Como será a nova era quântica, segundo um de seus arquitetos

Medicamentos avançados, materiais de outro mundo, guerras quânticas: saiba o que a nova tecnologia reserva para os cientistas, as empresas e a sociedade, de acordo com Sebastian Weidt, da Universal Quantum, responsável plea última grande avanço no setor.

Sebastian Weidt, CEO da Universal Quantum, prevê “guerras quânticas” — Foto: Divulgação

Em fevereiro deste ano, o britânico Sebastian Weidt realizou um feito notável. Ao lado de seus colegas na Universal Quantum, e de cientistas da Universidade de Sussex, ele demonstrou pela primeira vez que os bits quânticos (ou qubits) podiam ser transferidos diretamente entre microchips de computadores quânticos. Dessa maneira, tornou-se possível, pelo menos na teoria, reunir centenas de milhares de chips integrados na mesma máquina, criando um modelo quântico completo.

A repercussão foi tamanha que Weidt foi parar em dezenas de publicações, da Nature Times. “As aplicações dessas máquinas são imensas: dá para criar medicamentos complexos, desenvolver materiais que hoje não existem, entender melhor os processos biológicos e as alterações climáticas”, diz Weidt, em entrevista a Época NEGÓCIOS, durante o Web Summit, em Lisboa. Segundo ele, a espera pelo elusivo computador quântico está terminando: sua empresa terá o primeiro modelo completo até 2030. “Pode acreditar, vai acontecer.”

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Demorou muito tempo para o público em geral ter uma pequena ideia do que a IA pode fazer. Com a computação quântica vai ser a mesma coisa? Pode dar uma ideia de como seriam algumas de suas aplicações mais imediatas?

A boa notícia é que sabemos que a tecnologia poderá ser aplicada em todos os principais setores da economia. Uma de suas atribuições, por sinal, será acelerar o crescimento da IA, para que ela atinja todo o seu potencial. Mas as possibilidades da computação quântica vão muito além disso. Com um poder e uma velocidade computacionais muito maiores do que qualquer computador em funcionamento hoje, a nova tecnologia terá uma aplicação intensa, por exemplo, na descoberta de novos medicamentos. É uma de suas maiores aplicações. Eu acredito que isso terá um grande impacto na humanidade.

Por que as aplicações na área de saúde são tão promissoras?

Mesmo os computadores mais poderosos que temos hoje têm muita dificuldade para entender reações químicas e simular moléculas complexas. O computador quântico, pela própria natureza de seu funcionamento, faz isso com muita facilidade. Pense dessa maneira: todo o mundo ao nosso redor é governado pela física quântica, e as reações químicas também. Então faz muito sentido uma máquina que também usa o quantum possa entender esse funcionamento e ser capaz de criar remédios incríveis. Os cientistas vão usar a tecnologia para lançar novos materiais, como um supercondutor de alta temperatura, por exemplo, e irão entender melhor os processos biológicos e as alterações climáticas. Novas funcionalidades também surgirão no setor financeiro.

Hoje, as pessoas estão entusiasmadas com a IA, mas também há muito medo. Quais são os riscos de termos funcionando entre nós dezenas, centenas, milhares de computadores quânticos?

Acho que, neste caso, os aspectos positivos realmente superam os negativos. Mas as aplicações quânticas podem ser usadas para roubar os dados de alguém, por exemplo. Os militares poderiam usar a tecnologia para tornar os armamentos – e toda a logística de guerra – mais eficientes. Eles estão muito entusiasmados com a ideia de que poderão tirar vantagem disso. Eu acho que mesmo que haverá uma guerra quântica, no sentido de que os países se esforçarão para dominar a tecnologia, sabendo que com ela terão uma vantagem competitiva na guerra. Acho que é uma das razões pelas quais vemos os governos estão realmente se envolvendo para garantir que tenham capacidade nesta tecnologia. Isto é muito perturbador. Quer dizer, não dá para confiar no que Estados Unidos ou China farão quando tiverem acesso a essas máquinas.

E é por isso que nós acreditamos em soberania quântica. Acreditamos que cada país deve ter condições de construir uma infraestrutura localmente, treinar as pessoas e conectar-se com a cadeia de suprimentos das universidades para garantir que, seja lá o que aconteça no futuro, o país tenha uma estrutura que possa usar para um dia mover quantum. Isso será necessário para garantir a soberania nacional daqui para a frente.

Em fevereiro deste ano, a Universal Quantum conseguiu um grande avanço dentro da computação quântica, em parceria coma Universidade de Sussex. Pode me explicar como isso aconteceu?

Na Universal Quantum, o nosso objetivo é escalar computadores quânticos. Então queremos pegar os computadores de escala muito pequena que temos no momento, com dezenas de qubits, aumentar para 100 qubits, depois 1.000, centenas de milhares, e finalmente milhões de qubits. É nesse número que precisamos chegar se quisermos desbloquear todas as possíveis aplicações associadas à computação quântica. Para destravar essa escalabilidade, acreditamos que é preciso ter uma arquitetura modular. Por isso, estamos focados na construção de módulos de computação quântica totalmente integrados.

