Como o governo de Taiwan criou a TSMC, maior fabricante de semicondutores do mundo

escrito por Samuel Velasco

O incio da década de 1970 representou um grande desafio para Taiwan. Sua economia, então, era formada principalmente por produtos agrícolas e montagem eletrônica simples – exportações de baixo valor e facilmente substituíveis. O Estado criou um fabricante de semicondutores de última geração de classe mundial, a partir de um plano de fomento da indústria nacional que se diferenciava do seguido pela Coréia do Sul e outros “Tigres”. O governo viu a indústria de semicondutores como caminho para complexificação de sua economia, investindo na indústria de montagem de eletrônicos, dominada pelos EUA e pelo Japão. Taiwan tinha algumas fábricas de montagem de eletrônicos, semelhante à Zona Franca de Manaus, mas aquelas eram apenas para tarefas de montagem de baixo valor agregado e sem tecnologia “enraizada” no país. Ao tentarem ascender na cadeia de valor no setor de semicondutores, as empresas taiwanesas encontraram barreiras de entrada muito altas e uma reputação internacional que não favorecia as exportações: ninguém via os produtos taiwaneses como duráveis ou de qualidade.

Sun Yun-suan, ministro de assuntos econômicos e Wu Ta-You, diretor do Conselho Nacional de Ciência, defendiam o financiamento de pesquisa aplicada em engenharia elétrica relacionadas a semicondutores, a fim de nacionalizar a tecnologia em Taiwan. Visando ajudar as empresas privadas a entrarem no mercado tecnologicamente avançado e intensivo em capital da indústria de fabricação de semicondutores, Taiwan fundou o Instituto de Pesquisa de Tecnologia Industrial (ITRI). A intenção deste laboratório com financiamento estatal era fazer pesquisa científica aplicada com a intenção de eventualmente incubar seus projetos como empresas privadas. O Instituto de Pesquisa de Tecnologia Industrial (ITRI) se concentrou em convidar empresas estrangeiras dos Estados Unidos ou da Europa para ensinar aos engenheiros locais tecnologias específicas de semicondutores, ou seja, o famoso acordo de transferência de tecnologia tão polêmico atualmente. A RCA, dos EUA, ganhou a licitação de 1976 e procedeu a convidar uma equipe de cerca de 40 engenheiros taiwaneses para uma de suas fábricas, para ensinar-lhes não apenas a ciência bruta dos semicondutores, mas também as técnicas de gerenciamento e conhecimento industrial para sua manufatura. No entanto, a RCA não forneceu a Taiwan sua tecnologia de ponta, mas sim tecnologia já ultrapassada nos EUA, porém, alguns anos depois, a RCA abandonou completamente a indústria de semicondutores e deixou Taiwan com uma licença para todas as suas tecnologias.  Taiwan focou no aprendizado sobre uma tecnologia conhecida como semicondutores de óxido de metal complementar (CMOS). CMOS ainda não havia amadurecido e seu mercado era limitado, mas viria a se tornar a tecnologia dominante de processo de fabricação de semicondutores nas décadas seguintes.

Basicamente, o governo de Taiwan agiu como um capitalista de risco e escolheu apoiar algumas startups. A maior parte dos aficionados por tecnologia conhece a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), mas poucas pessoas sabem que a TSMC não foi a primeira grande fabricante de chips de Taiwan. Essa honraria cabia à United Microelectronics Corporation (UMC). Em 1980, os cientistas e engenheiros do ITRI aproveitaram o conhecimento que ganharam com seu estágio na RCA e ajudaram a fundar a UMC. O governo forneceu à UMC a tecnologia, ajudou a recrutar talentos para preencher as posições da empresa e até intermediou seu primeiro negócio. A UMC logo se tornou o fabricante de semicondutores mais lucrativa de Taiwan, mas a UMC falhou em ser o sucesso que o país queria: ela não conseguia competir no setor globalmente e se viu produzindo chips de baixo nível para brinquedos e relógios. O ITRI logo criaria duas outras empresas que buscavam projetar chips, mas ambas não conseguiram criar raízes e foram adquiridas por concorrentes.

