Como entrar na mente dos outros, segundo especialista de treinamento em detecção de mentiras no FBI e na CIA

“As atitudes, os valores e os comportamentos são refletidos em nossos discursos”, diz o psicoterapeuta David Lieberman.

“Os padrões de pensamento e comportamento são manifestados na fala”, diz David J. Lieberman — Foto: Divulgação

De um pedido de café descafeinado a uma entrevista de emprego, de uma conversa casual a uma negociação importante, de um encontro romântico a um discurso político – em qualquer situação, tanto pessoal quanto profissional, a realidade pode ser distorcida em níveis variáveis. O psicoterapeuta David J. Lieberman acredita ser possível descobrir as verdadeiras intenções das pessoas.

Lieberman é responsável pelo treinamento em táticas de interrogatório e detecção de mentiras no FBI, na CIA, nas Forças Armadas e na Agência de Segurança Nacional dos EUA. Além disso, ministra workshops para empresas, governos e instituições de 124 países. É autor de “Como decifrar mentes” (trad. Bruno Fiuza, Sextante, 256 págs., R$ 49,90).

Com base em pesquisas na neurociência, psicolinguística e ciências cognitivo-comportamentais, Lieberman afirma que há pistas reveladoras em diálogos e na escrita.

“Os padrões de pensamento e comportamento são manifestados na fala, e os traços de personalidade podem ser revelados pelas formas gramaticais utilizadas. As atitudes, os valores e os comportamentos são refletidos em nossos discursos; as palavras que usamos em nosso dia a dia podem nos dar insights sobre nós mesmos e nossos relacionamentos”, diz.

Segundo o escritor, enquanto o estado de um indivíduo é uma forma temporária de sentir, o traço é uma característica ou padrão de pensamentos, sentimentos e comportamentos mais estáveis e, portanto, um bom indicativo das ações futuras.

Para uma análise mais precisa, no entanto, a observação por períodos mais longos, especialmente durante tempos de estresse, é fundamental. “As marcas do discurso não são definidas apenas por uma única referência casual, e sim por padrões consistentes que podem revelar muito.”

De acordo com Lieberman, a escolha das palavras pode deixar transparecer as intenções ocultas. “Alguém que faz um relato mentiroso geralmente se concentra muito em detalhes irrelevantes para tentar passar profundidade. A conversa é temperada com minúcias para nos distrair da verdade, como se estivesse jogando areia na nossa cara”, explica. Apesar de as pessoas que dizem a verdade geralmente serem mais diretas, é preciso cautela nas avaliações. “Um dos maiores erros cometidos é achar que a pessoa assertiva é honesta e que a outra mais reservada ou hesitante não é.”

Ele acrescenta que, como contar uma mentira exige mais energia mental do que dizer a verdade, os mentirosos geralmente recorrem a atalhos – o que significa que eles se expressam de um jeito que minimiza a necessidade de pensar e refletir profundamente. Ao prestar atenção não apenas no que as pessoas falam, mas também em como elas falam – o padrão linguístico e a estrutura das frases -, é possível descobrir o que se passa na mente delas.

Segundo o autor, há quatro sinais de dissimulação: discursos categóricos e filosóficos (a pessoa procura justificativa interna e validação externa); afirmações autorreferentes (é provável que um mentiroso repita palavras e frases para manter sua história mais simples e reduzir o fardo cognitivo); ausência de complexidade (quem mente tem mais dificuldades de empregar termos que fazem distinções – como “além disso”, “apesar” – porque é cognitivamente mais desgastante manter registro daquilo que ela não fez e do que não aconteceu enquanto relata o que fez e que aconteceu; alívio ao fim da conversa: o culpado quer que o assunto mude e a conversa acabe, enquanto o inocente quer trocar mais informações.

Assim como um mentiroso menos habilidoso desvia o olhar porque o contato visual estimula a intimidade, quem faz uma afirmação falsa procura inconscientemente se distanciar das próprias palavras, segundo Lieberman. O uso da voz passiva e de estruturas gramaticais mais floreadas, um discurso fora da ordem cronológica, metáforas, clichês e frases feitas, por exemplo, podem ser indícios de um discurso mentiroso.

Autor de “Nunca mais seja enganado” (1998) e da continuação “Você pode ler qualquer pessoa” (2007), Lieberman afirma que o novo trabalho representa um salto quântico no assunto, apresentando os métodos mais avançados que existem na elaboração do perfil de pessoas.

“Boa parte das técnicas funciona sem a necessidade de interagir com a pessoa em questão – muitas vezes basta ouvir uma conversa, uma fala ou uma gravação, como uma mensagem de voz ou ler um e-mail”, afirma. Diferentemente de outros autores, ele recorre pouco à leitura de “sinais de linguagem corporal desatualizados e observações superficiais sobre as roupas e os acessórios”.

“Um terno caro e sapatos bem engraxados indicam ambição e uma calça de moletom, preguiça? De jeito nenhum. A pessoa pode se vestir casualmente porque se sente mais confortável e não se importa com o que os outros pensam; mas, por outro lado, no fundo, ela pode ser muito insegura e querer aparentar ser descontraída”, explica.

Alguns especialistas afirmam que braços e pernas cruzados sugerem uma postura defensiva ou divergente. Essa interpretação, porém, será equivocada se o interlocutor estiver sentado em uma cadeira sem apoio para os braços em um ambiente frio. Pouco ou nenhum contato visual direto é um sinal de mentira ou falsidade, contudo muitos já estão treinados a evitar esse comportamento e reagir de forma distinta.

“Se nos apoiarmos em hipóteses superficiais, as chances de interpretarmos mal as pessoas serão enormes”, diz. “A capacidade de ler as pessoas sem precisar vê-las é cada vez mais vital numa época em que filtros e videoconferências podem tornar as expressões faciais e a linguagem corporal completamente inertes.”

Para Lieberman, quando houver muita coisa em jogo – negociações, interrogatórios, questões envolvendo abuso, roubo ou fraude – é possível aprender a poupar tempo, dinheiro, energia e sofrimento ao distinguir quem tem boas intenções de quem não tem. E quais são os profissionais que mais mentem em suas ocupações? “Eu diria que, em qualquer crime, você tem um motivo, os meios de cometer o delito e a oportunidade. Quando se trata de dinheiro, qualquer pessoa inescrupulosa certamente terá um motivo.”

FONTE:

https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2024/01/05/como-entrar-na-mente-dos-outros-segundo-especialista-de-treinamento-em-deteccao-de-mentiras-no-fbi-e-na-cia.ghtml