Como a Internet das Coisas está transformando o mercado de saúde

Conectar objetos. Este é o significado da revolução tecnológica chamada IoT – Internet das Coisas. Na saúde, seu potencial de utilização é enorme: com a integração de diversos dispositivos, o médico pode acompanhar seu paciente à distância e o hospital pode melhorar sua produtividade e a qualidade do atendimento.

Um dos principais exemplos de aplicação desse conceito, segundo Carlos Reis, consultor especialista em saúde da Logicalis, é o monitoramento remoto de pacientes. “Eles podem estar em casa ou em outros lugares e, ao mesmo tempo, conectados a diversos tipos de sensores – vestíveis, de controle de sinais vitais, pressão, glicemia, oximetria, entre outros – cujos dados são coletados e transmitidos em tempo real para que os médicos possam realizar interações imediatas sempre que necessário”, explica.

Outra aplicação possível é no rastreamento e monitoramento dos ativos médicos, como bombas de infusão, macas e equipamentos de exames portáteis, permitindo localizá-los e garantir sua manutenção. “Mais do que isso, conectar macas e camas inteligentes ao sistema permite, por exemplo, monitorar o risco de queda de pacientes”, aponta o profissional.

Ele acrescenta, ainda, que sensores integrados aos dispensadores de líquidos para higienização das mãos ajudam no controle da disseminação de doenças, permitindo identificar as equipes que estão seguindo o processo. Sem falar que o uso da sensores em alguns equipamentos de sinais vitais permite integração ao prontuário eletrônico do paciente, evitando erros de transcrição de informações.

No artigo “Internet das Coisas é a fórmula para aprimorar a experiência de pacientes e as operações hospitalares”, Alex Castañeda, vice-presidente e gerente geral da Zebra Technologies para América Latina, conta que a IoT prevê um ambiente no qual etiquetas inteligentes – como códigos de barras e RFID –, beacons e sensores são fixados a objetos conectados à internet, dando a eles uma voz digital. “Por exemplo, quando esses dispositivos são usados por médicos, pacientes, equipamentos e medicamentos, os hospitais podem trabalhar com fluxos de dados que vão fornecer informações sobre o que está acontecendo em seus pacientes, operações e procedimentos. Dessa forma, serão capazes de analisar esses dados para apresentar insights que podem ser usados para tomar decisões mais inteligentes e eficientes”, descreve no artigo.

Castañeda conta que dados gerados em tempo real pelos dispositivos IoT vão exigir uma ação e uma resposta imediata, enquanto sistemas de Big Data vão auxiliar a revelar tendências que podem ajudar profissionais da saúde a rever os fluxos de trabalho e até identificar formas de melhorar diagnósticos, cuidados e tratamentos.

“Muitas instituições acreditam que podem ter acesso às informações que precisam para aprimorar a experiência e os resultados para os pacientes explorando a inteligência de ativos para apoiar o tratamento”, acrescenta.

Em alguns países da América Latina, calcula-se que os custos financeiros anuais de acidentes atribuídos a equívocos com medicamentos junto com outras razões estão na casa dos bilhões de dólares. “A IoT oferece formas de trabalho melhores e mais seguras que ajudam a evitar esses problemas”, expôs.

Segundo a consultoria Grand View Research, o mercado global de saúde investiu, em 2014, US$ 58,9 bilhões em dispositivos, software e serviços de IoT. E esse montante deve atingir US$ 410 bilhões até em 2022. Dados do BTC – Boston Technology Corporation também apontam essa tendência: as aplicações da IoT no setor devem, até 2020, crescer $ 117 bilhões.

Desafios

Para que a IoT se desenvolva no Brasil, é preciso superar alguns desafios, como revelam nossos entrevistados.

1 – Infraestrutura Básica

“É fundamental ter uma infraestrutura básica de rede de comunicação, já que a IoT se materializa no processamento imediato da informação gerada pelo dispositivo e o disparo da conduta definida pelo seu dado”, explica Vanderlei Ferreira, CEO da Zebra no Brasil. De acordo com ele, o índice de cobertura wi-fi eficiente em unidades hospitalares não passa de 7% no país, tendo muito que crescer para que uma solução de IoT seja uma realidade.

2 – Segurança da Informação

Ainda segundo Ferreira, da Zebra, outro grande desafio está em garantir total sigilo e proteção ao paciente quanto à preservação dos seus dados pessoais. “Se esta já é uma preocupação em qualquer segmento, na saúde a relevância é ainda maior. É um tema que extrapola as discussões de softwares ou hardwares de proteção e inclui processos e treinamento para que se estabeleça uma plataforma segura de IoT”, destaca.

