Como suas curtidas, ‘parabéns’ e até cantadas dão credibilidade a fakes

Usuários reais parabenizam os falsos em seus ‘aniversários’, dando ‘reputação’ aos fakes | Ilustração: Kako Abraham/BBC

“Deborah Mendes” tem 2.440 amigos no Facebook. Sua foto de perfil tem 197 curtidas, com comentários de 22 homens: “linda e sensual”, “com todo o respeito… linda” e “que gata”.

É um dos perfis mais “bem-sucedidos” entre os mais de 100 identificados pela BBC Brasil em uma investigação sobre como funciona o mercado de fakes no Brasil.

Boa parte dos perfis falsos que consegue arregimentar grande número de seguidores reais usa uma estratégia que parece dar certo na busca por interações: a beleza estereotipada como isca, principalmente, para homens.

Além do expediente da beleza, outros perfis, tanto de homens quanto de mulheres, buscam construir essa “base de credibilidade”, que será útil quando o perfil for ativado para os serviços para os quais foi criado, por meio dessas interações.

Fazem pedidos aleatórios de amizade, curtem fotos de outros usuários, dão parabéns em aniversários e, em contrapartida, recebem curtidas e felicitações que criam uma “bagagem de vida” que, em uma primeira observação, criam a ilusão de que há alguém verdadeiro por trás da conta.

Ou seja, se você já aceitou como amigo no Facebook uma pessoa que não conhece, pode ter contribuído para fazê-la parecer mais real e seguir enganando outros usuários, em uma bola de neve favorável aos fakes.

O acesso ao perfil de “Deborah” foi fechado após o início da série Democracia Ciborgue, da BBC Brasil, da qual esta reportagem faz parte.

Sua atividade, arquivada pela reportagem, mostra a publicação de frases de efeito como: “Só quem está convencido de que mudar é o mais sábio e se sente com forças para a empreitada é que avança: ninguém muda para agradar os outros” e de dilemas do dia a dia como sua vontade de comer coxinha.

Perfil falso tem mais de 2 mil amigos no Facebook | Foto: Facebook/Reprodução

Atividade política

Desde 2012, “Deborah” fez publicações a favor de políticos como o ex-prefeito de Vila Velha (ES) Rodney Miranda (DEM), do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB) e do senador Aécio Neves (PSDB-MG) – todos negam ter contratado qualquer tipo de serviço que inclua o uso de perfis falsos. No Twitter, republicava postagens da página Lei Seca RJ, do empresário Eduardo Trevisan.

Captura de tela de perfil falso no Facebook
Image captionHomens elogiam foto de perfil falso no Facebook | Foto: Facebook/Reprodução

Mas “Deborah” não existe. Uma simples pesquisa no Google mostra a origem da foto de seu perfil em um banco de imagens disponíveis na internet.

Uma investigação da BBC Brasil, que deu origem à série de reportagens, identificou mais de uma centena de perfis falsos no Twitter e no Facebook. Esses fakes seriam ligados à empresa Facemedia, baseada no Rio e de propriedade de Eduardo Trevisan, e seriam criados para serem vendidos, principalmente, a campanhas políticas no Brasil ao menos desde 2012. Trevisan nega que sua empresa tenha criado perfis falsos (veja ao final deste texto a resposta de todos os citados).

A pessoa por trás do perfil de Deborah usa outra técnica para legitimá-la: promove interações suas com outros perfis fakes, possivelmente controlados pelo mesmo funcionário ou funcionária.

Ela tem uma “prima”, “Carolina Mendes”, que também usa uma foto disponível em bancos de imagens para “fakes” e que recebe comentários como “Lindíssima! Uma deusa! Uma princesa!”, “Lindinha. Tá descontraída” e “Que gata!”. O perfil tem 1.703 amigos e 95 seguidores no Facebook, e mais 134 no Twitter.

Captura de tela de perfil falso no Facebook
Image captionFoto de perfil de mulher falsa é elogiada por homens | Foto: Facebook/Reprodução

Para a pesquisadora Joana Varon, fundadora do projeto Coding Rights (direitos de programação), a “suscetibilidade dos homens de cair” nessa estratégia se dá a partir da mesma lógica usada por “propagandas de carros ou cerveja”, que representam “o processo contínuo de objetificação” da mulher.

Captura de tela de página que divulga fotos para fakes
Image captionFoto usado por fake vem de blog que divulga imagens para fakes | Foto: Google/Reprodução

Mariana Valente, diretora do InternetLab, centro de pesquisa em políticas de internet, observa que é “bastante comum que mulheres na internet recebam uma chuva torrencial de pedidos de amizade de homens desconhecidos”. Então, “faz todo sentido que homens não se sintam ameaçados ao receberem pedidos de amizade de mulheres desconhecidas”.

Além disso, diz, “usar fotos de mulheres consideradas desejáveis é um jeito de tirar proveito dos padrões não só de beleza, mas também do comportamento masculino comum de fazer referências à aparência física das mulheres sem qualquer constrangimento”.

Namoro entre fakes

Para dar autenticidade ao perfil de “Carolina Mendes”, houve até “namoro” entre fakes.

Os dois interagem entre si e publicam mensagens sobre políticos. A primeira postagem de “Daniel”, em 2014, fala que a “namorada” estava cantando um jingle de Aécio Neves (PSDB), então candidato à Presidência da República.

