Como a nanotecnologia vai trazer a cura para o câncer – e muitas outras doenças

Segundo o cientista israelense Avi Schroeder, o avanço da nanotecnologia traz possibilidades únicas, como injetar um gene de elefante no sangue humano para eliminar tumores.

“Resolvi me dedicar à nanotecnologia quando descobri que a técnica estava sendo usada para tratar alguns tipos de câncer. Eu cursava engenharia química e decidi que aquela seria minha área de atuação”, disse Avi Schroeder, durante sua palestra no International Innovation Seminar, que segue até amanhã (28) em São Paulo, com transmissão online. O encontro é uma realização do Insper, com apoio de Época NEGÓCIOS.

Dono de mais de 30 prêmios na área, Schroeder, que lidera um laboratório de Tecnologias de Medicina Personalizada no Technion Institute of Technology, em Israel, deu uma verdadeira aula sobre como o uso das nanopartículas está revolucionando a medicina moderna. Vale lembrar que estamos falando de elementos minúsculos, capazes de entrar nas células humanas. “Se você pegar um fio de cabelo e dividir em mil partes, esse é o tamanho da nanopartícula”, diz o cientista.

Boa parte do seu conhecimento vem do que aprendeu com dois mentores: Yecherzkil Barenholz, que criou o primeiro remédio para ser injetado em nanopartículas, e Joseph Kost, expert em usar ultrassom para manipular as partículas dentro do corpo.

Avi Schroeder lidera um laboratório de Tecnologias de Medicina Personalizada no Technion Institute of Technology — Foto: Divulgação/Technion

Avi Schroeder lidera um laboratório de Tecnologias de Medicina Personalizada no Technion Institute of Technology — Foto: Divulgação/Technion

“Em comum, os dois são grandes cientistas e grandes empreendedores, que não tiveram medo de arriscar tudo em ideias disruptivas, nas quais ninguém apostava na época”, disse. Foi de Barenholz a ideia para a criação do Doxil, um remédio para câncer de mama feito com base na nanotecnologia em 2018 e que hoje é usado por 600 mil pacientes ao ano.

Os testes para o remédio foram feitos em pacientes com tumores em fase inicial e também naqueles que já estavam em processo de metástase. Embora fossem tumores de tipos diferentes, todos eles reagiram positivamente à injeção de nanopartículas com medicamentos em sua corrente sanguínea.

“A questão é que ele descobriu uma técnica que torna possível direcionar as nanopartículas exatamente para onde estão as células cancerígenas”, disse Schroeder. Isso faz com que sejam muito mais eficientes que medicamentos comuns, porque o remédio injetado vai se acumulando na região do tumor, o que acelera a cura. “Há ainda a vantagem de diminuir os efeitos colaterais, o que é fundamental em doenças crônicas.”

De 2018 para cá, a nanotecnologia evoluiu ainda mais: hoje, já existem 80 medicamentos a base de nanopartículas aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) o órgão máximo de saúde dos Estados Unidos. Nem todos são injetados: para pacientes com câncer de pulmão, por exemplo, as partíciulas podem ser inaladas. “Um dos lançamentos mais importantes foi o Vyxeos, que realizou a proeza de combinar diversos medicamentos contra câncer dentro das nanopartículas”, disse Schroeder.

Outras aplicações

Existe um uso das nanopartículas bastante disseminado no mundo: as vacinas contra a covid que usam o mRNA, ou RNA mensageiro. “A Moderna foi a primeira a desenvolver o método para transportar o RNA mensageiro dentro de nanopartículas”, diz Schroeder. “Depois de injetada, a partícula libera o mRNA, que passa a produzir a proteína do vírus dentro do corpo, provocando a resposta imune.”

Portadores de diferentes doenças também foram beneficiados. Para o medicamento Onpatro, os cientistas realizaram um feito inédito: criaram uma partícula com RNAi, ou short RNA, capaz de eliminar proteínas malignas no corpo. Foi dessa maneira que venceram a Amiloidose hereditária, doença em que uma proteína produzida no fígado começa a atacar diversos órgãos no corpo. Hoje, 50 mil pessoas são tratadas com o Onpatro – antes disso, era uma doença sem cura.

Estima-se que hoje haja 528 milhões de pessoas com osteoartrite no mundo. Para atacar a questão, Schroeder e seus colegas passaram a trabalhar com a hipótese da Lubrificação de Cartilagem. E se fosse possível injetar uma substância que substituísse a cartilagem desgastada e evitasse o atrito de um osso contra o outro? “Isso reduziria muito a dor dos pacientes, e possibilitaria que retomassem grande parte da sua vida normal”, diz o cientista.

Nos testes realizados até hoje, com grupos reduzidos, 70% dos pacientes relataram melhoras na qualidade de vida, e a maioria disse que passou a tomar ¼ dos remédios que consumia antes. “Existe um grande estudo global sendo realizado, mas ainda não emos os resultados finais”, disse Schroeder.

A cura que vem dos elefantes

Poucas pessoas sabem disso, mas elefantes não têm câncer. Durante décadas, o mistério assombrou os cientistas. Até que um oncologista pediátrico descobriu que a causa estava em um gene chamado P53. Os seres humanos contam com duas cópias desse gene, mas elas vão declinando com a idade. “Os elefantes, por sua vez, contam com 40 cópias, que permanecem até o fim da sua vida”, diz Schroeder.

Após a descoberta, os cientistas foram atrás da versão do gene que concedia mais proteção: depois, colocaram o gene dentro de uma nanopartícula e injetaram em um paciente com um osteosarcoma muito agressivo. “A nanopartícula colocou o material dentro das células cancerígenas, que passaram a ser destruídas.” Para que o remédio seja comercializado, porém, serão necessários mais testes clínicos.

“Essa é uma possibilidade para cura de diversos tipos de câncer. Outra é a medicina genética, que será capaz de editar os genes que promovem ou facilitam a doença”, disse Schroeder, já no final da palestra. Estamos próximos da cura, então? “É bom lembrar que, sob o nome câncer, existem mais de 200 doenças diferentes. Alguns serão curados mais rapidamente, outros podem demorar muito. Mas estamos de olho nessa virada, com o uso da nanotecnologia.”

FONTE: https://epocanegocios.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2022/10/como-a-nanotecnologia-vai-trazer-a-cura-para-o-cancer-e-muitas-outras-doencas.ghtml