Como os robôs se transformaram em ‘cambistas virtuais’

Robôs interferem diretamente nos nossos hábitos de compras

Você está no meio da temporada de festas de fim de ano. Milhões de pessoas estão fazendo compras online atrás de presentes de última hora, e alguns itens do site estão sendo vendidos num piscar de olhos.

Pode ser que não haja consumidores por trás dessas compras, mas, sim, programas de computador que executam tarefas específicas e repetitivas em alta velocidade, como comprar produtos online em massa para revender em outros lugares com preços inflacionados.

De compra online até a venda de ingressos para show e eventos – e identidades falsas que agitam as redes sociais – esses robôs (os “bots” – softwares com tarefas online automatizadas) viraram manchetes em 2017. E continuarão a se infiltrar em nossas vidas de várias maneiras neste ano também.

Eles são muitas vezes um verdadeiro tormento. Mas será que poderiam ser também uma força do bem?

Pesadelo das compras

Os “fingerlings” – pequenos macacos coloridos e brilhantes de plástico que você pendura no dedo – foram um dos brinquedos mais procurados nos EUA em 2017. Eles geralmente custam US$ 15 (cerca de R$ 49) cada. Mas muitos acabam em sites de venda como eBay custando muito mais – entre US$ 20 e US$ 60. O jornal The New York Times chegou a publicar o caso de um minimacaco que custou US$ 5 mil.

Por mais que não haja como atestar com certeza que um robô é o culpado pelo esgotamento do presente que você quer comprar, dá para perceber quando algo não humano é o culpado.

É por causa da forma como robôs funcionam: em um mero segundo, um robô pode escanear sites de venda centenas de vezes, achar um produto, instantaneamente colocar informações como seu tamanho e os dados de pagamento e acabar com o estoque inteiro de uma loja.

Há um envolvimento humano, porém: um programador precisa prever URLs e códigos de produtos para itens muito procurados para que o robô possa comprar antes de um humano quando o produto começar a ser vendido. Robôs estão constantemente escaneando produtos que acabaram e devem voltar ao estoque, para que o ciclo continue assim que o estoque for reposto.

E não são quaisquer produtos. Estes robôs só têm como alvo produtos populares ou muito antecipados que seus criadores sabem que terão uma oferta muito limitada e que podem ser revendidos por muito mais, logo depois ou através de terceiros em sites de leilão.

Algumas marcas como as roupas Supreme ou os tênis Yeezy, do rapper Kanye West, são alvos principais, já que eles são lançados apenas em certas datas e têm uma demanda global.

Na última temporada de festas de fim de ano, produtos que foram comprados e revendidos por um valor mais caro incluem jogos da Nintendo e uma casa de bonecas da Barbie.

O novo golpe

Os robôs também atacam a venda de ingressos para shows e eventos – uma compra que já é competitiva por natureza. No Reino Unido, fãs de cantores como Ed Sheeran e Adele, assim como sessões de teatro de Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, viram os cobiçados ingressos se esgotarem em minutos, e em seguida reaparecerem com preços bem mais altos em sites de revenda como StubHub e Viagogo.

É por isso que alguns grandes nomes do entretenimento estão prestando atenção nesse problema. Bruce Springsteen e Taylor Swift – dois artistas com enormes legiões de fãs – estão tomando atitudes para combater robôs de ingresso.

Eles sabem que é mais difícil para as pessoas reais comprar os ingressos, então eles usam um programa que tenta verificar se é mesmo um humano fazendo a compra.

Governos estão tentando acompanhar o avanço da tecnologia e proteger consumidores. No Reino Unido e nos EUA há tentativas de acabar com os robôs de venda de ingressso, tentando fazer com que esse tipo de uso de inteligência artificial se torne ilegal.

Mas os robôs não interferem apenas nos seus hábitos de compras. Você provavelmente os encontrou na internet também.

Tomada das redes sociais

Robôs também ficaram conhecidos pelo seu papel negativo na política. Passando-se por humanos reais no Facebook ou Twitter, eles são programados para retuitar rapidamente hashtags políticas, por exemplo, ou publicar histórias falsas que pressionem determinadas agendas e propagandas.

O caso mais notável, ainda em amplo debate, é a constatação de que robôs em redes sociais foram usados para tentar influenciar as eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016.

Bots políticos se infiltraram em nossos hábitos nas redes sociais desde cerca de 2012, diz Lisa-Maria Neudert, pesquisadora do Instituto da Internet da Universidade de Oxford. Neudesrt estuda a ciência social da internet e como as mídias digitais se relacionam com política e comunicação.

Ela diz que embora os robôs de hoje tenham apenas funções básicas – simplesmente curtir, retuitando e comentar em posts -, eles estão ficando muito mais espertos.

Em breve, pode haver “um robô que pode ser programado para convencer uma pessoa ou uma opinião política específica, comportando-se exatamente como um humano nas redes sociais”, diz ela.

Esse robô poderia “argumentar ou apresentar um contra-argumento e poderia manter conversas com você sem que você perceba (que na verdade está falando com um robô).”

Uma força do bem?

A Inteligência Artificial usada por robôs para simular opiniões políticas e criar dados enganosos pode causar muitos danos. Mas a tecnologia também pode nos beneficiar.

Mais pessoas estão levando para suas casas assistentes de voz como a Alexa, da Amazon, ou a Cortana, da Microsoft, e a capacidade desses produtos está avançando rapidamente. Grandes empresas de tecnologia convidaram desenvolvedores terceirizados para inovar na tarefa de fazer esses robôs se tornarem mais parecidos com os humanos.

“Eu acho que o uso número um da Alexa é algo tipo ‘toque tal tipo de música’ ou ‘Alexa, ligue as luzes'”, diz Neudert. Mas pesquisadores e desenvolvedores agora tentam avançar a tecnologia para que ela possa “ter conversas e se tornar mais e mais esperta”.

Conforme os robôs ficam mais rápidos em realizar tarefas e melhores em tomar decisões, eles podem nos ajudar com as finanças também.

“No meu trabalho, eu sempre tive como prioridade fazer com que os programas de Inteligência Artificial – robôs sofisticados – que criamos façam do mundo um lugar melhor, não pior”, diz Tuomas Sandholm, professor de ciência da computação na Universidade Carnegie Mellon.

No ano passado, um robô desenvolvido por Sandholm conseguiu uma vitória histórica em uma maratona de pôquer de 20 dias de duração contra quatro dos melhores jogadores do mundo. Sandholm prevê que se possam criar estratégias para esses computadores pensarem criticamente, o que eventualmente poderia levar à criação de robôs espertos e úteis, capazes até de negociar o preço de um carro novo.

“A vantagem da Inteligência Artificial não é só a velocidade, mas principalmente uma capacidade melhor de tomar decisões do que qualquer humano é capaz de fazer”, diz Sandholm.

Neudert concorda que a perspectiva não é de todo má. Robôs podem ajudar a mudar a forma como você gasta dinheiro – podem estar ligados a um aplicativo de mensagens no seu celular e conversar com você sobre suas finanças.

Eles poderiam ainda rastrear seus gastos por vários meses, aconselhá-lo sobre como melhorar e responder questões.

Por enquanto, porém, é preciso ter cuidado na hora de fazer compras. Os robôs estão aqui para ficar e ainda estão muito à frente de qualquer regulamentação ou força legal.

FONTE: BBC