Como biotecnologia, startups e IA podem salvar a comida da crise climática

Um dos principais acontecimentos da última semana foi a publicação do 6º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Também conhecida como IPCC, a organização foi criada no âmbito das Nações Unidas e, nos últimos anos, se consolidou como a principal referência técnico-científica sobre a agenda de mudanças climáticas.

A mais recente publicação foi construída por 270 especialistas de 67 países e reforça a urgência de que as nações implementem estratégias para viabilizar o cumprimento de um dos principais compromissos do Acordo de Paris: controlar o aumento da temperatura terrestre de modo que não ultrapasse 1,5 graus até 2025 — e, portanto, cinco anos antes da previsão inicial do Acordo.

O 6º Relatório do IPCC aborda o tema da mitigação, ou seja, as estratégias necessárias para interromper a emissão de gases do efeito estufa (GEE) e também reduzir a concentração já existente dessas substâncias na atmosfera terrestre.

O desafio é estrutural e envolverá a participação dos mais diversos setores, uma vez que o nosso modo de vida — trabalho, estudo, consumo, entretenimento, locomoção — é o principal responsável pelas mudanças climáticas que temos observado nas últimas décadas.

Nesse sentido, precisaremos também adotar mudanças na forma como nos alimentamos, já que a produção de comida tem sido uma importante causa das mudanças climáticas, mas também é um setor que sofre grande parte de suas consequências: a perda da diversidade dos alimentos, desabastecimento, aumento dos preços e problemas graves para a saúde pública, como a desnutrição.

Em seu capítulo 5, a publicação do IPCC traz centenas de evidências sobre a correlação entre mudanças climáticas e a produção de alimentos.

O mais grave é que os efeitos atuais e futuros tendem a penalizar regiões e grupos populacionais historicamente impactados pela baixa produção e acesso a alimentos:

  • Habitantes de regiões como a África Subsaariana, sul da Ásia e América devem enfrentar maiores riscos de fome;
  • As condições climáticas serão cada vez mais estressantes para animais de pecuária e trabalhadores dos setores de produção alimentícia;
  • E os ecossistemas responsáveis por serviços essenciais, como polinização, estarão cada vez mais ameaçados.

O cenário é absolutamente crítico, as mudanças deverão ser profundas e precisam ser implementadas com urgência.

A boa notícia é que, além de trazer um detalhamento precioso sobre o problema, a publicação do IPCC também apresenta caminhos para a superação de um risco tão sério à nossa sobrevivência.

A garantia de uma alimentação de qualidade, em quantidade e com acessibilidade para todos dependerá da adoção de transformações profundas no setor.

Agroflorestas, diversificação de plantações, fortalecimento da biodiversidade e o incentivo às fazendas urbanas são apenas algumas das estratégias apontadas pelo relatório.

O uso de tecnologias será central nesse esforço —a palavra é mencionada mais de 40 vezes ao longo do documento— através de múltiplas aplicações —desde a biotecnologia, utilizada para o melhoramento genético de sementes, tornando-as mais resistentes às condições climáticas, passando pelo desenvolvimento de fontes alternativas de proteína que reduzam o consumo de carne, até soluções de inteligência artificial que possibilitem a gestão otimizada das diferentes culturas em uma lavoura.

E a contribuição das govtechs para o desenvolvimento dessas soluções tão fundamentais vem de longe.

Já em 2017, o BrazilLAB lançou o desafio de acelerar soluções tech para a agricultura urbana, alternativa apontada atualmente pelo IPCC para reduzir o impacto da cadeia de produção de alimentos.

Uma das empresas aceleradas foi a BeGreen, startup que é hoje a maior fazenda urbana da América Latina, produzindo 130 mil pés de hortaliças por mês, com níveis de desperdício próximos a 1% e redução do consumo de água em 90%.

E o mercado das agtechs, startups de soluções aplicadas à produção de alimentos, só cresce. Segundo estimativas do setor, entre 2020 e 2021 eram 1.574 empresas do tipo —40% a mais do que em 2019.

A contribuição da tecnologia e das startups será fundamental para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Precisaremos de todos os esforços voltados para aproveitar a janela de oportunidade apontada pelo IPCC.

Nos próximos anos, ainda haverá tempo para evitar um cenário catastrófico no qual nosso planeta passe a ser um lugar não habitável para os seres vivos. Precisamos agir juntos e agora.

FONTE: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/leticia-piccolotto/2022/04/09/como-as-mudancas-climaticas-estao-impactando-nossa-alimentacao.htm