Também para Reis, da Logicalis, este é um dos desafios mais relevantes. “Para garantir a segurança e a privacidade dos dados do paciente, é necessário que a infraestrutura esteja dimensionada de forma adequada, tanto em relação ao conjunto de hardwares utilizados, quanto ao número correto de links de comunicação para transferência dos dados para a nuvem”.

3 – Cultura

De acordo com Reis, da Logicalis, existe uma barreira cultural que precisa ser vencida, através do estabelecimento de um fluxo de trabalho adequado para que haja um processo de automação para o uso de soluções de IoT, e um convencimento do paciente em relação aos benefícios dessa tecnologia para que eles aceitem usá-la.

O primeiro passo para superar esses desafios, na opinião do consultor da Logicalis, é observar toda a cadeia de adoção de uma solução de IoT, desde sua concepção, passando pela utilização dos dispositivos, desenvolvimento de aplicações específicas para IoT, implementação da solução em si, até a efetiva operação.

“Além disso, é necessário convencer a alta gestão a investir em infraestrutura que dê suporte à adoção dessas soluções e realizar treinamentos de conscientização e engajamento dos profissionais e pacientes, mostrando a importância e os benefícios da tecnologia”, complementa.

Adequação

Quais os primeiros passos que o hospital deve tomar para se adequar a essas transformações tecnológicas? Para Ferreira, da Zebra, é preciso olhar para a infraestrutura de comunicação, definir as políticas de rede e acesso, identificar processos críticos que possam ser otimizados com IoT, envolver as pessoas e definir um piloto.

Ele diz que a solução de IoT tem de nascer com uma missão bem definida, seja o monitoramento de um paciente crítico para reduzir os tempos de respostas das equipes médicas, seja a redução de custo de operação. “Essa missão tem de estar fortemente atrelada aos fatores críticos de sucesso do hospital e alinhados com a sua estratégia, pois projetos de sucesso são aqueles abrangentes e que levam tempo para maturar, portanto, é imprescindível que gerem diferencial competitivo”, acrescenta.

Por sua vez, Reis, da Logicalis, diz que, primeiramente, o hospital deve mapear suas necessidades de negócio, para então alinhá-las à sua estratégia e identificar as principais ações a serem tomadas. A seguir, devem estabelecer uma relação entre suas necessidades de negócio e o uso de tecnologia para obter um processo de automação com soluções de IoT.

“Além disso, precisam avaliar as alternativas possíveis para cada necessidade de negócio, criar uma infraestrutura de TIC – Tecnologia da Informação e Comunicação aderente às alternativas de IoT escolhidas, seguir os processos de segurança das soluções, garantir a interoperabilidade entre elas e os sistemas de gestão hospitalar – mantendo a segurança no tráfego dessas informações – além de engajar toda a equipe hospitalar e os pacientes no uso das soluções”, aconselha.

Rodrigo Moreni, chefe do departamento de projetos do laboratório da Fanem, diz que o principal meio de se preparar para as novas tecnologias é capacitar a equipe para ser “user early adopter” de soluções que podem facilitar suas vidas no trabalho. “Claro, a maturação de qualquer tecnologia tem um ciclo, e ele é de fato necessário antes de qualquer investimento de grande porte. Mas nossa experiência nos diz que, mesmo tecnologias mais maduras e estáveis, muitas vezes, enfrentam barreiras de entrada em algumas instituições, especialmente em função da resistência das pessoas”.

Quanto à infraestrutura tecnológica necessária, ele considera que isso depende muito do que se foca como objetivo de trabalho. Existe uma série de soluções, em wi-fi, ethernet, Zigbee, bluetooth, Zwave, MiWi, LoraWan, GPRS, 3G, LTE, entre outros.

“Neste momento da evolução, ainda estamos definindo padrões para cada tipo de aplicação e a compatibilidade entre elas, o que se faz necessário não só à conectividade, mas também às normas de telecomunicação do país, à durabilidade da bateria, à compatibilidade do conjunto e a outros fatores determinantes na transformação”, expõe Moreni.

Segurança

Para o hospital evitar ataques aos sistemas, Ferreira, da Zebra, aconselha que ao planejar a implantação de uma solução, a área de Tecnologia de Operação trabalhe junto com a de Tecnologia de Informação. “Há uma oferta enorme de Soluções de Segurança no mercado e o ponto de vulnerabilidade de todas elas não está no seu desenho próprio, mas nas portas abertas de integrações que não foram discutidas entre esses dois setores”, observa.

