Com uma Murdoch no comando, startup é líder em filmes curtos para celular

Vertical Networks, startup fundada por Elisabeth Murdoch, empresária filha de Rupert Murdoch, aposta no futuro da televisão via Snapchat e conquista jovens

O set de filmagens da Vertical: startup fundada por Elisabeth Murdoch, filha de Rupert Murdoch, líder em filmes para apps (Jake Michaels/The New York Times)

Glendale, Califórnia – Um jovem ator de cavanhaque fazendo o papel de um satanista em um filme de suspense chamado “Solve” se sentou na frente de uma câmera, em julho. Seis membros da equipe suavam; um deles olhava para o cronômetro de seu iPhone.

“Agora quero que mostre que está exausto”, o diretor, que também era o operador de câmera, disse ao ator. “Nesta tomada, você passou a noite toda adorando Satanás. Pronto? Ação!”

Não foi muito bom. “Muito longo. Foram 22 segundos”, disse o sujeito do iPhone. Houve ordens para refazer a cena, de preferência em uma tomada de 18 segundos. Talvez tentar mostrar um satanista nervoso.

Esse é o futuro da televisão, feito pela Vertical Networks, startup fundada por Elisabeth Murdoch, empresária de mídia filha de Rupert Murdoch. Enquanto ele e seus irmãos, Lachlan e James, estavam ocupados vendendo os estúdios da família para a Walt Disney Co., ela silenciosamente transformou a Vertical em uma grande fornecedora de séries baseadas em aplicativos de dispositivos móveis. As histórias são contadas de forma rápida (cenas de 20 segundos, episódios que duram poucos minutos) e dependem de técnicas de produção como telas divididas e texto, e são filmadas verticalmente, em vez de horizontalmente.

 “Eu queria um lugar na primeira fila para ver esse novo mundo acontecer; é mais difícil do que parece. A produção de um bom vídeo móvel é trabalhosa e muitas vezes contraintuitiva”, disse Elisabeth Murdoch, 50 anos, em um e-mail.Com base em pesquisas, a Vertical descobriu como conquistar espectadores adolescentes no Snapchat, por exemplo, enquanto outras produtoras de sucesso, como WarnerMedia e Viacom, demoraram a atrair clientes fiéis. Os sucessos da Vertical no Snapchat incluem “Phone Swap”, uma série de namoro que permite que os participantes bisbilhotem os dispositivos móveis uns dos outros, e atraiu uma média de 10 milhões de espectadores por episódio. “Solve”, que detalha um crime inspirado em acontecimentos reais e então pede que os espectadores analisem os prováveis suspeitos, estreou em maio e atrai uma audiência semelhante.

“É o ‘Law & Order’ de quem tem 13 anos”, disse Adam Lederer, 27, o showrunner de “Solve”.

A Vertical, que tem o Snap, empresa-mãe do Snapchat, como um de seus investidores minoritários, também faz vídeos para o Facebook (“I Have a Secret”) e o YouTube (“Yes Theory”). O estúdio disse que seu conteúdo original – incluindo a Brother, revista digital para os jovens publicada diariamente no Snapchat e no Facebook – atrai mais de 50 milhões de espectadores ativos mensalmente. Um porta-voz informou que a startup é rentável, com vendas de anúncios responsáveis pela maior parte de sua receita e clientes como Nike, Intel e Warner Bros..

Quando o negócio tradicional da TV começou a vacilar, com as audiências mais jovens sem interesse em TV a cabo e canais lutando para competir com o Netflix, Hollywood começou a levar a sério a ideia de chegar às massas e seus dispositivos móveis. A Disney está pagando US$ 71,3 bilhões por vários componentes do império de mídia de Murdoch para fortalecer seus planos de streaming baseados em aplicativos. Elisabeth Murdoch não quis comentar sobre a venda.

Jeffrey Katzenberg, o fundador DreamWorks Animation, disse em agosto que seu novo empreendimento, WndrCo, tinha garantido US$1 bilhão de investidores, incluindo Universal, Sony e Paramount, para criar conteúdo de alta qualidade destinado a visualização móvel.

Algumas empresas de mídia convencionais, como NBCUniversal e Condé Nast, fazem algum sucesso nesse segmento. Até agora, no entanto, os vencedores na categoria “série original para dispositivos” são basicamente startups como a Vertical.

“O maior erro de Hollywood é a arrogância. É o clássico ‘Vamos dar ao público o que nós queremos, e se ele não quiser, bom, a culpa é dele por não reconhecer nosso brilhantismo’”, disse Tom Wright, que era o executivo-chefe da Vertical até recentemente.

