Como a computação quântica vai abalar os negócios para sempre

A feira anual Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, conta boa parte da história da tecnologia desde 1967. Na edição mais recente, 180 mil pessoas do mundo todo passaram pelos corredores do evento para conferir os produtos que as empresas expositoras vão tentar nos vender nos próximos meses. Alguns vão emplacar, outros vão cair no esquecimento. Mas um lançamento em especial, em 8 de janeiro, tem boa chance de ser lembrado para sempre: o Q System One, da IBM, primeiro computador quântico do mundo de uso comercial abrangente. O equipamento negro com aparência de escultura futurista é um marco histórico. Entramos numa nova fase de uma maratona iniciada há décadas. Trata-se de uma corrida para levar a tecnologia dos laboratórios até o dia a dia das companhias — um esforço que hoje inclui colossos como AlibabaGoogle e Microsoft, além de startups. Em sua famosa curva de adoção de novidades, a consultoria Gartner estima de cinco a dez anos para que a computação quântica entre na fase de uso produtivo nos negócios (antes disso, a tecnologia deve passar pelo pico das expectativas infladas e pelo vale das decepções). O caminho vai ser tortuoso. Já temos, porém, algumas certezas.

A nova tecnologia será muito melhor para fazer simulações complexas e tratar de questões probabilísticas — e a IBM vai tentar convencer o mercado a acelerar a mudança. “Precisamos da computação quântica para simular a natureza. Isso vai ser fundamental para a descoberta, entre outras coisas, de novos medicamentos”, afirmou o americano Robert Sutor, vice-presidente da IBM responsável pela estratégia quântica da empresa e doutor em matemática pela Universidade de Princeton. Sutor enumera algumas outras atividades que vão se beneficiar de simulações mais perfeitas: gestão de investimentos, mensuração de risco em diferentes cenários, pesquisas de novos materiais.

Os computadores quânticos da IBM têm estrutura pensada para facilitar a refrigeração extrema e garantir mais estabilidade (Foto:  Graham Carlow/divulgação )

“O LUSTRE” Os computadores quânticos da IBM têm estrutura pensada para facilitar a refrigeração extrema e garantir mais estabilidade (Foto: Graham Carlow/divulgação )

Em cada setor é possível imaginar um exemplo de aplicação. A agricultura em grande escala depende de fertilizantes artificiais e a produção do insumo exige alta pressão e temperatura. O processo devora algo entre 1% e 2% do total de eletricidade consumido no mundo. Na natureza, bactérias realizam o mesmo processo químico em condições normais de temperatura e pressão. “Sabemos mais ou menos quais são as reações envolvidas, mas não conseguimos simulá-las [para entendê-las] na computação clássica”, diz Carlos Cardonha, de 36 anos, pesquisador na IBM. “A esperança é que com a computação quântica possamos fazer essas simulações. Resolvendo só esse problema, já se pagam todos os investimentos feitos por empresas e governos no setor nos últimos 30, 40 anos”, afirma o brasileiro, cientista da computação com mestrado em computação quântica na USP e doutorado no Zuse Institute, na Alemanha.

Na indústria farmacêutica, um dos processos mais complexos é simular, em detalhes, o dobramento e desdobramento de moléculas de proteínas, e sua interação com novas drogas. Hoje, é impossível reproduzir o que ocorre no nível molecular sem gastar muita energia e meses de processamento (uma iniciativa famosa na área é o folding@home, que se propõe a lidar com a questão usando o poder distribuído de milhões de PCs). A computação quântica pode reduzir o tempo de processamento desse tipo de problema para minutos, talvez segundos, e ajudar na engenharia de moléculas de remédios mais precisos no enfrentamento de doenças como Alzheimer e Parkinson.

A canadense D-Wave, fundada em 1999, vem fazendo progresso por um caminho tecnológico alternativo ao da IBM (Foto: Divulgação)

STARTUP PIONEIRA A canadense D-Wave, fundada em 1999, vem fazendo progresso por um caminho tecnológico alternativo ao da IBM (Foto: Divulgação)

Há previsões de mudanças tectônicas no setor de segurança da informação. Encriptação quântica pode ser invulnerável diante de ataques feitos por computação clássica. Mas algumas formas de criptografia comuns atualmente tendem a se tornar obsoletas de uma vez só, se o poder de processamento quântico for usado para quebrá-las — o que varreria do mapa empresas do setor que não se prepararem para a mudança. “Computadores quânticos representam um avanço de dimensão tal em poder de processamento que têm o potencial para expor o setor financeiro a violação sistêmica das medidas de segurança atuais”, escreveu em setembro Elisabetta Zaccaria, chairman da ONG Secure Chorus, que reúne entidades privadas e governamentais para debater segurança digital. “Esse avanço pode ser desastroso para o setor financeiro se não for adequadamente antecipado e administrado”, afirmou a executiva — ela estima que o choque vá ocorrer a partir de 2025.

Em novembro, em artigo na revista científica Nature, três pesquisadores (Aleksey Fedorov, Evgeniy Kiktenko e Alexander Lvovsky) do Centro Quântico Russo, em Moscou, e da Universidade de Oxford afirmaram que o blockchain — tecnologia hoje vista como futuro da segurança digital — será quebrado em apenas uma década pelo avanço da computação quântica. O perigo não vai se restringir aos serviços financeiros. Profissionais de segurança digital vão precisar rever seus métodos. Os hackers certamente já estão fazendo isso.

FONTE: https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/02/como-computacao-quantica-vai-abalar-os-negocios-para-sempre.html