Ele diz que a partir do momento em que um sistema de ar condicionado é conectado a uma rede de dados para a automatização de seu controle, tem de haver uma análise abrangente para que a gestão dessa conexão seja feita com segurança. “E depois da implementação, oferecer treinamento constante das pessoas envolvidas nos processos a fim de que os procedimentos que foram desenhados para garantir a segurança sejam observados.”

Reis, da Logicalis, cita alguns cuidados que devem ser adotados para evitar ataques aos sistemas: adotar o hardware de IoT adequado, que deve conter apenas os componentes mínimos necessários para evitar qualquer tipo de invasão; investir na segurança física do hardware através de recursos que garantam a inviolabilidade do equipamento; manter o firmware sempre atualizado; seguir a metodologia de desenvolvimento de software seguro, garantindo todas as fases de testes e implementação; auditar frequentemente toda a infraestrutura de IoT e, sempre que possível, manter soluções de segurança atualizadas.

Quando o assunto são produtos médicos, normalmente dotados de tecnologia eletrônica embarcada, todo cuidado com as barreiras de proteção deve ser levado em conta. É o que alerta Moreni, da Fanem. Segundo ele, não são raros os casos de invasões via internet, inclusive por meio de implementações caseiras que permitem acessar equipamentos em hospitais através de uma porta bluetooth ou de um roteador que não possua a chave correta de proteção. Por isso, o entrevistado reforça que a capacitação é o que faz a diferença, não só do usuário, mas também da própria equipe de engenharia clínica. Todas as proteções e o planejamento de como isso deve ser feito depende de ações multidisciplinares na organização.

“Do ponto de vista do fabricante, preocupamo-nos constantemente em desenvolver produtos que atendam às normas de segurança pertinentes e que, caso haja qualquer ataque ao produto, os impactos sejam reduzidos ou o ataque bloqueado por sistemas de duplo processamento, capazes de isolar controle do CORE e da finalidade do produto no que diz respeito à interconectividade, garantindo assim seu uso pretendido”, declara.

IoT na indústria de produtos médicos

Pelo lado das fabricantes de equipamentos médico-hospitalares, fala Rodrigo Moreni, chefe do departamento de projetos do laboratório da Fanem, multinacional brasileira que desenvolve produtos nas áreas de neonatologia e de laboratórios. A empresa utiliza a IoT para monitorar a temperatura das câmaras de conservação de imunobiológicos e hematológicos e para substituir os controles em papel por relatórios eletrônicos. “Aos poucos evoluímos, incluindo outros parâmetros, capazes de controlar tudo à distância, através da nuvem. E hoje, as câmaras fabricadas em nosso parque industrial, 100% nacional, dispõem de conexões wi-fi, ethernet e bluetooth e monitoram indicadores, inclusive por dispositivos móveis. Assim é possível saber como estão as temperaturas no interior das câmaras, quantas vezes foram abertas as portas, as condições do sistema elétrico e  o consumo de energia, entre outros”, ressalta.

Moreni acredita que o principal problema para a implantação da IoT esteja no desenvolvimento da tecnologia. “O brasileiro é muito criativo e sempre acaba inovando e buscando novas tecnologias para os produtos desenvolvidos, bem como a interconectividade. Entretanto, a falta de clareza e a ausência de regras específicas de importação/impostos acabam sempre incorrendo em altos custos e alongamento de prazos na liberação do material que seria usado na confecção dos protótipos iniciais de teste”, aponta.

Em sua opinião, isso coloca o desenvolvedor brasileiro de equipamentos em uma posição de enorme desvantagem em comparação aos grandes players da tecnologia mundial, como Suíça, Estados Unidos e China. “Por outro lado, o alto custo de conectividade na última milha, vez ou outra, dificulta a implantação de tecnologia IoT em larga escala. Um mercado cada vez mais restrito de operadores de conexão em banda larga acaba inviabilizando soluções que seriam facilmente alavancadas em outros países”, ressalta.

O chefe do departamento de projetos do laboratório da Fanem diz que esses desafios podem ser superados com regras mais facilitadas de importação do material de desenvolvimento de protótipos, em geral componentes eletrônicos vindos de grandes distribuidores internacionais de alta performance. “Isso seria com certeza um acelerador para as tecnologias brasileiras entrarem no mercado. Além disso, a rápida adoção e liberação do governo brasileiro para tecnologias como LoRaWan e NarrowBand-Iot podem reduzir custo de conexão para dispositivos IoT e, desta forma, permitir soluções mais assertivas”.