O PSDB, que pagou R$ 360 mil naquele ano para a empresa Facemedia para serviços de “marketing e comunicação digital”, nega que tenha pagado para a divulgação do político feita por perfis falsos nas redes. Não há evidências de que os políticos citados nesta e nas outras reportagens da série Democracia Ciborgue soubessem que poderiam estar pagando o serviço de fakes.

Captura de tela de perfil falso no FacebookDireito de imagemFACEBOOK/REPRODUÇÃO
Image captionPrimeira publicação de perfil falso Daniel Elilson, da plataforma Hootsuite, é sobre Aécio; única interação é com ‘namorada’, também fake

Em agosto de 2014, Daniel publicou uma foto dos dois “namorados” juntos.

A única pessoa que comenta a foto é a outra fake, a “prima” “Deborah Mendes”.

Captura de tela de perfil falso no Facebook
Image caption‘Namorado’ publica foto de casal que não mostra o rosto de nenhum dos dois | Foto: Facebook/Reprodução

A foto, que não mostra o rosto de nenhum deles, vem de um blog de “doação de fotos fake” de casais.

Mas diferentemente do perfil da “namorada”, o de “Daniel” não é tão bem-sucedido. Ele tem só 129 amigos na rede social. O perfil foi desativado depois da publicação da primeira reportagem desta série.

Captura de tela de página que divulga fotos para fakes
Image captionFoto do ‘casal’ ambos fakes, vem de blog de ‘doação de fotos fake’ | Foto: Google/Reprodução

O que dizem os citados na reportagem

Eduardo Trevisan

“A Facemedia é uma empresa de comunicação digital consolidada no mercado há dez anos. Nesse período, prestamos serviços para mais de uma centena de clientes. Nossa empresa é especializada em planejamento estratégico de marketing digital, criação e manutenção de sites e perfis, monitoramento de redes e bigdata, especializada em diversas técnicas de marketing como SEO, SEM, copywriting, branding, design thinking, relacionamento com influenciadores digitais entre outros. Além de atender a ampla carteira de clientes privados, a Facemedia utiliza seu know-how de mobilização digital em causas sociais. Em 2011, por exemplo, a Facemedia foi agraciada pelo The New York Times com o ‘Oscar do Twitter’, pela ajuda humanitária aos desabrigados da tragédia das chuvas que atingiram a Região Serrana no Rio de Janeiro. Na ocasião, centenas de pessoas em situação de risco foram ajudadas por meio dos canais digitais da empresa, com mais de 5 milhões de pessoas conectadas. As conexões entre os perfis são estabelecidas por critérios das próprias redes sociais, inexistindo o conceito de ‘vinculação’, sugerido na pergunta. Os serviços em campanhas eleitorais prestados pela Facemedia estão descritos e registrados pelo TSE, de forma transparente. Por questões éticas e contratuais, a Facemedia não repassa informações de clientes privados.”

PSDB

“A empresa Face Comunicação On Line Ltda. foi contratada no primeiro turno das eleições de 2014 para prestação de serviços à eleição presidencial, que consistiu em monitoramento e análises de movimentos e tendências em redes sociais. O PSDB desconhece o suposto uso de perfis falsos por referida empresa e registra que jamais fez uso dessa forma de divulgação de mensagens em redes sociais ou qualquer outro ambiente.”

Aécio Neves (PSDB)

Por meio de sua assessoria, o senador diz não conhecer a empresa em questão.

Facebook

As políticas do Facebook não permitem perfis falsos e estamos o tempo todo aperfeiçoando nossos sistemas para detectar e remover essas contas e todo o conteúdo relacionado a elas. Estamos eliminando contas falsas em todo o mundo e cooperando com autoridades eleitorais sobre temas relacionados à segurança online, e esperamos tomar medidas também no Brasil antes das eleições de 2018. O Facebook não pode comentar os perfis citados na reportagem, já que não teve acesso a eles antes da publicação da matéria. Entretanto, vale ressaltar que durante as eleições de 2014 mais de 90 milhões de pessoas no Brasil usaram a plataforma para debater temas relevantes para elas e engajar com seus candidatos. Nós aperfeiçoamos e desenvolvemos nossos sistemas todos os dias para melhor indentificar e remover contas falsas, o que ajuda a reduzir a distribuição de materiais que podem ser disseminados por contas que violam nossas políticas. Todos os dias, nós bloqueamos milhões de contas falsas no momento em que elas estão sendo criadas. Nossos sistemas examinam milhares de sinais e se concentram em detectar padrões de comportamento para melhor identificar possíveis contas falsas.Temos trabalhado duro para reforçar a integridade da nossa plataforma e faremos tudo o que pudermos para impedir que pessoas mal intencionadas usem nossos serviços. Já temos cerca de 10 mil pessoas trabalhando em áreas relacionadas à segurança e integridade da plataforma, e estamos planejando dobrar o número de colaboradores dedicados a isso no próximo ano para 20 mil.

Twitter

A falsa identidade é uma violação das Regras do Twitter. As contas do Twitter que representem outra pessoa de maneira confusa ou enganosa poderão ser permanentemente suspensas de acordo com a Política para Falsa Identidade do Twitter. Se a atividade automatizada de uma conta violar as Regras do Twitter ou as Regras de Automação, o Twitter pode tomar medidas em relação à conta, incluindo a suspensão da conta.

FONTE: BBC