Os filhos de Murdoch passaram a maior parte de suas carreiras nas empresas da família, mas Elisabeth, que vive em Londres, é uma empreendedora em série. Ela percebeu o surgimento da reality TV, fundando o Shine Group, em 2001, e produzindo versões locais de programas como “MasterChef” e “The Biggest Loser”. Vendeu a Shine 10 anos depois para a News Corp de seu pai por US$770 milhões (valor atualizado).

Acredita-se que também o tenha levado a se arriscar em um programa que se tornaria um dos maiores sucessos da reality TV na história: “American Idol”.

Com a Vertical, Elisabeth Murdoch queria tentar algo novo. Será que o estúdio conseguiria encontrar maneiras diferentes de entreter uma audiência de 13 a 25 anos – os usuários de aplicativos como o Snapchat – e depois transformar esse conteúdo em programas de televisão, livros e outros meios de comunicação tradicionais?

Ela chegou a uma conclusão depois de dois anos. “Parece que podemos”, disse Murdoch.

Em agosto, a Vertical adaptou “Phone Swap” para a televisão, uma novidade para qualquer série original do Snapchat. (que lançou dezenas de shows este ano.) Quinze episódios de “Phone Swap” – com duração de 30 minutos cada, comparados com cerca de quatro minutos na rede social – passaram em estações locais da Fox como teste para uma série normal.

A Vertical também vai publicar um livro de conselhos baseado na sua e-magazine Brother, especializada em dicas audaciosas de estilo de vida. Um exemplo de uma edição recente: “Curiosidade: comer meleca também evita que as bactérias grudem em seus dentes!”.

Conteúdo irreverente faz sucesso no Snapchat, que tem 188 milhões usuários principalmente jovens.

“Se não lhes dermos três coisas simultâneas para assistirem, vamos perdê-los. Os espectadores de dispositivos móveis estão acostumados ao estímulo constante. Imagine quanta informação visual seu cérebro está processando em um feed do Facebook ou na busca de notificações de aplicativos”, disse Bailey Rosser, diretora de desenvolvimento de audiência da Vertical.

E use a palavra “você” o mais frequentemente possível no conteúdo móvel, aconselhou ela. “Estou falando sério!”, disse, depois que um repórter a olhou de modo cético. “Esse público é narcisista.”

Rosser, que iniciou sua carreira no Google, descreveu-se como “velha”. Ela tem 30 anos. Juntou-se à Vertical há dois e monitora o desempenho das produções do estúdio em mais de 100 variáveis para saber como os espectadores se comportam. Do que eles gostam? O que os mantém mais envolvidos?

Escritores e produtores usam seus dados para moldar e remodelar o conteúdo da Vertical. O estúdio, com sede em Venice, Los Angeles, e empregando cerca de 40 pessoas, chama essa prática de “a arte da matemática”.

Cores de fundo brilhantes – como o amarelo Snapchat – atraem espectadores e mantêm seu interesse em um episódio de cinco minutos, o equivalente móvel de uma hora de visualização tradicional. Os primeiros dados de “Phone Swap” ajudaram a Vertical a perceber que os espectadores precisavam ver um swapper entrando em pânico nos primeiros 20 segundos. Caso contrário, acabavam se desinteressando.

Alguns estúdios rivais dizem que a Vertical se beneficiou de seus laços com outros negócios controlados por Murdoch. O spinoff de “Phone Swap” foi transmitido em canais de TV controlados pelo pai de Murdoch, por exemplo. Em um acordo recente, a Fox também cuida das vendas publicitárias para a Vertical Networks. (A Disney não está comprando as estações locais da Fox nem sua rede da transmissão.)

Wright e Jesús Chavez, que assumiu como executivo-chefe em setembro, vê essa crítica como inveja e mencionou que estavam produzindo vários projetos para outros canais.

“Fomos muito bem-sucedidos porque construímos uma equipe surpreendente, realmente dedicada aos insights de público. O padrão é usar a experiência que já se tem, é fazer o que já se sabe”, disse Wright, que permanecerá envolvido no estúdio.

Chávez acrescentou: “Não é apenas a TV para uma tela menor. Há uma experiência real”.

Eles enfatizaram que a Vertical estava disposta a falhar. Em uma dessas ocasiões, o estúdio tentou fazer um programa móvel, “Epic Quit”, que mostrava as pessoas pedindo demissão de seus empregos de modo exagerado, mas, mesmo com os vários ajustes, não houve espectadores. O estúdio finalmente decidiu que a mera ideia de um emprego era algo enfadonho para os usuários do Snapchat.

“Você tem que estar disposto a mudar de ideia rapidamente, abandonar as que não estão funcionando e seguir em frente. Falhamos dezenas de vezes por semana para sermos bem-sucedidos uma vez por mês”, disse Wright.

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FONTE: EXAME