se uma parceria formal, que pode ser no formato de joint venture, produtos compartilhados ou sociedade em uma nova empresa. “Apoiamos de várias formas, com financiamento, mentoria e know-how para o desenvolvimento de produtos e serviços.”

A multinacional holandesa Randstad, especializada em soluções de recursos humanos, também vem se aproximando das startups. Em 2014, a empresa criou o Randstad Innovation Fund, um fundo com € 50 milhões para investir em startups de recursos humanos que agreguem valor ao negócio da multinacional. “É uma forma de um gigante se aproximar do movimento de inovação que existe na área de RH”, afirma Jorge Vazquez, presidente da Randstad no Brasil.

O fundo da companhia, que investe entre € 1 milhão e € 3 milhões em cada projeto, ainda não fechou negócio com nenhuma startup brasileira. Até hoje, fez 11 aportes com participação em parte do capital e adquiriu a totalidade de duas empresas. “Vemos potencial no Brasil, porque o ecossistema de startups é relevante”, diz Vazquez.

No processo de inovação, a associação de grandes empresas com startups é apenas a ponta do iceberg, segundo Pedro Waengertner, fundador da aceleradora Ace. Há cerca de três anos, a Ace percebeu que, além de acelerar pequenas empresas, poderia apoiar as grandes em seus processos de inovação. Criou, então, um braço dedicado a isso e já atendeu 17 companhias com programas estruturados.

Na visão de Waengertner, é preciso, primeiro, preparar a grande empresa para trabalhar com uma startup, seja no modo de operar ou na parte burocrática. Isso porque quando se busca uma startup no mercado que tenha sinergia com o desafio da grande empresa, e decide-se que as duas vão trabalhar juntas para alcançar determinado resultado de negócio, aparecem diversos tipos de barreira nesse processo. Um exemplo simples? A forma de contratação. Multinacionais costumam exigir balanços financeiros do fornecedor. “São empresas em estágio inicial que nem sempre têm isso”, diz Waengertner. Outro ponto é trabalhar a mentalidade das equipes da grande empresa para que ajam de forma produtiva com uma startup. “Para contornar essas barreiras, criamos um método de capacitação dos influenciadores internos”, explica Waengertner. “As áreas de negócios das grandes empresas precisam pensar como startups para trabalhar com startups.”

Assim como a Cia de Talentos, a multinacional de recrutamento e seleção Korn Ferry também criou uma área interna de inovação. Batizada de Futurestep, a linha de negócio traz soluções de recrutamento ligadas a tecnologia. Algumas delas são desenvolvidas internamente e outras vêm de pequenas empresas. “Temos uma equipe que avalia as tendências de mercado, entende o diferencial do que existe por aí e o que agregará valor para a empresa”, afirma Gustavo Parise, diretor da Futurestep.

Recentemente, a Korn Ferry desenvolveu internamente uma ferramenta que usa inteligência artificial. O objetivo é agilizar e deixar mais assertivo o trabalho dos consultores de recrutamento. Segundo Parise, a eficiência do consultor aumentou cerca de 30% e o tempo de busca e avaliação dos candidatos caiu pela metade. “Agora, o que estamos fazendo, é agregar ferramentas de parceiros que podem ajudar o produto a evoluir.”

A prática de buscar inovações no mercado é uma constante na multinacional. Alguns anos atrás, o Hay Group, hoje uma linha de negócios da Korn Ferry, uniu-se a uma startup. A Talent Q, que havia desenvolvido ferramentas on-line de avaliação psicométrica, treinamento e serviços de consultoria, virou parceira da empresa em 2010. Dois anos depois foi comprada pelo Hay Group, que queria reforçar seu portfólio de ferramentas on-line. “Temos parceiros de tecnologia em diferentes países que fornecem ferramentas para facilitar o processo de entrevista, mapeamento e experiência de candidatos”, diz Parise.

Maíti Junqueira, gerente de desenvolvimento de talentos da LHH, também procura saber das tendências de mercado e o que as pequenas empresas estão criando. “É questão de sobrevivência estar atenta a isso”, diz.

Para ela, as parcerias são a melhor estratégia. “Acreditamos em soluções compartilhadas”, afirma. “Não faz sentido ter dentro da LHH uma equipe para desenvolver uma solução de big data, mas faz sentido ter parceria com empresas que fazem isso e agregam valor ao nosso negócio”, exemplifica.

Nesse sentido, há parcerias recentes firmadas pela LHH. Uma delas é com uma empresa de games. A solução com elementos de gamificação desenhada pela startup é usada nas trilhas de desenvolvimento de jovens aplicadas pela LHH. Outro exemplo é a parceria com uma startup que desenvolveu simuladores de empresas, agora usados pela LHH no desenvolvimento de gestores e futuros líderes. Ainda está em estudo uma potencial parceria com uma startup de big data.

Maíti diz que a LHH costuma ir em busca das inovações, frequentando o ecossistema das startups. As parcerias, por sua vez, normalmente são firmadas com empresas com no máximo quatro anos de vida. “Apesar de embrionárias, essas empresas desenvolvem tecnologias que podem agregar valor ao nosso negócio.”

Também em busca de aceleração de seu processo de inovação, a consultoria especializada em gestão estratégica de recursos humanos Career Center se aproximou da Integra, uma aceleradora de startups, para criar a Wave. O projeto, lançado em outubro de 2016, consiste em um ecossistema de negócios que reúne executivos, empresários e startups para desenvolverem suas carreiras e negócios. “A Career Center trouxe todo o seu expertise em gestão de carreiras de executivos, já a Integra aportou metodologias de mentoria de startups e de fusão e aquisição”, explica Karin Parodi, CEO da Career Center.

Mais recentemente, a Career Center fechou outra parceria com a startup Biz.u. “A empresa desenvolveu ferramentas de assessment inovadoras que cruzam a análise comportamental com indicadores do negócio”, diz Karin. “Esta parceria complementa o portfólio de ferramentas de avaliação da Career Center, pois se diferencia pelas análises que prevêem performances e o alinhamento de times.

Fonte: Valor Econômico, por Silvia Zamboni, 13.11.2017

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