Como a Loft usa inteligência artificial para transformar o mercado imobiliário

Em entrevista exclusiva à StartSe, Florian Hagenbuch, fundador da Loft, revela como a cultura interna e a tecnologia na operação fizeram a empresa atingir valor de mercado bilionário

O mercado de compra e vendas de imóveis, nos últimos anos, foi tratado como um setor morno – seja pela economia em recessão ou por uma possível tendência das novas gerações em não investir no mercado imobiliário. No entanto, os empreendedores Florian Hagenbuch, João Vianna e Mate Pencz, fundadores da Loft, buscam desmistificar esta visão, transformando a forma como se compra e vende imóveis no Brasil.

 Os empreendedores fundaram a Loft em meados de 2018 e, menos de dois anos depois, a startup já possui relevante influência nas transações imobiliárias pelas zonas oeste e sul de São Paulo, áreas nobres da capital paulista.

Investidores nacionais identificaram valor na proposta da Loft. A empresa, hoje, tem valor de mercado estimado em 1,5 bilhão de reais, após uma rodada série B encabeçada pelos fundos de venture capital Andreessen Horowitz, Thrive Capital, Monashees e Canary. Já foram captados mais de 400 milhões de reais desde a fundação da companhia.

Mercado imobiliário

Os fundadores, que também dividem a posição na presidência executiva da empresa, revelaram com exclusividade à StartSe, estão convictos de que este é um dos mercados mais valiosos do mundo e que não deve perder relevância tão cedo.

“Eu queria desbravar um mercado que fosse maior do que o setor que atuei anteriormente. Existe uma tabela, que apresentamos para os nossos investidores, que mostra que, quando somamos todos os ativos imobiliários no mundo e comparamos com o PIB global, o mercado imobiliário é seis vezes maior”, conta Hagenbuch, que antes construiu a Printi, startup do mercado gráfico, também em parceria com Pencz.

O segundo fator para o alemão – radicado no Brasil desde os quatro anos de idade – empreender nesse ramo foi uma traumática experiência particular ao voltar dos Estados Unidos, onde estudou finanças na The Wharton School e fez breve carreira no mercado financeiro, com passagem pelo Goldman Sachs. No processo de aquisição de um imóvel para recomeçar a vida em São Paulo, ele enfrentou uma série de problemas para encontrar apartamentos, agendar visitas, operar trâmites burocráticos. “Um perrengue”, relembra com bom humor as dores clássicas do setor.

E, para complementar, dois anos após estar vivendo em seu apartamento no Jardim América, Hagenbuch descobriu que a metragem do imóvel não condizia com a registrada na matrícula, com déficit real de 30 metros quadrados do espaço útil. “Essa falta de transparência e de informação foram algumas das coisas que muito me incomodaram, mas ao mesmo tempo enxerguei como uma grande oportunidade de negócio”, revela.

Precificação em tempo real

Transacionar um imóvel é uma atividade que pessoas que não atuam profissionalmente nesse mercado fazem uma, duas ou três vezes na vida. É uma grande decisão que não precisa trazer consigo uma experiência desagradável. Por isso, a Loft aprimora os processos em sua plataforma, primando pela transparência e eficiência, para que compradores, vendedores ou trocadores estejam satisfeitos ao final da operação.

Mas como fazer isso em um mercado tão cíclico, de altos e baixos, numa economia instável, na maior cidade da América do Sul, com dinâmicas tão peculiares, como a construção de estação de metrô que está atrasada, por exemplo?

Precificação dinâmica foi a solução encontrada. A Loft investiu em aprendizado de máquinas e inteligência artificial para coletar e sistematizar informações oficiais e extraoficiais, formulando um algoritmo capaz de fornecer em tempo real o valor de mercado de um imóvel. A base principal do “David” (nome do algoritmo), no entanto, são os registros de matrículas dos imóveis, que a companhia obtém junto aos cartórios dos bairros onde iniciam cada nova operação.

“Acho que a primeira missão que resolvemos aqui dentro foi precificar bem os imóveis. Um problema que existe nesse mercado é que o comprador e o vendedor não fazem muita ideia de quanto vale o imóvel, porque as referências de mercado são superficiais, muita pesquisa informal, seja com um vizinho, com um porteiro, que é um fator bem recorrente, mas não há precisão. O que aparece nos classificados é o preço pedido”, diz Florian Hagenbuch.

A Loft não faz mediação entre compradores e vendedores. Todos os imóveis, que variam na casa de 500 mil a 4 milhões de reais, são comprados pela startup, que depois oferece as possibilidades de compra, venda e troca. E, neste ano, a companhia passou a customizar 100% da reforma dos imóveis de acordo com os anseios de seus clientes após a compra.

“Usamos capital de terceiros para financiar as nossas transações. Então, quando a gente compra e vende imóveis, isso é feito dentro de um fundo imobiliário, que na verdade é o dono dos imóveis. A Loft administra esse fundo. A gente tem captado tanto capital de venture capital quanto capital de investidores em fundos imobiliários. Somos bem ativos nessas duas frentes”, diz.

Empreendedorismo millennial

Videogame, mesa de ping-pong, horários flexíveis: quase toda startup tem e não é o que faz a cultura da Loft estabelecer uma identidade entre seu corpo diretivo e de funcionários. Florian Hagenbuch é um millennial convicto – corte geracional do início dos anos 1980 até o final da década de 1990, com peculiaridades comportamentais. E, para ele, o empreendedorismo é uma resposta da “Geração Y” para lidar com o trabalho nos dias atuais.

“Quando eu tomei a decisão de empreender, foi uma questão de estar no controle do meu destino, de acertar a minha direção e o caminho que vou seguir. Na minha posição de millennial, o que me incomodava nas empresas em que trabalhei é que existia um caminho desenhado, que se eu atendesse às expectativas estava tudo bem. Mas era pouco para mim. E como cultura na Loft eu tento criar um ambiente onde as pessoas consigam ser protagonistas de suas carreiras, sem caminhos pré-desenhados. Isso atrai e retém talentos a longo prazo”, comenta.

Em 2019, a empresa alcançou a terceira posição como uma das startups mais desejadas para se trabalhar, segundo o LinkedIn. Hoje são cerca de 400 funcionários na equipe, que começou com 30 profissionais no ano passado.

Com satisfação, Hagenbuch revela para a reportagem da StartSe que ouviu o relato de uma colaboradora que buscou a Loft por ser uma empresa liderada por um CEO de seu corte geracional, o que fazia sentido profissional para ela quando rememorava experiências anteriores em companhias da velha economia, com hierarquias rígidas e processos formais.

“Eu realmente acredito que as relações de trabalho estão mudando e que você precisa desse tipo de dinâmica para ter êxito. Se vamos contratar alguém, eu quero contratar alguém melhor do que eu, que depois vai tentar contratar alguém melhor do que ele e assim por diante. Se cascateia isso pra baixo, você consegue criar uma estrutura de desapego com cargos e posições, e mais foco na geração de valor na entrega de resultados. É organizar as estruturas bem mais em squads do que em silos, isso favorece o destravamento do potencial das pessoas”, afirma.

FONTE: STARTSE