TSMC significa Taiwan Semiconductor Manufacturing Company. A TSMC, com sua sede e operações primárias localizadas em Hsinchu Science Park em Taiwan, é a maior fábrica independente de semicondutores do mundo – tornando-se uma peça central no mundo da fabricação de silício sem fábrica. Não se pode contar a história da TSMC sem contar a história de seu fundador: Dr. Morris Chang, conhecido como o “pai dos semicondutores”. Morris Chang nasceu na China e concluiu seu doutorado em engenharia elétrica pelo MIT e Stanford. Ele passou 25 anos na Texas Instruments trabalhando com projetos avançados de semicondutores e processos de fabricação. Ele ingressou no Instituto de pesquisa sem fins lucrativos ITRI em 1986 como presidente e, em seguida, usou essa plataforma para estabelecer a primeira planta de fabricação de wafer de semicondutores da TSMC no campus do ITRI. A TSMC foi fundada em 1987, quando ele tinha 56 anos. Tudo começou como uma colaboração entre o governo de Taiwan, a gigante tecnológica Philips, bem como investidores privados com interesse em tecnologia de semicondutores.

A TSMC representou um novo modelo de negócios inovador que revolucionou o mercado de semicondutores existente. A TSMC entrou no mercado com tecnologia muito mais avançada do que UMC, o que lhe deu uma vantagem no mercado. Essa tecnologia veio da Europa. A empresa holandesa Phillips, forneceu informações tecnológicas sobre o processo de 1,5 mícron que constituiria o produto principal da TSMC. Hoje, o principal fornecedor de máquinas de litografia com luz ultravioleta extrema (EUV) é a ASML, também da Holanda. O ITRI contratou trabalhadores taiwaneses altamente qualificados para usar e operar adequadamente o processo de 1,5 mícron da Phillips. O governo de Taiwan investiu algum dinheiro, mas também queria o envolvimento de investidores privados porque acreditava fortemente na seleção que o mercado fazia de suas startups. A Philips recebeu a parte substancial das ações da TSMC. A Intel e a Texas Instruments tiveram a chance de investir, mas foram rejeitadas. Magnatas taiwaneses foram ordenados a investir no setor de semicondutores, a maioria a contragosto, mas o governo os forçou. Wang Yung-ching, da Formosa Plastics Corporation, teve de comprar 5% da TSMC por ordem do Estado. Ele vendeu todas as suas ações alguns anos após a compra. A TSMC desde o início focou no mercado internacional de exportação, por determinação estatal. Já a UMC começou focando no mercado doméstico, que era protegido pelo governo de Taiwan. O mercado doméstico protegido permitiu o rápido desenvolvimento de know-how, e também criou um ecossistema de fornecedores satélite em torno da indústria de semicondutores. Quando a TSMC começou a competir no mercado internacional, a maior parte do trabalho braçal já havia sido feito pela UMC e outras empresas “fracassadas”, patrocinadas pelo governo. No mercado interno taiwanês, o governo poderia ajudá-las, mas o que aconteceu foi que o mercado interno tornou a UMC muito confortável. A empresa cresceu, mas não se tornou de classe mundial.

O ITRI tinha uma estratégia muito específica para desenvolver a indústria de semicondutores. Pequenas empresas se aglomeraram guiadas em massa pelo Estado. Isso se deu em contraste com a estratégia da Coreia do Sul onde o governo daria muito dinheiro para empresas especiais (campeões nacionais), para que elas dominassem um setor específico. Em Taiwan, ao contrário, o Estado criou uma infinidade de pequenas empresas em diferentes partes da cadeia de produção de semicondutores, e lhes deu um impulso inicial, providenciou recursos humanos e de base, inclusive casas para os empreendedores e trabalhadores do setor, em especial no Hsinchu Science Park, a partir de 1980. As empresas de semicondutores eram tributadas em menos de 2%. No início da década de 1990, uma vez que essas empresas começaram a participar do mercado global, o governo taiwanês não as inflava com subsídios nem tentava protegê-las da concorrência, em outras palavras, nenhuma tarifa protetora para lhes dar um mercado interno cativo, isso fez com que várias empresas falissem. Além disso, o governo não tentou apoiar uma empresa específica depois que ela começou a falir. Embora o Estado não tenha investido em “campões nacionais”, trabalhou para ajudar a indústria como um todo, inclusive priorizando o fornecimento de energia elétrica para as imediações do Hsinchu Science Park. Hoje, a TSMC é responsável por 28% da produção de semicondutores no mundo, e anunciou recentemente um investimento em expansão de capacidade produtiva de 100 bilhões de dólares. A UMC vem em 2º lugar, com 13% do mercado. A TSMC contou com apoio estatal desde sua fundação, foi protegida pelo governo taiwanês, recebeu aporte de investimentos obrigatórios de investidores contrariados, e aprendeu a partir de empresas no mercado doméstico que falharam durante o período de “catching up”.

 

 

FONTE: https://www.paulogala.com.br/como-o-estado-criou-a-tsmc-maior-fabricante-de-semicondutores-do-mundo/