Como a crise na Venezuela acelera o desenvolvimento de carros autônomos

Por trás de algoritmos de Inteligência Artificial estão centenas de milhares de venezuelanos em busca de uma renda fixa

Muito se fala de machine learning e aprendizado de frota, técnicas usadas por desenvolvedores de carros autônomos para que os algoritmos se aprimorem ao longo do tempo. No entanto, estas tecnologias correspondem apenas a uma parcela do aprendizado de que os softwares necessitam para operar corretamente nas vias públicas. Por trás da Inteligência Artificial (IA) que garante a direção segura dos veículos, estão milhões de trabalhadores buscando complementar suas rendas.

 Na Venezuela, centenas de milhares de pessoas passam boa parte do dia sentados atrás de um computador apontando para imagens que contém árvores ou bicicletas. Com o país em crise, plataformas colaborativas de desenvolvimento de IA para carros autônomos tornaram-se uma fonte de renda extra com lastro em dólar (o que é muito importante em uma economia cuja inflação atingiu 10 milhões por cento em um ano).

Segundo reportagem do Technology Review, uma parcela grande destes trabalhadores é formada por venezuelanos de classe média, com acesso à internet e computador em casa. No entanto, com a crise, viram-se desempregados ou com trabalhos que não sustentavam suas famílias.

Empresas de Inteligência Artificial norte-americanas identificaram uma oportunidade neste cenário. A Mighty AI é um exemplo: após traduzir o site para o espanhol, 75% de seu tráfego vem de um anúncio em um site de empregos venezuelano. A startup foi adquirida pela Uber e desenvolve algoritmos de direção autônoma para a BMW. Outras companhias de IA que utilizam a mão-de-obra da Venezuela são Playment, Hive e Scale.

Trabalhadores fantasmas

Segundo a antropóloga Mary L. Gray, existe uma nova classe chamada “trabalhadores fantasmas” que é a base do desenvolvimento da Inteligência Artificial. São pessoas que realizam, a custo baixo e sem vínculo empregatício, a tarefa mais mecânica do mundo digital: ensinar o algoritmo a reconhecer aquilo que forma o mundo.

A IA é baseada em dados. Ou seja, para compreender o que é uma cadeira, é preciso alimentar o sistema com milhares de imagens de cadeiras de diferentes tipos e tamanhos. Assim, o algoritmo poderá reconhecer uma cadeira em uma imagem, mesmo que nunca a tenha visto antes, por ter características semelhantes ao que há em sua base de informações.

Portanto, quando se fala em carros autônomos, a assertividade é essencial. Um veículo precisa saber distinguir uma via livre, uma árvore, uma bicicleta, um poste de luz e todo e qualquer obstáculo que pode haver no caminho. Do contrário, pode comprometer a segurança do passageiro e das pessoas a sua volta.

A rotina dos “trabalhadores fantasmas” da Venezuela, portanto, é tão mecânica que recorda os tempos mais primordiais da primeira revolução industrial. Eles passam longas horas analisando imagens, pixel por pixel, identificando todos os objetos que há nelas. O panorama é o mesmo desde os primórdios do capitalismo: a precarização do trabalho, em análise final, é sempre a base do desenvolvimento tecnológico do futuro.

FONTE: STARTSE