Como a Barn sobreviveu com R$ 40 mil até virar referência em agtechs

Firma de venture capital fundada há quase 10 anos por Flávio Zaclis está levantando US$ 100 milhões para o quarto fundo

Flavio Zaclis provou a tese de investimentos em startups do agro ao vender a Strider à Syngenta — Foto: Silvia Zamboni/Valor

— Você é louco? Acha que alguém vai investir nisso com a taxa Selic a 14% ao ano?

Os juros até parecem atuais, mas era o Brasil de 2015. Àquela altura, a crise do governo de Dilma Rousseff só fazia piorar, deixando os cabelos de Flávio Zaclis cada vez mais brancos. Para desespero do paulistano de 37 anos, quase ninguém topava entregar dinheiro a um gestor de venture capital pouco testado. Era muito mais fácil — e seguro — ganhar um bocado na renda fixa.

Ao lado do braço direito Thiago Mendes, um jovem engenheiro da Poli com passagem pela Merrill Lynch, Zaclis suava para manter a Barn Invest de pé. Criada em dezembro de 2012 com o capital de conhecidos que investiram R$ 10 milhões no primeiro veículo, a gestora sobreviveu com R$ 40 mil por mês para bancar a equipe durante os primeiros cinco anos.

Naquele turbulento ano de 2015, a Barn parecia com os dias contados. A Arkpad, um marketplace de design e decoração que marcou a estreia dos investimentos da gestora, estava em apuros e Zaclis fez um doloroso write-off.

Enquanto a gestora via a primeira aposta virar pó e o país se esfarelava, um membro do comitê de investimentos chegou a sugerir que a parte que ainda restava dos R$ 10 milhões fosse devolvida aos cotistas — nesse meio tempo, a Barn também investiu na Strider, uma agtech desconhecida até então.

Apesar do susto, o investidor foi dissuadido e a Barn fez um aporte na Nutribem, uma startup que oferecia um sistema de gestão para cantinas escolares. Em 2016, a gestora convenceu os cotistas a colocarem mais dinheiro, apostando em três ativos ao mesmo tempo: Trocafone, Worldpackers e Skore.

Com cinco startups no portfólio, a gestora de Zaclis ainda precisava mostrar que sabia multiplicar o dinheiro dos investidores. Numa tacada que mudou a história de venture capital no agro brasileiro, a Barn chegou a um acordo com a Syngenta para vender a Stider, uma startup de agricultura digital fundada por Luiz Tângari, Gabriela Mendes e Carlos Gonçalves.

A saída veio numa hora providencial. No ápice da greve dos caminhoneiros, os cotistas do primeiro fundo da gestora receberam retorno. A venda multiplicou o capital investido por três, começando a dar lastro para a tese agro de Zaclis — em inglês, Barn significa celeiro, numa alusão ao potencial do Brasil em recursos naturais e também às ambições da gestora de se tornar um celeiro de ideias.

Aos 40 anos, Zaclis conseguiu mostrar que suas apostas tinham um diferencial, aproveitando os conhecimentos acumulados nos anos anteriores, quando trabalhou com private equity na AIG Capital Partners — lá, acompanhou investimentos em negócios como a companhia aérea Gol, a Fertilizantes Heringer e o frigorífico Mercosul (posteriormente comprado pela Marfrig) — e na Vision Brazil, uma firma com foco no campo.

“A Vision tinha uma tese acertada de que o Brasil seria o grande líder em produção de alimentos, e investia em usinas, transformação de terras, precatórios. Fui contratado para montar a área de private equity e acabei vivendo muito perto do agro. É fascinante. O empreendedor brasileiro está no campo”, contou Zaclis ao Pipeline.

Depois de atravessar a arrebentação e entregar um retorno que ficou entre 45% e 50% ao ano no primeiro fundo, a Barn conseguiu uma captação mais parruda em 2019, beneficiada pelo ambiente de maior liquidez e queda dos juros no Brasil. “Se vocês já ganharam dinheiro com a gente, imagina com os juros baixos”, narra o gestor sobre as conversas com os investidores.

Atraindo um grupo de 60 investidores que incluem pessoas físicas de alto patrimônio a family offices, a gestora levantou R$ 100 milhões para o terceiro fundo, um veículo que já espelha a estratégia da gestora, concentrada em agtechs e greentechs, no que Zaclis julga ser o grande diferencial competitivo da Barn.

“Foi uma decisão difícil anunciar que não somos mais um fundo agnóstico. Há muitos fundos agnósticos com muito dinheiro e não vamos ganhar essa competição. Por outro lado, temos muito conhecimento em agro. Todos os investimentos em agro que fizemos estão voando”, disse o gestor.

De lá para cá, o terceiro fundo da gestora investiu em startups como Agrolend, Grão Direto, Agrotoken e Rúmina. Olhando para o potencial de sustentabilidade brasileiro, também investiu na Nextron, uma startup que oferece energia solar por assinatura no varejo, e na startup de motos elétricas Origem. Nesse veículo, a gestora conseguiu fugir do mal humor do mercado com as startups. “Todas fizeram rodadas recentes e com up round”.

Com os recursos do terceiro fundo próximo do fim — ainda há dinheiro reservado para follow-on e uma parte para mais dois investimentos —, a Barn está em conversas para chegar ao quarto fundo, desta vez um veículo de US$ 100 milhões (cerca de R$ 520 milhões no câmbio atual). A ideia de Zaclis e do time de sócios composto por Mendes e Lina Lisbona (investidora com experiência em ESG que chegou em 2019 vinda da Earth Capital Partners) é deixar 50% do novo fundo reservado para follow-ons.

“Queremos ser um dinheiro catalítico”, diz Zaclis. No radar, estão investimentos na área de insumos biológicos para o agro, tecnologia para sementes, monitoramento de garantias, seguro rural e fintechs voltadas ao campo. No futuro, a Barn quer se tornar uma referência para o campo brasileiro não só em venture capital, mas também com fundos de dívida que possam estruturar modelos de negócios que casam equity e dívida.

Diante do potencial ambiental brasileiro — ainda que muito maculado nos últimos anos —, Zaclis acredita que a Barn pode ajudar a mudar a lógica e a narrativa do país. “Quero que as pessoas reconheçam o agro pela qualidade. Nossa agricultura é muito mais avançada que a americana”.

FONTE: https://pipelinevalor.globo.com/mercado/noticia/como-a-barn-sobreviveu-com-r-40-mil-ate-virar-referencia-em-agtechs.ghtml