Deixa eu explicar: você só pode aumentar o poder computacional de um chip até certo ponto. Depois, será obrigado a usar um segundo chip, e caberá a você conectar esses dois chips para criar um computador quântico maior. Só que isso é incrivelmente difícil. Passamos muito tempo analisando o problema até que, em fevereiro, descobrimos a solução. E foi isso que chamamos de conexão UQ – basicamente, uma nova maneira de conectar perfeitamente módulos de computação quântica, para que eles possam funcionar juntos como uma máquina maior. Com essa tecnologia, vamos conseguir chegar, em teoria, a um computador com um milhão de qubits.

Os números que conseguimos com esse estudo foram muito bons, e é por isso que ele foi considerado revolucionário, porque abriu o caminho para ampliarmos nossos computadores de maneira mais rápida. Provamos que sabemos exatamente o que precisa ser feito para fabricar um computador quântico completo, com todas as suas aplicações e imenso valor.

Quais são os passos seguintes? No que estão trabalhando agora?

No momento, estamos focados na construção desses módulos integrados. Da maneira como vemos, cada chip é como um minicomputador quântico, com todos os elementos para fazer a máquina funcionar. Ao juntar esses chips, usando a nossa ferramenta, vamos conseguir realmente alcançar a escalabilidade que desejamos. Quando estiver pronto, esse computador quântico irá oferecer um valor, um impacto gigantesco, algo que você nunca conseguiria usando um computador convencional. Essa é uma linha que precisamos cruzar.

E quando isso deve acontecer?

É difícil dizer agora. Quer dizer, algumas pessoas acham que, se alguns sistemas quânticos de menor escala forem acionados, poderemos desbloquear algumas aplicações importantes. Mas não é nisso que estamos interessados: queremos ir até o fim e destravar todo o poder da quamtum computing. Nosso objetivo é conseguir fazer isso até o final de 2030, mesmo sabendo que é uma tarefa difícil. Veja bem, se você me perguntasse isso há dez anos, não saberia prever, poderia até falar em décadas. Mas agora estamos vendo a coisa funcionar de verdade. Vai acontecer, e vai ser logo.

Volta e meia é anunciada uma novidade no setor, que teria o poder de mudar tudo. Que outros avanços recentes você considera relevantes?

Olha, há muito entusiasmo e agitação nessa comunidade. O setor está realmente começando a se mover com uma certa velocidade, e há muitos desenvolvimentos em curso. Mas eu aconselho a ficar com um pé atrás quando alguém anuncia algo “revolucionário”. Se alguém te disser, por exemplo, que terá algo pronto já no próximo ano, duvide. Não vai ser tão rápido assim.

Algumas empresas, inclusive brasileiras, já estão trabalhando com aplicações quânticas. O que os líderes podem fazer com o que já está disponível até agora?

A resposta honesta é: absolutamente nada. Muitas pessoas vão querer atirar em mim virtualmente por estar dizendo isso. Mas é a verdade. Sim, há toda uma gama de empresas do sector financeiro e da indústria farmacêutica já investindo no setor quântico. Mas o objetivo aqui é apenas brincar com essas máquinas, ter uma noção da tecnologia, para entender o que ela será capaz de fazer pela companhia no futuro. Então essas máquinas não alteram de forma nenhuma os serviços que o banco pode oferecer ao cliente. Não ainda.

Veja bem, é muito difícil entender a computação quântica. E é por isso que costumo dizer às empresas: “Olha, as máquinas ainda não são boas o suficiente para oferecer algo novo e incrível para seu negócio. Mas vai demorar muito para você entender o que pode fazer de melhor para a sua empresa. Então é melhor começar hoje. Porque, dessa maneira, quando a tecnologia estiver pronta, você também estará.”

Mas não acredite quando alguém te disser que já está usando computação quântica. É parecido com o que aconteceu com a IA. Nos últimos meses, todo mundo começou a dizer que estava usando a tecnologia para alguma coisa, para ficar bem na fita. Mas raramente ela estava possibilitando algo realmente novo. Acho que muitas vezes precisamos tomar cuidado. Há uma IA realmente ótima, que está realmente fazendo coisas incríveis. Mas são poucos os que estão usando esses sistemas.

Muita gente vai ler essa reportagem com ceticismo, pensando: “Mais uma tecnologia pra quê? Deixar alguns poucos bilionários, enquanto a minha vida continua exatamente igual?”

O que eu posso dizer é que dessa vez será diferente. Essa tecnologia é tão transformadora que será impossível ficar indiferente. Vai transformar o seu negócio, sua rotina, sua vida. Então você pode ficar otimista e embarcar nessa jornada fascinante com o resto da humanidade.

FONTE:

https://epocanegocios.globo.com/especiais/web-summit/noticia/2023/11/como-sera-a-nova-era-quantica-segundo-um-de-seus-criadores.ghtml